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BA 084, A Rodovia da Desigualdade: Distrito de Gasparino e Coronel João Sá. Capítulo Final!

Saindo do povoado Tingui, distrito de Sítio do Quinto, seguimos pela BA 084 até o povoado de Gasparino, distrito de Coronel João Sá. A estrada não apresenta nenhuma benfeitoria e segue em barro batido por cerca de 15 kms. A região é quase toda composta por agricultores familiares e a estrada é a única via de acesso às feiras livres municipais. Desnecessário afirmar os transtornos vividos durante os períodos chuvosos. Antes mesmo de chegar ao povoado Gasparino, desponta uma imagem de uma obra erguida pela engenharia moderna. Iniciada em 2008, depois de denúncias de corrupção e toda a sorte de senões que envolvem as obras no Brasil, a Barragem do Gasparino foi inaugurada em 2012. Quando cheia, o que aconteceu mais uma vez em 2021, sua capacidade de acúmulo de água a quase de 42 milhões de metros cúbicos, e se espalha por uma extensão de 13kms no leito do rio Vaza-Barris.

Apesar da demora na construção da Barragem do Gasparino, não se pode negar os benefícios que uma obra desta magnitude traz para o povo de toda a região, inclusive o advento do turismo. Sabendo disso, a administração municipal de Coronel João Sá promove a construção de um espaço de Lazer no local. Trata-se de uma orla com um centro de convivência com quiosques, parque infantil, campo de futebol, e área para eventos. Conforto total para banhistas e visitantes, mas que se arrasta por anos. Parece que tudo é demorado, quando se trata de alguma coisa que, de fato, venha a trazer benefícios à população.

O povoado Gasparino foi fundado no ano de 1964, na administração do prefeito José de Justino, mas seu crescimento se deu mesmo a partir da criação da Igreja de Santa Luzia. A construção do santuário nasceu da devoção de um rezador de novenas chamado José de Pedro. Vendo a dedicação do irmão, Zezé de Pedro doou um terreno para erguer a igreja. Os moradores entraram com o que faltava. Por volta de 1978 começam as festividades em torno da Igreja de Santa Luzia, começando sempre em 1º de dezembro e só encerrando no dia 13 do mesmo mês. É nesta época que Gasparino recebe mais autoridades e turistas. Quando a orla for finalmente inaugurada, espera-se um aumento significativo de visitantes ao local.

Seguimos por mais 15 kms até a sede municipal de Coronel João Sá. A BA 084 continua sendo de barro batido, com um fluxo maior de transeuntes. Várias povoações aparecem ao longo das duas margens, graças à influência dos rios da região, que não são poucos. Talvez este fato explique as últimas inundações ocorridas em Coronel João Sá. Apesar de ser afluente do Vaza-Barris, o Rio do Peixe nasce na Serra Negra, em Pedro Alexandre. Antes de desaguar no principal rio da região, recebe o reforço dos Rio das Tocas e Rio dos Cavalos. Ao longo do seu curso possui três barragens. Todas se romperam em 2019 desabrigando centenas de moradores. O rio só vai encontrar o Vaza-Barris na divisa com o município de Sítio do Quinto.

O município de Coronel João Sá tem uma história curiosa. Hoje, o seu tamanho é de 883,522 km² e abriga uma população em torno dos 16 mil habitantes. Para chegar até aqui, a história passa pelo fim dos seus primeiros moradores, já que hoje é quase impossível encontrar nativos indígenas no território do município. O que ficou dos seus primeiros habitantes virou lenda e denominações de lugares. É o caso da Mãe Carira, história que revela moradores da Barra Larga derrubando grandes áreas para a plantação de milho. Os índios foram afastados para bem longe e passaram a furtar o milho. Os proprietários das terras tentavam capturá-los, sem sucesso. Resolveram então fazer um acampamento dentro das plantações. Quando os índios invadiram, foram recebidos pelos cães. Entre eles estava Mãe Carira. A índia, muito ferida, chegou até uma árvore chamada Jequiri, ao lado da casa do vaqueiro João Martins. Ele socorreu a velha índia e cuidou dos seus ferimentos. Tempos depois, Mãe Carira morreu, e foi enterrada pelo vaqueiro no mesmo lugar onde caiu ferida. Em sua cova, uma cruz de madeira marcou o local. Naquele tempo não havia uma definição de fronteira entre estados. A lenda acabou por dar nome ao município de Carira, fronteira com Coronel João Sá, no lado sergipano. Ainda há marcas dos indígenas na região, como a denominação Iguaba, segundo nome dado à povoação. Além disso, há pintura rupestre na localidade de Pedra da Igreja, reveladora da ancestralidade dos povos do município.   

