Reproduzimos aqui o artigo do jornalista Samuel Celestino
publicado em A TARDE para que possamos perceber a involução do processo
democrático na Bahia. Se assim está ocorrendo com nobres advogados, o que
restará aos simples mortais?
Samuel Celestino |
Coluna de A TARDE do Samuel Celestino:
A PGE, o advogado e Kafka
Por ser tão absurdo, e a memória me reportar ao escritor
tcheco Franz Kafka com o seu “O Processo”, abro espaço neste domingo para o
corajoso advogado Inácio Gomes que,
durante a ditadura militar, foi defensor de presos políticos e exerceu mandatos
de vereador em Salvador. Dele recebi um documento que relata uma estranha saga
por ele percorrida que compromete a Procuradoria Geral do Estado. Conta que,
“em agosto de 1997, o Tribunal de Contas do Estado deferiu em favor de uma sua
cliente a incorporação de vantagens aos proventos de sua aposentadoria. A
Procuradoria Geral do Estado (PGE), equivocadamente ou por má fé, interpôs
todos os recursos possíveis no Código de Processo Civil (época de ACM). Ao
desamparo do direito, foram todos rejeitados em decisões unânimes das Câmaras
Civis Reunidas do TJ-Ba e da 6ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça, STJ, e
da 1ª. Turma do STF, sendo que o Supremo impôs uma multa ao Estado da Bahia por
litigância de má fé”. Continua: “Transitada em julgado a decisão do STF, requeri
ao Sr. Secretário de Administração do Estado, em processo autuado sob o no.
02001200049207 (já na atual gestão) o pagamento da vantagem incorporada pelo
Tribunal de Contas do Estado. Indeferido o pedido por expressa determinação do
PGE, contextualizada pelo secretário: “Indefiro com base nos opinativos
exarados pela Procuradoria Geral do Estado” . Em seguida os autos foram
remetidos para arquivamento.
Diz o advogado que atuou de graça em processo contra a
ditadura militar: “Só me restava formular representação contra a truculência,
mais uma vez praticada pela administração estadual da Bahia. Peticionei
solicitando os autos para exame da decisão denegatória fora da repartição
referida. Tudo amparado pelo art. 7º. do Estatuto da Ordem dos Advogados que
textualiza a possibilidade de vistas fora do cartório ou repartição administrativa
em processo em andamento. Requerimento autuado sob o no. 0200120087010, em 12
de março do corrente ano (já no governo Wagner, repito). Dez dias depois
–continua- retornei à repartição, certo de que teria os autos.
Surpreendentemente, fui informado pela Dra. Joanita Maria da Conceição que não
me seria dado vistas fora da repartição. Argumentei, sem sucesso, com base na
lei. Representei, então, à secção regional da OAB/BA (e aí, Saul Quadros?)
diante do impedimento do exercício da minha profissão de advogado e contra o
infrator, no caso a procuradora acima nominada. Identifiquei, para que não
restasse a menor dúvida de que os autos, cujo vistas fora requerida, estavam
autuado sob o no. 0200120049207 transitara na Secretaria de Administração”. “A
PGE somente respondeu à OAB três meses depois
para informar acerca da representação. Isso mesmo, três meses depois. A
resposta importa num deboche: “O procedimento de acesso aos autos na
Procuradoria Fiscal não ofende a nenhuma prerrogativa expressa na Lei 8.906/94.
“Pelo contrário, a Procuradoria Fiscal sempre adotou uma política de cordialidade”.
E mais não disse.
Continua Inácio Gomes em relato ao seu processo kafkiano: “O
parecer referenciado importa numa tentativa de induzir o presidente da
OAB-Ba a erro uma vez que o mesmo se
reporta a processo fiscal em curso na Procuradoria Fiscal (confundiram
tudo) inaplicável, assim, à
representação por mim formulada que cuida de processo em curso na Secretaria de
Administração na qual era requerido o cumprimento de decisões, unânimes, de
todos os tribunais que examinaram a matéria: TJ-Ba, STJ, e STF, relativamente à
incorporação de vantagens aos proventos de aposentadoria. O que mais me
incomoda, diz Inácio Gomes, é que durante a ditadura militar (e aí, Manoel
Vitório?), ao lado de Ronilda Noblat, Pedreira Lapa e Jaime Guimarães
denunciamos aos militares do Conselho de Justiça as torturas praticadas por
alguns colegas seus. Nunca, como represália, pelo menos na Bahia, as
prerrogativas nossas foram desrespeitadas.
Nunca fomos impedidos de exercer a nossa profissão. Nunca tivemos que
nos socorrer da proteção da OAB. Como eu e muitos advogados somos obrigados a
fazer “na Bahia democrática” dos dias de hoje”. Conclui o advogado Inácio Gomes
citando Rui Barbosa, tão esquecido na Bahia onde nasceu e à revelia do direito
aqui praticado: “Os tiranos e bárbaros antigos tinham, por vezes, mais
compreensão real da Justiça que os civilizados e democráticos de hoje.”