‘Mais que impor o respeito, o
Judiciário tem que se impor ao respeito’
Do estadão.com.br
Carlos Ayres Brito |
BRASÍLIA – O ministro Carlos
Ayres Britto tomou posse nesta quinta-feira, 19, como presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF) numa cerimônia com discursos com referências ao
escândalo do mensalão e a recentes casos de corrupção na política.
Poeta, Ayres Britto citou em
seu discurso várias metáforas e fez referências holísticas, como o “terceiro
olho, o único que não é visto, mas justamente o que pode ver tudo”. Ele
defendeu o respeito à Constituição e destacou que a norma prega princípios que
devem ser observados, como a moralidade e a probidade administrativa.
“Os magistrados não governam. O
que eles fazem é evitar o desgoverno, quando para tanto provocados. Não mandam
propriamente na massa dos governados e administrados, mas impedem os eventuais
desmandos dos que têm esse originário poder”, afirmou o ministro que ficará na
presidência do STF somente até novembro, quando completará 70 anos e terá de se
aposentar compulsoriamente.
Chefe do Ministério Público
Federal, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que o órgão não
se intimida. “São intoleráveis os que objetivam constranger o legítimo atuar de
nossas instituições, mas não nos intimidaremos jamais. Na Procuradoria sempre
dizemos aos colegas que a tibieza é incompatível com o Ministério Público.
Ataques pessoais antes de intimidarem o Ministério Público renovam suas
forças”, disse o procurador.
O presidente nacional da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) foi direto. Em sua manifestação no plenário do
STF, pediu ao tribunal que julgue rapidamente o mensalão. “O tempo, temos
certeza, não será empecilho para esta Corte levar à frente, o quanto antes, o
julgamento dos processos relativos aos escândalos de corrupção que marcaram a
nossa história recente”, disse na solenidade que contou com a presença da
presidente Dilma Rousseff e com a apresentação do hino nacional pela cantora
baiana Daniela Mercury.
Decano do STF, Celso de Mello
afirmou que os agentes estatais de todos os Poderes da República têm de se
submeter ao princípio da moralidade. “O cidadão tem o direito de exigir que o
Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores honestos e
por juízes incorruptíveis, que desempenhem as suas funções com total respeito
aos postulados ético-jurídicos que condicionam o exercício legítimo da
atividade pública. O direito ao governo honesto – como tem sido sempre
proclamado por esta Corte – traduz prerrogativa insuprimível da cidadania”,
afirmou. (Mariângela Gallucci)
Acompanhe abaixo os principais
momentos da cerimônia de posse:
Presidenta Dilma cumprimenta Ayres Brito |
16h30 – Cerimônia é aberta com
a cantora Daniela Mercury cantando o hino nacional.
16h35 – Ayres Britto presta
juramento e é empossado presidente do STF e do CNJ.
16h40 – Ministro Joaquim
Barbosa presta juramento e é empossado vice-presidente do STF e do CNJ.
16h43 - Ministro Celso de
Mello, decano do tribunal, assume a palavra.
Após destacar que Ayres Brito é o quinto sergipano a ocupar uma cadeira
no STF, Celso de Mello resume o currículo acadêmico e profissional do novo
presidente do STF.
E discursa: Ӄ importante
reconhecer a significativa participação de Vossa Excelência na construção, por
essa corte, de uma expressiva jurisprudência das liberdade, que resultou em
julgamentos emblemáticos, todos eles impregnados com a marca inconfundível de
seu talento, competência e sabedoria, nos quais o STF resolveu questões
revestidas da maior transcendência social, jurídica e política, em favor de
grupos minoritários e vulneráveis e em defesa dos valores da igualdade da
afetividade, liberdade, ancestralidade dos povos indígenas e da moralidade das
práticas administrativas. Suas decisões serão sempre rememoradas, como aquela a
versar sobre a liberdade da pesquisa de células troncos embrionárias,
permitindo que essa corte discutisse o alcance e o sentido da vida e da morte,
lembrando que o direito de nosso país foi erguido sob a égide de um Estado
laico e democrático”.
