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Nossa Senhora de Lourdes - Cidades do Velho Chico 21

Um Lugar no Sertão: Monte Santo e Pedra Vermelha - Capítulo 4

Saímos de Euclides da Cunha e pegamos a BA 220 para Monte Santo. Percorremos 38 kms de estrada em perfeito estado de conservação. Ao logo do trajeto, três comunidades se apresentam irmanadas com a rodovia e pertencentes ao território de Monte Santo: Derba, Lajinha e Laje. Alguns quilômetros antes, já é possível desfrutar a imagem deslumbrante da Serra do Piquaraçá e, aos seus pés, como se a fazer reverência, está toda a cidade de Monte Santo. Chegamos ao município por volta do meio-dia e o estômago reclamava. Fomos então para a Lanchonete D’Ana, que serve almoço nos dias de feira livre. Não foi difícil deixar o prato vazio porque a comida estava ótima. Barriga cheia, fomos à luta!

Mas Monte Santo não é de hoje. Sua história começa em outubro de 1775, quando o Frei Apolônio de Todi sai da aldeia de Massacará para atender um chamado do fazendeiro Francisco da Costa Torres. Este ara dono da fazenda Lagoa da Onça e pretendia realizar uma missão de penitência em sua propriedade. Na chegada do frei havia uma grande seca, sem água no local. A  missão não foi realizada e seguiu então para o logradouro de gado denominado Piquaraçá, onde existia um olho d’água em abundância, hoje conhecido como Fonte da Mangueira, localizado no pé da serra.

Frei Apolônio de Todi ficou impressionado com a serra e sua semelhança com o Monte Calvário de Jerusalém. Logo convocou os fiéis que o acompanhavam para transformar o monte em sagrado. O nome não poderia ser outro: Monte Santo. Começa então a marcação do seu dorso com os passos da Paixão. Logo em seguida, mandou tirar madeira e construiu uma capelinha e realizar a missão, cortando paus de aroeira e cedro para fixar em determinados espaços regulares do trajeto, a primeira dedicada às almas, as sete seguintes representando as dores de Nossa Senhora e as quatorze restantes lembrando o sofrimento de Jesus, na sua caminhada para o calvário em Jerusalém.

Em primeiro de novembro do mesmo ano, encerrou a procissão de penitência, com um sermão, finalizando as suas palavras pedindo aos fiéis que todos os anos, nesta data, fossem visitar o Monte. Em seguida, deu-se início a construção das capelas no local das cruzes e das igrejas do calvário e da matriz. Até hoje a Procissão se realiza no dia de Todos os Santos. Visitam a cidade dezenas de milhares de romeiros para subir e chegar até a Santa Cruz. Pagam promessas, renovam esperanças e tentam deixar o amanhã mais previsível para o bem viver.

Mesmo antes da conclusão da construção, em 1790, o Santuário foi elevado à categoria de Freguesia por Decreto de Lisboa, recebendo o nome de Santíssimo Coração de Jesus de Nossa Senhora da Conceição de Monte Santo, sendo nomeado o seu primeiro pároco o Padre Antônio Pio de Carvalho. Os primeiros povoadores de Monte Santo foram Francisco da Costa Torres, da Fazenda Laginha, Domingos Dias de Andrade, José Maria do Rosário, da Fazenda Damázio, e João Dias de Andrade.

A fé transformou o local em divino e o povo começou a criar raiz ao pé da serra. Nasce então o distrito com a denominação de Coração de Jesus do Monte Santo ou Conceição de Jesus, subordinado ao município de Itapicuru. Em 21 de março de 1837, o distrito é elevado à categoria de vila com a denominação de Coração de Jesus do Monte Santo ou Conceição de Jesus pela Lei Provincial n.º 51, desmembrado de Itapicuru. Em 15 de agosto do mesmo ano foi instalado o município com apenas um distrito sede. Quando distrito de Uauá foi criado, em 1905, anexaram à vila de Monte Santo. O município voltou a ficar com apenas um distrito com a criação do município de Uauá, em 1926. Sete anos depois, em 30 de junho de 1933, é criado o distrito de Canudos e anexado a Monte Santo, que volta a ter dois distritos mais uma vez. Entretanto, a anexação durou menos de 3 meses. Em 19 de setembro daquele mesmo ano, Canudos passa a ser distrito de Euclides da Cunha, antigo Cumbe.