Mas a região de Coronel João Sá chegou a pertencer a Pernambuco. Com doação de sesmarias feitas pela Casa da Torre, localizada na Praia do Forte, da família de Garcia Dávila, a pecuária chegou à região, a Bahia chegou até o São Francisco e ganhou o Oeste até o Tocantins. Em 1701, com a proibição da criação de gado no litoral, a criação de gado chegou ao Agreste e daí ao sertão. Começam a surgir pequenas povoações em meados do século XVIII. Foi o gado vindo de Sergipe, guiado pelos rios, que fez brotar a primeiras povoações. Em 1877, uma seca se abateu sobre o sertão e matou metade dos humanos e animais. Um poço de água doce reunia muitos moradores e transeuntes no local. Nasce um pequeno povoado denominado Bebedouro, berço de Coronel João Sá. No ano de 1943 o povoamento Bebedouro passa a ser chamar Iguaba, que em tupi significa fonte de beber água.  

Com a passagem dos tropeiros e vaqueiros levando boiadas, Iguaba/Bebedouro foi crescendo. Várias famílias passam a criar raízes no local, como a de Chiquinho do Rio do Peixe, a de José Frutuoso dos Anjos, construtor da primeira casa de alvenaria, do cemitério local e da reforma da Igreja, inclusive com doação de Lampião. Por falar nisso, o bandoleiro tinha forte aproximação com Antônio Gonçalves de Sá, o Coronel João Sá, dono de boa parte das terras de Jeremoabo, o município-mãe. A casa construída por Frutuoso ainda está de pé na praça Santo Antônio.

Em 18 de janeiro de 1901 chega a imagem de Santo Antônio a Bebedouro. O santo passa a ser cultuado e vira padroeiro do lugar. Mesmo assim, em 1920 paira uma desgraça sobre a povoação: um surto de varíola. Quase toda a população foi contaminada e muitos morreram. Seu reconhecimento como povoado de Jeremoabo só veio em 1927, depois de resolvida a questão da divisão exata entre Bahia e Sergipe. Até 1921, a região era tida como pertencente a Sergipe.

Como Coronel João Sá dava coito a vários cangaceiros, muitos deles viveram ou passaram por Bebedouro em algum tempo. O próprio Lampião, Corisco, Anjo Rock, Zé Sereno, Moita Braba, Balão e outros. Em 1929, quando esteve em Bebedouro, Lampião ficou hospedado na casa do Capitão Augusto Pinheiro. Quando ganhou a condição de distrito de Jeremoabo, em 1943, Bebedouro passa a ser Iguaba. Era prefeito de Jeremoabo o capitão Bento Nolasco. A primeira escola só surge em 1955 com o nome de Grupo Escolar Juracy Magalhães. Até então, o percentual de analfabetos beirava os 100%.

Os fundadores do município de Coronel João Sá foram José de Justino dos Santos, Carvalho de Sá e Francisco Timóteo Dias. Na verdade, José de Justino fez uma jogada de mestre e propõe a emancipação de Iguaba com o nome de Coronel João Sá, pai de Dr. Carvalho de Sá, então prefeito de Jeremoabo. No dia 28 de julho de 1962, o distrito de Iguaba é elevado à categoria de município com o título de Coronel João Sá, segundo a lei estadual n° 1.976.

A única justificativa para que o nome do coronel se imortalizasse na denominação da cidade só se pega na questão política. Jesuíno Martins de Sá vem de Água Branca, Alagoas, em meados do século XIX, e compra a fazenda Torá em Jeremoabo. Mais tarde casa-se com dona Delfina Gonçalves, viúva e senhora de engenho. Daí nascem os filhos Jesuíno Júnior, Emílio, José Gonçalves, Lydia e João Gonçalves (o Coronel João Sá), todos de sobrenome Martins de Sá, e dedicados ao comércio e aos estudos de medicina e engenharia. Foram, portanto, feitos pessoais que não justificam relação forte com Bebedouro, a não ser a jogada feita por José de Justino para conseguir a tão sonhada emancipação.