Em seguida, Celso de Mello lembra
as decisões tomadas com votos relevantes apresentados por Ayres Britto sobre as
pesquisas sobre as células troncos, união estável homoafetiva, contra a prática
do nepotismo, que rejeitou a Lei de Imprensa editada no regime militar e sobre
a demarcação de terras indígenas.
Celso de Mello também nega que
o STF invada a competência do Legislativo e do Executivo em julgamentos
polêmicos. “O que se mostra imperioso proclamar é que nenhum poder da República
tem legitimidade para desrespeitar a Constituição, ou para ferir direitos
públicos ou privados de qualquer pessoa. Nenhum poder da República é imune ao
império das leis e à força hierárquica da Constituição. É preciso lembrar
muitas vezes que os dispositivos da Constituição são feridos pela omissão dos poderes
públicos, e coloca-se nesse ponto a grave questão que essa Suprema Corte tem
consciência, relativa ao inaceitável desprezo pela Constituição decorrente de
comportamentos estatais omissivos, que ferem por inércia a autoridade suprema
da lei do Estado e viola a noção de sentimento constitucional. Não se alega,
nesses casos, a verificação de ativismo judicial por parte do STF,
especialmente porque dentre as inúmeras causas que justificam esse poder
afirmativo do Poder Judiciário, práticas de ativismo judicial, embora
moderadamente exercida pela Corte Suprema em momentos específicos, tornam-se
uma necessidade institucional quando os órgãos do Poder Público se omitem ou
retardam o cumprimento das obrigações às quais estão sujeitos. E o Poder
Judiciário não pode aceitar uma posição de pura passividade“.
17h15 – Roberto Gurgel,
procurador-geral da República, faz pronunciamento em nome do Ministério
Público.
“Há dois anos, Vossa
Excelência, ministro Ayres Britto, despedia-se da presidência do TSE, e então
tive a oportunidade de dirigir breves e necessárias palavras, que rememoro,
citando Aliomar Baleeiro: ‘Também sou humano e não me alheio a nada que é o
humano. Desgraçado dos países em que os juristas sejam apenas juristas’. O juiz
asséptico é uma impossibilidade antropológica. E ficou no TSE a sua marca do
artesão da palavra, do homem cordial e espirituoso, do excelente jurista. Este
homem que assume com destemor e serenidade sergipanas a missão de liderar o
Judiciário brasileiro num momento particularmente complexo.
Todos sabemos, mas é importante
repetir, nas palavras da Sepúlveda Pertence, que não se construirá uma
democracia de verdade sem instituições judiciárias fortes, porque respeitadas e
capazes de impor seu papel de observância da ordem jurídica, desde ao simples
cidadão até aos poderosos veículos de comunicação de massa, assim como a outros
atores da Justiça, como o próprio Ministério Público. Como Vossa Excelência,
gosto das pessoas orgânicas, vertebradas, que têm sangue da veia, que gostam do
que fazem, que se comprometem com seu trabalho. O momento é de união e coesão.
Ministério Público e Magistratura. Conselho Nacional do Ministério Público e
Conselho Nacional de Justiça. Precisamos todos trabalhar juntos para dar
continuidade ao aprimoramento de nosso sistema de Justiça e defender nossas
prerrogativas constitucionais em seus mais variados aspectos.”
17h30 – Ophir Cavalcante,
presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, assume a
tribunal. Lembra que não hierarquia entre advogados, magistrados e membros do
Ministério Público, pedindo que todos se relacionem com respeito e
consideração. Em seguida, discursa, lembrando a expectativa sobre o julgamento
do mensalão.
“Ainda que a passagem de Vossa
Excelência pela presidência do STF seja curta, saiba que seu nome já está
inscrito para sempre na Casa que abriga a consciência jurídica da nação. E o
tempo não será curto para levar adiante processos sobre casos de corrupção que
marcaram a nossa história recente. E digo ao novo presidente da Suprema Corte
brasileira que a sociedade espera que esse tema não seja mais postergado, e que
haja a punição exemplar dos culpados pelos crimes que cometeram contra o
patrimônio público. Somente eliminando qualquer ideia de impunidade, podemos
combater a corrupção, uma das maiores mazelas do nosso países.