O nome definitivo de Monte Santo só se efetivou quando a localidade passou a ser cidade, em 25 de julho de 1929, pela Lei estadual 2.192. Mas ainda havia muitas surpresas pelo caminho. Dois decretos estaduais de 1931 deixam Cumbe e Uauá na condição de simples distritos e os dois são anexados a Monte Santo, trazendo com eles o também distrito de Canudos. Essa situação dura até 1933, quando em 19 de setembro daquele ano são recriados os municípios de Uauá e de Cumbe. Nesta época, o distrito de Cansanção já pertencia a Monte Santo. Somente em 1952 é criado o município de Cansanção, desmembrado de Monte Santo. Entretanto, o STF – Superior Tribunal Federal – em 1954, considera Cansanção extinto, voltando a ser distrito de Monte Santo. Cansanção só passa a ser município, em definitivo, no ano de 1958.

Hoje, Monte Santo tem uma área total de 3.034,197 km², com uma população de 47.780 habitantes, censo de 2022, numa densidade demográfica de 15,75 almas por km². O turismo religioso fez o município ser conhecido em todo o país. Duas rodovias se encontram na cidade: A BA 220 e BA 120. Apesar de ter esta população e uma imensa área, Monte Santo tem apenas um distrito, que é a sede. Apesar disso, em suas terras há povoações que mereceriam, se ainda não são, a categoria de distritos. Uma comunidade que não deixa dúvida é o povoado Pedra Vermelha, distante 25 kms da cidade. Fundado em 1945, nasceu da antiga Fazenda Pedra Vermelha. O nome foi dado por vaqueiros que, buscando local de descanso e águas para seus rebanhos, descobriram uma grande laje coberta por líquen vermelho-claro. Daí a denominação que permanece até a presente data. De lá para cá a localidade só faz evoluir.

O povoado tem como padroeira Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, cuja Capela foi construída por Laurentino Silva. Os festejos são realizados todo dia 24 de julho. Além de um comércio desenvolvido e uma vasta produção agrícola familiar, o povoado é ligado a Monte Santo por asfalto irregular da BA 120, irmanada com a BA 220. No povoado, as duas rodovias se separam e perdem o asfalto. A BA 220 segue para Horizonte Novo, outro grande povoado de Monte Santo, e o município de Andorinhas. Em sentido norte segue a BA 120 com destino a Uauá. Pedra Vermelha tem ainda boa estrutura de saúde, rede de distribuição de água, várias ruas pavimentadas, colégio estadual de ensino médio e rede municipal de educação com boa estrutura. É quase uma cidade.  

Um Lugar no Sertão: Euclides da Cunha

Quem sai de Caimbé pela BA 220, com destino à cidade de Euclides da Cunha, tem a impressão de que o governo acordou para a importância da ligação entre o município sede e um dos seus mais importantes distritos. Mas é só mesmo impressão. Logo depois, a BA 220 se transforma num corredor de areia, buracos e lama. Bem próximo da cidade, a estrada volta a ser um pouco larga, mas, mesmo assim, não parece ser uma BA. Mais uma promessa foi feita para a chegada do asfalto. As máquinas estão na pista mais uma vez e o povo, com razão desconfiado, espera o término da obra ou o seu reinício.

Toda essa região foi um dia habitada pelos índios Caimbés, da tribo dos Tupiniquins. Mas os brancos chegaram por aqui vindos de Monte Santo e Tucano, principalmente. Fixaram suas famílias e trabalharam nas lavouras e criação de gado. O povoamento da colonização teve início na Fazenda Cumbe do Major, de propriedade do Major Antonino, primeiro explorador das terras do município. Os padres jesuítas, em missão de catequese pelo sertão, iniciaram a construção de uma capela em Massacará, terminada pelos padres franciscanos.

A sede da fazenda Cumbe ficava a 36 kms da comunidade de Massacará e recebia colonos vindos de várias regiões. Logo chegou o progresso na vila que nascia. Em 1881 virou Freguesia de Nossa Senhora do Cumbe, distrito de Monte Santo. No ano de 1888 foi construída uma capela subordinada a de Massacará, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, pelo padre Vicente Sabino dos Santos. No ano de 1898 Cumbe vira vila e seu território é desmembrado de Monte Santo. Em 1911 vira município com um único distrito-sede. Na era Vargas, em 1931, Vila do Cumbe foi extinta e a sua área reanexada ao município de Monte Santo.

Somente dois anos depois Cumbe é elevado novamente à categoria de município, pelo Decreto n.º 8.642, de 19 de setembro de 1933, desmembrado de Monte Santo, agora com dois distritos: Cumbe e Canudos. A instalação se deu em 10 de outubro de 1933. Pelo Decreto Estadual nº 11.089, de 30 de novembro de 1938, Cumbe passa a ser chamado de Euclides da Cunha. Em 1953, Massacará passa a distrito e é anexado ao município de Euclides da Cunha. Em 1985, nasce o município de Canudos e Euclides da Cunha passa a ter apenas dois distritos: a sede e Massacará. Porém, em 5 de novembro do mesmo ano, os povoados de Caimbé e Aribicé passam a ser distritos. Hoje a formação é com 4 distritos: Euclides da Cunha, Massacará, Caimbé e Aribicé.

