Exclusivo!

Nossa Senhora de Lourdes - Cidades do Velho Chico 21

BA 395, a rodovia de Creguenhém que foi esquecida

Como sabemos, a Bahia está distante, muito distante mesmo, de ser um estado com rodovias em condições que satisfaçam as necessidades do nosso povo. As federais deixam a desejar, as estaduais são ruins em sua maioria e as municipais são péssimas, com pouquíssimas exceções. Na nossa região a coisa é um pouco pior. Além das federais deterioradas por buracos e remendos a perder de vista, são poucas as estaduais asfaltadas e em boas condições de tráfego. Agora, não me vem à memória uma estrada vicinal asfaltada ou em condições excepcionais para uso. Neste vídeo, conheceremos uma estrada esquecida pelo governo do estado: a BA 395. Além de ligar duas rodovias federais, a BR 110 e a 410, passa por várias comunidades nos municípios de Tucano e Cipó, todas margeando o rio Itapicuru, inclusive o distrito de Creguenhém, em Tucano.

O início do nosso percurso é na BR 110, logo depois de sair da cidade de Cipó, também ainda depois do entroncamento desta BR com a rodovia BA 084, que segue para a cidade de Ribeira do Amparo. A impressão inicial é que a rodovia seria bem larga e encascalhada. Depois de passar por algumas comunidades naquele chapadão, destacando-se o povoado de Itapicuru, 8 kms depois, na localidade de Cotias, começa o município de Tucano. A rodovia já vinha ficando ruim, mas dava para passar. Do limite entre os dois municípios até a descida da chapada em direção ao povoado Olhos D’Água não há rodovia. É uma trilha de areia ou barro batido, onde mal passa um carro. A estrada vai se alargar e ganhar ares de rodovia já próximo a Olhos D’Água.

Por falar nisso, este povoado tem uma Igreja dedicada a São Pedro. Por sinal, sua maior festa ocorre no dia do santo, em 29 de julho, e é uma das mais concorridas na região. Olhos D’Água é a povoação mais próxima do leito do Itapicuru e a comunidade vive em função do rio. Como se trata de uma região de baixio, há centenas de famílias dependentes da agricultura de subsistência e para abastecer outras regiões nas feiras livres. O povoado não difere dos problemas das comunidades na região, mas é bem organizado e é uma espécie de região central para outras comunidades e fazendas ao derredor.

Cerca de menos de 3 kms após Olhos D’Água, chega-se à comunidade de Lagoa da Porta e, logo em seguida, chegamos ao povoado de Mandassaia, com boa estrutura urbanística e comércio bem desenvolvido. E assim segue a rodovia BA 395 interligando pequenas comunidades, numas das regiões mais bem habitadas do interior de Tucano. Isso, por si só, já justificaria o asfaltamento. Entretanto, mais adiante, a pouco mais de 6 kms, desponta diante de nós o distrito de Creguenhém, localizado a apenas 12 kms da cidade de Tucano, e a 8 kms da estância hidromineral de Caldas do Jorro.

O distrito histórico de Creguenhém não é apenas famoso por ter Raul Seixas dito que nasceu na povoação. Até há uma história de que existiu, ou ainda existe, um irmão do Maluco Beleza, chamado Vadó. A narrativa do contato com Vadó foi revelada por Marcos Clement, quando visitou Creguenhém ao lado de Wilson Aragão (veja link na descrição). Embora todos pensem diferente, Raul Seixas nasceu em Salvador, mas a provável lorota do nosso roqueiro ajudou a colocar Creguenhém no mapa mundi. Na real, o verdadeiro e único irmão de Raul Seixas é Plínio Seixas, quase 4 anos mais novo que ele. Veja entrevista na descrição.

