Três grandes reportagens feitas
pelo portal UOL mostram que a política brasileira está contaminada pela
corrupção. As campanhas viraram investimentos de grandes empresas e a solidez
de um estado democrático e republicano está cada vez mais distante.
Sete dos dez maiores doadores de
campanha são suspeitos de corrupção
Leandro Prazeres – do portal UOL.
Levantamento feito pelo UOL
constatou que sete das dez maiores empresas doadoras de campanha nas eleições
de 2010 foram ou estão sob investigação devido a indícios de corrupção
envolvendo contratos públicos ou por conta dos seus relacionamentos com
partidos e políticos.
Para especialistas em direito
eleitoral e em contas públicas, os altos valores doados por empresas a
candidatos criam uma relação de "promiscuidade" na política que
favorece a corrupção no Brasil. Segundo eles, os casos de corrupção
investigados ou constatados são, segundo os especialistas, um "efeito
colateral" desse relacionamento e as doações são, na realidade, um
"investimento" feito pelas empresas. Empresas doadoras e partidos e
políticos que receberam as verbas rebatem o argumento e alegam que doações
foram feitas dentro da lei.
A pesquisa tem como base dados do
TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e aponta que, juntas, essas empresas doaram
aproximadamente R$ 496 milhões para candidatos e partidos (veja gráfico
detalhando os destinatários do dinheiro ao final do texto).
Entre as doadoras há cinco
empreiteiras, um banco e um frigorífico. Parte das investigações sobre os
envolvimentos dessas companhias em crimes de corrupção ainda está em curso, mas
já há casos de condenações.
A maioria dos crimes investigados
envolve o desvio de recursos públicos, superfaturamento de obras contratadas
por governos ou empresas públicas e a não contabilização de recursos utilizados
em campanhas eleitorais, o chamado caixa dois (veja os principais casos
envolvendo cada doador).
As sete maiores doadoras de
campanha em 2010 suspeitas de corrupção são: Construções e Comércio Camargo
Correa S.A, Construtora Andrade Gutierrez S.A, JBS S.A, Construtora Queiroz
Galvão S.A, Construtora OAS S.A, Banco BMG e Galvão Engenharia S.A.
Entre políticos e partidos,
apenas a direção nacional do PSC (Partido Social Cristão) e o ministro-chefe da
Casa Civil, Aloizio Mercadante (PT-SP), candidato ao governo de São Paulo em
2010, responderam. Os dois disseram que as doações recebidas pelo partido em
2010 seguiram a legislação eleitoral.
Para o secretário-geral e
fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, as doações de campanhas no
Brasil criam uma relação de promiscuidade entre as doadoras, partidos e políticos.
"Não é doação, é investimento. Existem estudos que indicam que, de cada R$
1 doado em campanha, as empresas conseguem outros R$ 8,5 em contratos públicos",
diz Castelo Branco.
Para Marlon Reis, que atuou por
dez anos como juiz eleitoral e é autor do livro "Nobre Deputado", as
doações de grandes empresas colocam partidos e políticos em situação de
"dívida" para com os doadores.
"Entrevistei vários
políticos que me explicaram como as doações são feitas. Um deles me disse que
essas doações são, na realidade, um adiantamento por futuros contratos públicos
que as empresas esperam ganhar. É o que eles chamam de bate-pronto",
explica.
Outro lado
O UOL entrou em contato com todas
as empresas, partidos e políticos citados nesta reportagem. A Camargo Corrêa S.A
e a JBS S.A não retornaram aos e-mails e às ligações. A Galvão Engenharia
informou que não iria se manifestar sobre o assunto. O Banco BMG respondeu
dizendo que não iria comentar sua política de doações.
A Queiroz Galvão S.A, a OAS S.A e
a Construtora Andrade Gutierrez S.A responderam alegando que todas as suas
doações foram feitas de acordo com a lei brasileira. A Andrade Gutierrez S.A
justificou suas doações com base na representatividade política de cada
beneficiado.
A legislação eleitoral brasileira
permite que empresas privadas façam doações a candidatos e partidos políticos.
O limite imposto pela lei é de 2% do faturamento das empresas. As principais
exceções são empresas concessionárias de serviços públicos como operadoras de
telefonia, rodovias e de serviços de saneamento básico.
