Exclusivo!

Nossa Senhora de Lourdes - Cidades do Velho Chico 21

Uauá - capítulo 1 da série Um Lugar no Sertão

Quando chegamos a Uauá, a cidade estava em festa, toda enfeitada para louvar o seu padroeiro São João Batista. Tudo estava destinado à alegria, com palcos armados onde desfilariam os artistas mais afamados que os cofres do município possam pagar. Qualquer passante por estas bandas tem despertada a sua curiosidade quando ouve as quatro vogais, desprovidas de consoantes e com sílaba repetida imitando um refrão: Uauá. É música para os ouvidos e interrogações para a mente. Vamos então aqui decifrar algumas curiosidades a respeito desta comunidade.

O primeiro documento em que aparece o nome Uauá é o tombo dos bens patrimoniais da Casa Tatuapara, mais conhecida como Casa da Torre. O território constava na relação dos bens de Garcia D’Ávila, como fazenda arrendada ao senhor André Gonçalves Batista da cidade de Jeremoabo. Depois de passar por várias famílias, a fazenda Uauá foi comprada por Pedro Pereira de Alcântara, o popular Pepedro. Este mandou construir um tanque para armazenar água, permitindo a permanência no local. Mais tarde as terras foram vendidas a Francisco Ribeiro, que pode ter sido, de fato, o iniciador da povoação. Francisco e sua esposa Joana Rodrigues construíram a sede da fazenda às margens do rio Vaza-Barris, no início do século XVIII. A casa ainda está de pé, conhecida como a casa de Dona Nair, localizada na Praça Adhemar Guimarães.

Com a família crescendo, casas foram construídas. Também foram erguidas moradias para os vaqueiros e seus familiares. Não demorou para Uauá virar um arraial. Sua localização também ajudou muito, pois era ponto de parada para comerciantes e consumidores entre os municípios de Monte Santo e Curaçá. Mas a fama do lugar chegou por motivos desagradáveis. Foi o local da 1ª batalha da Guerra de Canudos. No arraial, no dia 21 de novembro de 1896, O tenente Manuel da Silva Pires Ferreira comanda 113 soldados, oficiais, médico e guias recrutados nas forças do Estado da Bahia contra os conselheiristas. Entre a preparação da batalha e o fogo cruzado, o conflito demorou cerca de 4 horas, das 5 às 9 da manhã. A batalha que parecia favas contadas para o governo, virou um pesadelo. O governador era Luiz Viana, que atendeu solicitação do juiz de direito Arlindo Leone e convocou a tropa. O magistrado dizia que o Conselheiro iria invadir e saquear a cidade de Juazeiro, por não receber a madeira para construir o telhado da igreja de Canudos, compra feita com pagamento antecipado. Resultado da peleja: 30 soldados fora de combate e mais dez deles mortos. Dos que restavam, metade deserdaram. Os conselheiristas venceram, apesar de registrar 150 mortos, dos 1.500 que, armados de paus e pedras, sufocaram os rifles do exército. Pires Ferreira, para justificar a derrota, creditou a Belarmino Ribeiro ter avisado sua localização e chegada aos defensores de Canudos. Belarmino, que inclusive era professor e acolheu o tenente, decepcionado, foi morar em Juazeiro.

Na época do conflito, Uauá possuía duas ruas, uma praça e ficava localizada num entroncamento de acesso a Jeremoabo, Canudos, Curaçá, Monte Santo, Patamuté e Juazeiro. A maioria das casas eram de taipa. A população diminuiu naquele dia da batalha. Muitos fugiram, retornando depois porque não tinham para onde ir. Várias casas foram destruídas pelo fogo. Após a Batalha, Uauá Volta a se erguer sob comando das Famílias Ribeiro, Rodrigues, Borges, Guimarães e Andrade. No dia 08 de julho de 1905, o Decreto Lei n° 590 cria o distrito de Paz no Arraial de Uauá, subordinado ao município de Monte Santo. Nesta mesma data foi nomeada a senhora Júlia Moraes, professora leiga, para organizar a educação no arraial. Em 1911, é escolhido o local para construção da Igreja Matriz. O marco foi a construção do cruzeiro, até hoje existente em frente da Matriz. Em 1912, a Igrejinha do Bonfim é o centro das manifestações religiosas, sendo o Senhor do Bonfim cultuado como padroeiro inicialmente. Entre 1920 a 1923 é criada a Sociedade Filarmônica 15 de Novembro, sob a batuta do maestro José Arnóbio Varjão. Em 24 de maio de 1923, o Arcebispo de Salvador, Dom Jerônimo Tomé de Souza, cria a Paróquia de Uauá e nomeia o primeiro vigário da freguesia, padre João do Prado Nascimento. Neste mesmo dia, São João Batista é louvado como padroeiro de Uauá.