Também precisamos refletir que,
na origem de todos os casos de corrupção, está o modelo de financiamento
privado da política, que permite o caixa 2, ou entre outras palavras, o
relacionamento promíscuo entre o interesses privados e coisa pública. É sempre assim,
inevitavelmente. E, quando um cai, arrasta junto de si bicheiros,
falsificadores, policiais, governadores, parlamentares, projetos, obras e, o
que é pior, a própria credibilidade das instituições.
O Congresso Nacional tornou-se,
citando Monteiro Lobato, um pântano, onde muito de discute, mas nada é feito de
concreto para melhorar o ambiente, que continua sendo o de um pântano. É
preciso que se diga que nunca em sua história o Brasil teve uma democracia tão
duradoura, prova da crença do nosso povo nesse sistema, mas precisamos avançar
mais. A reforma política nunca avança, sendo constantemente freada pelas forças
que se beneficiam dessa situação. Por isso, a OAB apresentou uma ação direta de
inconstitucionalidade questionando a lei eleitoral que permite doações de
empresas jurídicas privadas a candidatos. Esperamos mudanças nesse sentido, da
mesma forma que ocorreu com a Ficha Limpa, que ao menos vai retirar da cena
alguns atores que em nada enobrecem a arte de fazer política.
17h50 – Ayres Britto assume a
palavra: “Quem já se colocou à testa de qualquer dos poderes brasileiros fez o
que fiz agora pouco: prestar compromisso de atuar nos marcos da Constituição e
das leis. Com o registro especial para o ato de posse da presidente Dilma, que
sob o atento olhar da própria história, se tornou a primeira mulher a
titularizar o cargo de presidente da República, ungida pela pia batismal do
voto popular.
Na primacial observância da
Constituição e na obediência às leis é que reside a garantia de desempenho à
altura dos respectivos cargos. É como dizer: basta cumprir fielmente a
Constituição e as leis para se ter a antecipada certeza de êxito de tão
honrosas e complexas investiduras.
É o que pensa o homem comum do
povo, que aprendi com esse recente episódio. Retornava eu de um almoço
domingueiro em Brasília, com minha mulher e minha filha, quando encontrei ao
lado do nosso automóvel um homem que aparentava cerca de 30 anos de idade.
Apresentava-se como guardador de carros, mas já o conhecia à distancia, como
morador de rua. Já o tinha visto em sua rede, erguida sob árvores, para embalar
o seu abandono. E assim ele me dirigiu a palavra: – Ministro Ayres Brito, como
o senhor vê, estou aqui cuidando de seu veículo para que ninguém danifique o
patrimônio de sua família. Agradeci e procurei nos bolsos algum trocado para
ele. Sem sucesso, nenhum dos três Brittos portava dinheiro, nem graúdo nem
miúdo. Disse eu então a ele: – Como o senhor percebe, desta feita vou ficar te
devendo. Ele me fitou e altivo respondeu. Ministro, o senhor não me deve nada,
não me deve nada ministro, basta cumprir a Constituição.
Tudo começa com o fiel
cumprimento da Constituição. Esse documento é fundante de nossa ordem jurídica,
diploma inaugural do nosso direito positivo. É a primeira e mais importante voz
do direito aos ouvidos do povo, estruturante da sociedade de seu tempo.
Certidão de nascimento do Estado. Projeto de vida global da sociedade. Daqui se
vislumbra o que mais importa. Esse documento provém diretamente da nação
brasileira, única instância de poder anterior e superior ao próprio Estado. Por
isso, a nação governa permanentemente quem governa transitoriamente, e o faz
aqui nessa terra brasilis pelo modo mais meritório, pois a menina dos olhos de
nossa Constituição é a democracia, que nos confere o status de país
juridicamente civilizado, primeiro mundista, pois os focos de fragilidade de
nosso país não estão em nosso guarda-chuva jurídico, mas no abismo que se rasga
entra a excelência da nossa Constituição e a nossa realidade.