Agora, sejamos justos, não foi apenas isso. Todo mundo sabe que o povoado existe desde 1815, quando aqui alguém edificou sua primeira casa. Toda história de Tucano está enraizada com a vida dos moradores de Creguenhém, inclusive moradores que viraram prefeitos. Mas não é só isso. Quem já ouviu falar de Gil Baiano – Jogador de futebol que defendeu o Vitória e a Seleção Brasileira? Jackson Berenguer Prado – Bispo da Igreja Católica, com atuação em Salvador, Paulo Afonso, Vitória da Conquista e Feira de Santana? João Santana – Jornalista, escritor e publicitário que comandou as campanhas de Lula, Dilma Rousseff e de candidatos na América latina e África, inclusive se envolveu com a Lava Jato, chegando até a ser preso? Jurandy da Feira - Compositor, cantor e violonista. Autor da canção Capim Novo, gravada por Luiz Gonzaga? Othon Bastos – ator de teatro, filmes e novelas, que participou de várias produções do Cinema Novo, com Glauber Rocha? Pois todos eles nasceram em Tucano.

Entretanto, vou destacar um que tem orgulho de ter nascido em Creguenhém. O nome dele é Gustavo Cabral de Miranda. Ele hoje é imunologista e o seu currículo é algo extraordinário. Possuí Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB); Mestrado em Imunologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Doutorado em Imunologia, no Dpto. de Imunologia, Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-IV) da Universidade de São Paulo (USP) com Doutorado Sanduiche no Exterior por um ano, na unidade de investigação Biomark, Sensor Research, do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), Porto, Portugal. Pós-doutorados no Instituto Jenner, Universidade de Oxford, Inglaterra, e no Hospital Universitário da Universidade de Berna, na Suíça, com o desenvolvimento de vacinas utilizando VLPs (Virus-like particles) e diagnósticos avançados utilizando a tecnologia de Biossensores. Atualmente Gustavo Cabral exerce a função de Pesquisador Principal com Projetos aprovados pelo “Programa Jovens Pesquisadores” e “Auxílio à Pesquisa Regular” da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), para o Desenvolvimento de vacinas contra Sars-CoV-2, Chikungunya, Zika e Dengue.  

Vejam a importância de Gustavo para a construção da nossa história. Ele luta para salvar vidas no mundo inteiro. E é de Creguenhém! E para quem pensa que ele nasceu em berço de ouro, Gustavo mesmo diz que a compreensão que ele tinha de morar em Creguenhém era ir para roça, ir para escola por obrigação. Não tinha a cultura da importância do processo educacional. Aos 7 anos, vendia geladinho. Com o lucro, uma parte ajudava a casa, outra parte tirava e juntava para comprar uma galinha. Depois vendeu as galinhas e comprou um porco. Depois vendeu os porcos e comprou uma vaca. Saiu de casa aos 15 anos e foi trabalhar num açougue em Euclides da Cunha. Quando completou 20 anos, retornou a Creguenhém para estudar. Completou o ensino médio, fez faculdade na Uneb, em Senhor do Bomfim, mestrado em Salvador e doutorado na USP. Daí as portas do mundo se abriram. De Creguenhém para o mundo e com as palavras certas para explicar seu esforço: "A gente não veio ao mundo perder a viagem. É muito trabalho para vir para cá. A gente tem que fazer alguma coisa que faz diferença nisso daqui. Minha personalidade não me permite baixar a cabeça. Vou dormir hoje chorando, mas no dia seguinte amanheço como um leão. Eu tenho que ir para guerra", afirmou Cabral em entrevista ao G1.

Creguenhém, com uma história destas, caso estivesse localizado em São Paulo, Brasília ou Rio de Janeiro, estava entre os locais mais visitados pelos turistas. Aqui nem mesmo tem uma estrada asfaltada. Até o seu nome é motivo de curiosidade. Na verdade, Creguenhém é uma palavra indígena que pode significar lugar de chegada e de partida. Era ponto de fuga dos Tupinambás, quando por aqui chegavam os bandeirantes de Garcia D’Ávila com seus paus de fogo. Ao lado da comunidade, há ainda povoações menores como Creguenhenzinho e Umburaninha, formando um conglomerado significativo de pessoas. Somente na sede de Creguenhém há cerca de 3 mil moradores. Uma boa data para entender a grandiosidade do distrito é 13 de junho, quando a paróquia festeja seu padroeiro Santo Antônio. Talvez aí prosadores e prosadoras possam se indignar por não entender o motivo do não asfaltamento de uma rodovia tão importante para estas comunidades ao longo do rio Itapicuru, tanto em Cipó como em Tucano.