Depois da independência, Coronel João Sá cria também seus coronéis na política. O primeiro e quase imbatível foi José de Justino dos Santos, que dominou politicamente o município por quase quarenta anos, elegendo e fazendo seus sucessores. Só ele foi prefeito por 4 vezes. O último a assumir um mandato sob a tutela do emancipador foi seu filho, Adelmo Santos, que governou até o ano de 2000. Neste ano disputou a 1ª reeleição para prefeito contra José Romualdo, que havia sido prefeito antes, com apoio do grupo de José de Justíno. Agora na oposição, Romualdo rompe com o continuísmo para não mudar muita coisa, já que ele foi também figura do processo. José Romualdo Costa passa a ser também o primeiro prefeito a exercer dois mandatos consecutivos, administrando de 2001 a 2008. No ano seguinte, Adelmo volta a se candidatar sem sucesso. O vencedor é Carlinhos sobral, que revezará o poder com Romualdo até os dias atuais.

Nas últimas eleições, no ano de 2020, Carlinhos Sobral é reeleito prefeito derrotando Romualdo Costa, que perdeu para o atual prefeito a reeleição em 2016. Como quase sempre, o placar foi apertado naquele ano. Carlinhos (PMDB) teve 5.623 votos, ou 50,26%; Romualdo (PSD) chegou aos 5.564 votos, ou 49,74% dos votos válidos, ou seja, diferença de apenas 59 votos. Já em 2020, Carlinhos Sobral (MDB) venceu com uma margem bem melhor. A reeleição veio com 6.229 votos, ou 56,78%. Romualdo (PSD) obteve 5.046 votos, ou 43,22%. A Câmara de Vereadores para o quadriênio 2021/2024 será composta pelos seguintes nomes: 1 – Katson (MDB) – 949 votos, ou 8,10%; 2 – Raul de Renatão (PCdoB) 700 votos, ou 5,98%; 3 – Cachorrão (MDB), com 593 votos, ou 5,06%; 4 – Juninho de Evani (PSD), com 561 votos ou 4,79%; 5 – Iran de Zé de Joana (MDB), com 557 votos, ou 4,76 %; 6 – Léo de Lié (MDB), 542 votos ou 4,63%; 7 – Manoel de Avelina (PCdoB), com 512 votos ou 4,37%; 8 – Marly do Sindicato (PCdoB), com 460 votos, ou 3,93%; 9 – Rômulo Costa (PSD), 428 votos ou 3,65%; 10 – Márcia de Ronivon (PP), com 427 votos, ou 3,64%; e 11 – Dé de Teresinha (PP) com 397 votos, ou 3,39%.

No dia 28 de julho de 2021, durante a Cerimônia de Celebração dos 59 anos de Emancipação Política de Coronel João Sá, o governador Rui Costa anunciou a pavimentação asfáltica da BA-084, no trecho que vai até o município de Sítio do Quinto. A esperança dos moradores desta região respirou aliviada. Mas ficou só por aí. No final de outubro daquele mesmo ano é autorizada pelo Governo da Bahia a elaboração do Projeto de Pavimentação Asfáltica da BA-084, no mesmo trecho. O sonho antigo de todos estava mais perto. Ao todo são 41 kms de pavimentação asfáltica, que dará um novo impulso à região. Até a data da publicação deste vídeo, não foi dada nenhuma ordem de serviço para o início das obras. Mais uma vez, a lentidão se faz presente quando as obras são prometidas em Coronel João Sá.

Mas a BA 084 atravessa a cidade e o Rio do Peixe e segue resoluta até a BR 235. São só mais 12 kms para findar o seu percurso total de quase 400 kms, levando-se em conta os trechos irmanados com outras rodovias. De todos os trechos sem pavimentação asfáltica, muitos já foram prometidos, mas apenas os 31 kms entre Água Fria para Pataíba e Biritinga estão sendo licitados. A BA 084 liga importantes cidades e se interliga a importantes rodovias, daí a urgência de se pavimentar por inteiro, nivelando o desenvolvimento das regiões por onde ela passa. Não há mais tempo, num mundo tão tecnológico, esperarmos tanto por obras tão simples e com retorno quase imediato. É preciso que os prefeitos, ao longo da rodovia, possam imaginar um consórcio para manutenção da estrada, assim que for construída completamente. Há saídas para evitarmos tantos atrasos de viagem, carros danificados e acidentes que poderiam ser evitados. A BA 084 precisa deixar de ser tão desigual para que o desenvolvimento da Bahia seja sempre constante e do real tamanho do nosso estado. 

Veja o vídeo completo: