Adriana Fernandes – de O Estado
de São Paulo
A Caixa ignorou análises feitas
pela própria área técnica ao bancar o programa Minha Casa Melhor, uma linha de
crédito para a compra de móveis, computadores e eletrodomésticos. Da forma como
foi feito, o programa, considerado uma vitrine eleitoral da presidente Dilma
Rousseff, pode representar riscos para a saúde financeira do banco, segundo
documentos obtidos pelo jornal "O Estado de S. Paulo". Os documentos
mostram que a possibilidade de calote nessa linha, que é direcionada para os
mutuários do Minha Casa, Minha Vida, chega a 50,73% na faixa das famílias mais
pobres da população, a 30,31% nas intermediárias e a 28,52% na faixa de maior
renda atendida pelo programa. Com esses níveis potenciais de perda, apontam os
documentos, a necessidade de compensação pelo Tesouro é de R$ 2,9 bilhões até
2016. Além do potencial eleitoral, o programa está alinhado com a estratégia do
governo de estimular a economia via crédito para bens de consumo e tem ajudado
a aumentar as vendas do varejo num momento de retomada lenta do crescimento do
PIB. O Minha Casa Melhor deve ser ampliado para permitir também a compra de
produtos como smartphones e tablets. O parecer técnico da Caixa, produzido
poucas semanas antes do lançamento do programa, adverte que a decisão do
Tesouro, prevista na então Medida Provisória 620, de dispensar a Caixa do
recolhimento de parte dos dividendos para a cobertura do risco de crédito dos
financiamento dos bens de consumo, faz, "contabilmente, com que a operação
seja deficitária desde o começo". "Na medida em que as operações
fossem sendo realizadas, custos e despesas seriam acumulados, podendo ser
caracterizada uma antecipação de subvenção, dado que lucros e dividendos ainda
não foram pagos, nem sequer realizados", afirma um dos documentos.
Subsídio
Segundo a nota técnica, assinada
pelo superintendente Nacional de Contabilidade, Marcos Brasiliano Rosa, e pelos
consultores do banco Dannyel Lopes de Assis e Eduardo Bromonschenkel, a falta
dessa cobertura poderá ser questionada pelo Tribunal de Contas da União, por
caracterizar que a Caixa está subsidiando um programa de governo, o que é
vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O entendimento técnico é de que a
proposta de dispensar o recolhimento de parte dos dividendos para cobrir o
risco de crédito vai contra o estatuto da Caixa. Dessa forma, segundo fontes do
governo, a equalização da perda do programa deveria ser compensada com outra
modalidade de recursos, e não com os dividendos. "Logo, a proposta do
Tesouro, ao estabelecer que a operação se inicie deficitária, vai contra o que
rege o estatuto da Caixa", diz a nota. De acordo com outro documento, a
opção pela dispensa de recolhimento dos dividendos não é adequada para a Caixa "no
atual momento de necessidade de capital". A MP 620, já aprovada no
Congresso, autorizou ainda o aporte de R$ 8 bilhões feito ao banco e destinado
ao "funding" em si do financiamento, não podendo ser usado para
cobrir perdas. Isso indicaria porque na época do lançamento do programa, em
junho, o banco e o Ministério da Fazenda se recusaram a explicar como os
subsídios do programa seriam bancados. Segundo fontes, ficou pendente de
resposta a origem real dos recursos para pagar as perdas que, necessariamente,
deverão sair dos cofres do Tesouro. O risco de o TCU questionar o programa já é
dado como praticamente certo na área técnica Procurada, a Caixa informou que o
programa foi formatado com respaldo do departamento jurídico. Segundo o banco,
o risco de crédito e os custos operacionais estão cobertos pela União com a
autorização dada pela MP 620 para dispensar o recolhimento de parte dos
dividendos, respeitado, portanto, o seu estatuto. O banco diz que foram feitos
estudos internos sobre possíveis níveis de inadimplência em todas as faixas,
que permitiram a aprovação da operação.