Euclides da Cunha tem um comércio bem desenvolvido por ser um centro regional. Servido pelas rodovias BR 116 e BA 220, é ponto de partida e de chegada. Vários bons hotéis recebem passantes para vários pontos do nordeste, além de receber intensa frota de caminhões. Mas a renda de sempre do município é a agricultura, com sua expressiva produção de feijão, milho e mandioca. Em suas vastas áreas os pecuaristas criam rebanhos ovinos, suínos, caprinos e muares. É ainda produtor de galináceos e de mel de abelhas. E Euclides da Cunha ainda se destaca na produção de cal e pedra.

Ao longo destes anos, vários personagens euclidenses saíram de seu solo para brilhar país afora. Exemplo é o poeta, repentista e pesquisador brasileiro José Aras. Escreveu o primeiro relato em versos de cordel e a história da guerra de Canudos em prosa. José Soares Ferreira Aras nasceu em 28 de julho de 1893 e morreu em 18 de outubro de 1979. Seu filho, Roque Aras, chegou deputado federal, considerado um dos grandes parlamentares da Bahia. Seu neto, Augusto Aras, infelizmente não angariou mesma fama como Procurador Geral da República. 

Outro grande euclidense foi João Siqueira Santos, nascido em 25 de abril de 1909 e falecido em 25 de agosto de 2007, mais conhecido como Ioiô da Professora ou Seu Ioiô. Era uma fonte viva de informação sobre Antônio Conselheiro e a Guerra de Canudos. Sua mãe, Erotildes Siqueira, primeira professora da Vila do Cumbe, serviu de enfermeira para os militares feridos vindos do palco da Guerra de Canudos. Além disso, manteve contato com os conselheiristas sobreviventes da guerra.

Mas o mais famoso dos euclidenses foi Pedro Sertanejo, ou Pedro de Almeida e Silva, nascido em Euclides da Cunha em 26 de abril 1927 e morreu em São Paulo em 3 de janeiro de 1997. Foi sanfoneiro, compositor, radialista e fundador do primeiro selo independente, a Gravadora Cantagalo. Além disso, nos deixou outro gênio da sanfona, o seu filho Oswaldinho do Acordeom. Pedro Sertanejo levou o forró para São Paulo, criando um salão de festas, situado na Rua Catumbi, no bairro do Belenzinho, ponto de encontro de vários nordestinos em São Paulo. Lá se apresentaram Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Zé Gonzaga, Marinês, Dominguinhos, dentre outros. Pedro Sertanejo gravou, na Cantagalo, ao longo de sua carreira, mais de 100 LP's. Ele ainda é autor da música Euclides da Cunha, feita para homenagear sua cidade natal.

O nome do município não poderia deixar de ser uma homenagem merecida ao escritor de Os Sertões. Seu território limita-se com os municípios de Monte Santo, Novo Triunfo, Quijingue, Cansanção, Cícero Dantas, Jeremoabo, Canudos e Banzaê. Fica distante de Salvador 311 kms e sua área total é de 2.028,421 km², que abrange uma população de 61.456 almas, com uma densidade demográfica de 30,3 habitantes por km. A maior festa do município ocorre no mês de junho e já é famosa em todo o estado: “Arraiá do Cumbe”, com atrações nacionais e locais. Uma boa oportunidade para conhecer a cidade e provar da sua tradicional carne de bode, ofertada em vários restaurantes da zona urbana ou rural.

A história do assassinato de Karoline

Karoline abraçada com seu futuro assassino. Mais um feminicídio de uma saga que parece não ter fim. (Foto: Carla Stúdio)
A imagem desta postagem pode representar um momento de felicidade de um casal diante de uma máquina fotográfica. Mas é apenas um momento. Neste último domingo, dia 12 de novembro, o abraço virou tragédia, o amor passou para o ódio e o afeto se transformou em ataque a facadas. Depois de uma discussão, Karoline de Jesus Nascimento, moradora do conjunto Françual, em Poço Verde – SE, foi encontrada com várias perfurações pelo corpo em frente à residência. O agressor, seu companheiro, estava numa calçada, já contido por populares. Antes mesmo de ser socorrida, Karoline deixou esta vida. Ela tinha 27 anos e mãe de duas crianças. O feminicida foi levado para a delegacia de Tobias Barreto e o corpo de Karoline seguiu para o Instituto Médico Legal, em Nossa Senhora do Socorro, na região metropolitana de Aracaju. Este é mais um capítulo da saga sobre o assassinato de mulheres no Brasil. Parece que vivemos a era do insano, onde a lei, o correto, o bom senso, o humano, a amizade e o amor perdem de goleada para o ódio e a barbárie.