A partir de 1923, Uauá começa a despontar no comércio. Fazia negócios no lugarejo o empresário Delmiro Gouveia, de Alagoas. Destaque para as peles de caprinos e ovinos, consideradas as melhores do mundo ao lado das de Curaçá. Eram exportadas para o continente europeu e para os Estados Unidos. Com um crescimento tão visível, não era possível mais Uauá ser um arraial. Líderes políticos da época pressionam o neto do Barão de Jeremoabo, deputado Cícero Dantas Martins, para providenciar lei de emancipação da localidade. Em 09 de julho de 1926 é publicada a Lei nº 1866, que eleva Uauá à categoria de vila e cria o município. No mesmo ano é realizada sua primeira eleição e o coronel João Borges de Sá toma posse como primeiro prefeito de Uauá, em 28 de setembro de 1926. Vale aqui o registro dos primeiros vereadores: Coronel Olímpio José Rodrigues (Presidente), Major João Antônio da Costa (Vice), João Elpídio Filho (1º Secretário), João Damasceno Sobrinho (2º Secretário), Marcelino Carvalho, Pedro Gonçalves Cardoso, Benício José Ribeiro e Arquías Dantas Araújo. Neste ano também reiniciam as obras da Igreja Matriz.

Alguns fatos precisam ser citados sobre a história de Uauá. A Coluna Prestes, por exemplo, passou pelo município, atacou fazendas, enfrentou as tropas do governo e deixou duas vítimas fatais: os fazendeiros Raimundo Cardoso e Ernesto de Cândido Gonçalves. Anos depois, em 1930, com a revolução promovida por Getúlio Vargas, cai o coronel João Borges de Sá. Em 1931, no dia 6 de março, Constantino Tolentino de Souza é nomeado prefeito e fica até 08 de julho do mesmo ano. Nesta data é publicado o decreto nº 7.479, passando a ser Uauá apenas um distrito de Monte Santo, administrado por subprefeitos nomeados. A emancipação política só é devolvida ao município em 19 de setembro de 1933, mediante decreto do interventor federal Juracy Magalhães, de nº 8.641. Em 10 de outubro daquele ano, volta a sentar na cadeira de prefeito o coronel João Borges de Sá. Em 19 de junho de 1945, pelo decreto estadual n° 512, foi criada a Comarca de Uauá.

A cidade fica localizada no encontro do Riacho do Jorge com o rio Vaza-Barris, num vale que outrora já foi muito fértil. Próximo dali, por cerca de 6 kms, está o encontro do Riacho da Besta com o generoso Vaza-Barris. Bem perto também está o açude de Rodeadoro, na estrada para o povoado Pedra Grande. Uauá tem um vasto território 3.060,116 km², onde vive uma população de 24.665 habitantes, com uma densidade de 8,1 almas por km2. Além do distrito sede, há ainda Caldeirão e Serra da Canabrava. Duas rodovias servem ao município: a BR 235, para Juazeiro e para Jeremoabo, e a BA 120, que liga a cidade à BA 220 na altura de Pedra Vermelha, seguindo para Monte Santo.

Seu nome, de origem indígena, significa pirilampo ou vaga-lume. É como se Uauá precisasse chamar atenção no escuro ou, como um pisca de alerta, despertar o olhar dos passantes na sua direção e dizer que está ali, protegido pela fé do seu povo e, apesar de toda escuridão, tem muito a revelar aos visitantes. Principalmente, tem um povo que não renega suas origens e trabalha todos os dias à busca de uma vida cada vez melhor, molhando com seu suor a terra e fazendo brotar o alimento que dá força e faz caminhar sempre em frente.