Uma ação movida pela OAB (Ordem
dos Advogados do Brasil) no STF (Supremo Tribunal Federal) pediu a proibição
das doações de empresas para campanhas e, apesar a ação ter os votos da maioria
dos ministros do STF, a restrição não vai vigorar neste ano.
Doação para campanhas é 'investimento',
dizem especialistas
Para Gil Castello Branco, da ONG
Contas Abertas, estudos indicam que para cada R$ 1 doado em campanha, as
doadoras recebem R$ 8,5 em contratos públicos
Para Gil Castello Branco, da ONG
Contas Abertas, estudos indicam que para cada R$ 1 doado em campanha, as
doadoras recebem R$ 8,5 em contratos públicos
Para o secretário-geral e
fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, as vultosas doações feitas
por grandes empresas a partidos e candidatos são uma forma de
"investimento" que elas fazem para garantir contratos no futuro.
"Não é doação, é investimento. Existem estudos que indicam que, de cada R$
1 doado em campanha, as empresas conseguem outros R$ 8,5 em contratos públicos",
diz Castello Branco.
Segundo o juiz Marlon Reis, autor
do livro "Nobre Deputado", parlamentares que ele entrevistou
confirmaram que algumas doações são feitas com uma espécie de
"adiantamento" por contratos que deveriam ser direcionados às
empresas doadoras. "Eles chamam de doação bate-pronto. Eles doam, mas já
deixam explícito as áreas nas quais vão querer os contratos", diz o
magistrado.
Para a dupla de especialistas, os
casos de corrupção investigados pelos órgãos de controle e as eventuais
condenações resultante desses processos são meros "efeitos
colaterais" desse tipo de "investimento". "Em tese, para
essas empresas, não há muitas opções. Elas fizeram uma doação e precisam
conseguir o retorno. As únicas formas de elas recuperarem o investimento é
superfaturando obras ou conseguindo contratos generosos por conta de benefícios
concedidos", explica Castello Branco.
Castello Branco diz que um dos
elementos que o faz acreditar que as doações são vistas como investimentos é a
falta de critério ideológico com a qual elas são feitas. "Se fosse
ideológico [o critério de doação], as empresas não doariam dinheiro para
candidatos e partidos adversários disputando o mesmo cargo. Eles fazem isso
para manter boas relações com quem quer que vença as eleições. Eles doam para
quem eles acham que pode ganhar as eleições", diz.
Marlon Reis, que narrou a
história de um político corrupto em seu livro, diz que as empresas não fazem
doações esperando apenas contratos, mas também proteção em caso de
investigação. Ele diz que os poucos casos pelos quais as empresas são
investigadas ou condenadas representam uma fração mínima do total negociado de
forma obscura entre políticos e empresas doadoras.
"O orçamento da União, por
exemplo, é enorme. O que se consegue pegar de casos de corrupção é muito pouco
se comparado a tudo o que acontece. É um investimento com uma taxa de retorno
bastante alta", diz o magistrado.
Um exemplo de que a rede de
proteção criada por doadores e políticos pode estar sendo bem-sucedida é a
redução no número de indiciamentos por crimes do colarinho branco pela Polícia
Federal.
Levantamento feito pelo UOL em
fevereiro de 2014 constatou que o número de indiciamentos por corrupção pela
Polícia Federal caiu 75% nos últimos quatro anos, apesar das sucessivas
operações da PF no combate a esse tipo e crime.
Suspeitas entre gigantes da
economia envolvem desvio de verbas e propinas
O grupo de doadoras de campanha
pesquisadas pelo UOL está presente nas listas das maiores empresas do Brasil e,
em alguns casos, do mundo. O frigorífico JBS, por exemplo, é a maior companhia
do mundo no segmento, com um valor de mercado de US$ 9,6 bilhões. Mas elas
também figuram no noticiário relacionado à corrupção. Elas dizem obedecer à lei
em relação a doações eleitorais.
Entre os casos dos quais as
empresas são suspeitas de participar estão o mensalão, o cartel do metrô de São
Paulo e o esquema investigado pela Polícia Federal que deu origem à operação
Lava Jato, no qual, segundo a PF, o doleiro Alberto Youssef operava um sistema
de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro avaliado em R$ 10 bilhões.