Com efeito, o mais refinado
toque de sapiência da nossa última Assembleia Constituinte foi eleger a
democracia como a sua maior força. Democracia que mantém com a liberdade de
informação jornalística uma relação de unha e carne, olho e pálpebra, veias e
sangue.
Claro que há mais o que elogiar
na Constituição, mas tento abreviar as coisas, dizendo que nossa Constituição
tem o mérito de partir do melhor governo possível para a melhor administração
possível. A melhor administração porque regida pelo princípio republicano e
também pelos princípios da moralidade, impessoalidade, publicidade e
eficiência.
Os magistrados não mandam na
massa dos governados, mas impedem os eventuais desmandos. Eles não controlam a
população, mas têm a força de controlar os controladores. Eles não protagonizam
atividades privadas, mas se disponibilizam para o equacionamento jurisdicional
de todas elas.
Mais que impor o respeito, o
Judiciário tem que se impor ao respeito, me ensinava meu pai, juiz de carreira
em Sergipe. Se ao direito cabe ditar as regras do jogo da vida social, o Poder
Judiciário detém o monopólio da interpretação das normas. E derramamento de
bile não combina com a combinação de neurônios.
Os magistrados julgam os
indivíduos, seus semelhantes. Julgam os grupos sociais, as demandas do Estado.
O Poder Legislativo é obrigado a legislar, mas o Poder Judiciário é obrigado a
julgar. E o que se exige do magistrado? Preparo técnico e profissional,
serenidade e equilíbrio emocional. Sem confundir o papel de julgador como o de
parte, pois juiz e parte são como água e óleo, não se misturam.
Promovendo a abertura da janela
dos autos para o mundo circundante, a fim de conhecer a realidade dos
jurisdicionados e a expectativa social sobre a decisão. Juiz não é traça de
processo, não é ácaro de gabinete, por isso, sem fugir dos autos nem se tornar
refém da opinião pública, tem que levar ao cumprimento das leis e conciliar a
macro função de combinar o direito com a vida.
Encerro o discurso propondo aos
três poderes da República aqui representados, Marco Maia, presidente da Câmara
dos Deputados, Marta Suplicy, presidente em exercício do Senado, e Dilma
Rousseff, presidente da República, a celebração de um pacto, o pacto que me
parece mais simples e ao mesmo tempo necessário. E ao faze-lo, tenho certeza
que estarei falando em nome de todos os ministros da Casa. O pacto mais simples
e necessário: a mais ampla e irrestrita obediência à Constituição. Pelo qual,
anuncio que vamos distribuir, a todos os presentes, um exemplar atualizado dela
mesma, a lei fundamental do país.
A todos agradeço pela afetiva e
cativante saudação. Está provado que o século 21 é o século da afetividade. E
complemento: sem afetividade, não pode haver efetividade do Direito.
Saúdo à distancia Celso Antônio
Bandeira de Mello e Fabio Konder Comparato, que não puderam estar presentes.
Agradeço as palavras de Celso de Mello e ao ministro Peluso, a quem é uma honra
suceder no STF e no CNJ.
Saúde também a minha família,
os meus oito irmãos presente, mais um que não pode se deslocar, e outro que
está no meio de nós, na feérica luz de seu amoroso espírito. Luz que também se
manifesta pelo meu pai e por minha mãe, ícones desta minha vida terrena e de
outras vidas que ainda terei. De quem aprendi que o nada não pode ser o
derradeiro anfitrião de tudo. E saúdo meus cinco filhos, na companhia dos
amados netos.
Por último, ponho meus olhos
nos olhos de Rita, mulher com quem durmo e acordo, e que também é a mulher dos
meus sonhos. Mulher a quem digo agora, que tinha mesmo que ser abril o mês da
minha posse, pois abril foi o mês que nos conhecemos. Obrigado a todos”
18h45 - Cerimônia encerrada