Veja os principais casos
envolvendo cada uma das sete empreiteiras suspeitas de atividades irregulares:
Camargo Corrêa S.A
A Camargo Corrêa S.A foi a campeã
de doações em 2010. O escândalo mais recente envolvendo a campeã de doações
para campanhas em 2010 ficou conhecido como Operação Lava Jato, durante a qual
o doleiro Alberto Youssef foi preso. Um consórcio formado pela empreiteira para
a construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, pagou R$ 29 milhões a
empresas ligadas ao doleiro. A Polícia Federal suspeita que parte do dinheiro
tenha sido utilizada para o pagamento de propina a políticos e funcionários
públicos.
Em 2009, durante a Operação
Castelo de Areia, da PF, diretores da Camargo Correa foram presos e depois
liberados sob suspeita de participação em um esquema de lavagem de dinheiro e
repasses ilícitos a políticos. Em 2011, uma decisão do STJ anulou as provas da
operação obtidas por meio escutas realizadas pela PF.
Andrade Gutierrez S.A
A empresa foi a segunda colocada
no ranking de doações em 2010. Entre as investigações nas quais a Andrade
Gutierrez aparece como suspeita de corrupção, estão o superfaturamento
detectado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) em 2012 na construção da Arena
da Amazônia, que recebeu quatro jogos da Copa do Mundo, em Manaus. O órgão
detectou superfaturamento de R$ 86 milhões.
Em março de 2012, a Justiça de
São Paulo denunciou quatro diretores da empreiteira por suspeitas de integrarem
o cartel que teria acertado resultado de licitações para a ampliação da linha
5-lilás do Metrô de São Paulo.
Mais recentemente, em 2014, a PF
de Mato Grosso realizou o último desdobramento da operação Ararath, e a
empreiteira voltou aos holofotes. A PF suspeita que a empresa tenha abastecido
um esquema de corrupção envolvendo o recebimento de precatórios e o desvio de
dinheiro público.
JBS S.A
A JBS S.A foi a terceira maior doadora nas
eleições de 2010. A Polícia Federal de Mato Grosso investiga o suposto
relacionamento entre o presidente da empresa, Wesley Batista, e o grupo
suspeito de participar de um esquema que envolvia o pagamento de precatórios
com deságio, desvio de dinheiro público e pagamento de propinas. O caso foi
revelado durante a operação Ararath.
Em 2011, o Ministério Público
Federal abriu uma investigação para apurar os aportes bilionários no valor de
R$ 3,5 bilhões em compra de debêntures feita pelo BNDES.
Construtora Queiroz Galvão S.A
A empreiteira foi a quinta maior
doadora de campanha em 2010. Ela está sendo investigada pela suposta formação
de cartel nas obras de despoluição da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Em
junho de 2013, a empresa venceu, juntamente com as empreiteiras Andrade
Gutierrez e OAS, a licitação para as obras. Meses antes, porém, a revista
"Época" publicou um anúncio cifrado indicando que o resultado da
licitação havia sido acordado entre empresas do setor - prática conhecida como
"cartel".
A empresa também é investigada
por outra denúncia de cartel, envolvendo licitações para o Metrô de São Paulo.
Construtora OAS S.A
A Construtora OAS S.A foi a sexta
maior doadora de campanha em 2010. Entre os diversos casos de corrupção pelos
quais a empresa é e foi investigada, o mais recente veio ao público no início
deste ano. A PF investiga a suposta relação da empreiteira com o doleiro
Alberto Youssef, preso durante a Operação Lava Jato. A PF suspeita que dinheiro
repassado a empresas do doleiro estivesse sendo utilizado para pagar propinas
ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.
Banco BMG S.A
Sétimo maior doador de 2010, o
Banco BMG teve executivos do banco mineiro condenados no processo do mensalão
do PT que correu na Justiça de Minas Gerais. As condenações foram em 2012 e
incluíram o presidente do banco, Ricardo Annes Guimarães, sentenciado a sete
anos de reclusão.
A instituição foi acusada de
falsificar empréstimos ao PT, assim como o Banco Rural, para justificar
transações da contabilidade do caixa dois da campanha presidencial de 2002.
Galvão Engenharia S.A
A Galvão Engenharia foi a décima
maior doadora de campanha de 2010 e, assim como a OAS, também está sob
investigação por conta do seu suposto envolvimento com o doleiro preso Alberto
Youssef.
A empreiteira também foi
investigada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) em relação ao suposto
superfaturamento no valor de aproximadamente R$ 70 milhões na construção da
refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.