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Poucas & Boas nº 110: Onde está a mudança?

ISTOÉ DINHEIRO entrevista Vânia Vieira, diretora de Prevenção à Corrupção da CGU


     "Lei de Acesso dá transparência e reduz espaço de lobistas"
     Nos últimos seis meses, ministérios, autarquias e empresas públicas de todos os níveis de governo se prepararam para abrir seus arquivos.
     Por Denize BACOCCINA – Istoé Dinheiro – edição 763.
Vânia Vieira - Diretora de Prevenção à Corrupção da CGU.
A Lei 12.527, a Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor na quarta-feira 16, determina que qualquer cidadão tem o direito de examinar documentos produzidos ou custodiados pelo Estado, desde que não tenham sido expressamente classificados como sigilosos. Da mesma maneira, as empresas terão acesso a documentos, notas técnicas e atas de reuniões e poderão saber como, por exemplo, o governo decidiu desonerar impostos de um setor e não de outro. Também poderão saber o que as agências reguladoras estão fazendo, inclusive em relação aos concorrentes. “A lei reduz a assimetria de informação entre os agentes econômicos”, diz a diretora de Prevenção à Corrupção da Controladoria-Geral da União (CGU), Vânia Vieira, responsável por preparar o governo federal para cumprir a lei. Ou seja, grandes e pequenas empresas passam a atuar com maior igualdade, já que ambas podem ter acesso às mesmas informações, reduzindo o espaço para atuação de lobistas.
DINHEIRO – Que tipo de dado será público com a Lei de Acesso à Informação?
VÂNIA VIEIRA – Qualquer informação produzida ou custodiada pelo Estado, que não esteja classificada como sigilosa e não seja pessoal.
DINHEIRO – E como é feito o processo de classificação do que é ou não é sigiloso?
VÂNIA – A lei não revogou os sigilos que estão previstos em outras leis, como o fiscal, o bancário, o profissional e o segredo de Justiça. A nova lei garante o acesso a informações públicas. A lei também diz que a informação só é efetivamente pública quando ela é finalizada. Durante o processo em curso, ela é protegida. Por exemplo, as reuniões e documentos são sigilosos durante o processo de discussão de um assunto.
DINHEIRO – Na prática, vamos ter acesso a muito mais dados e informações do que temos atualmente?
VÂNIA – Essa lei será uma revolução na administração pública. É uma nova lógica. É extremamente reduzida a lista de hipóteses para justificar a classificação de um documento como secreto: defesa, planos estratégicos das Forças Armadas, relações diplomáticas, estabilidade econômico-financeira. É um rol muito enxuto. Além disso, qualquer cidadão pode solicitar a informação sem ter de apresentar nenhuma justificativa para o pedido.
DINHEIRO – Na área econômica, vamos ter acesso a muitos documentos ou a lei permite classificar todo o processo decisório como secreto?
VÂNIA – Estou muito otimista no sentido de que, de fato, vamos conseguir inverter essa lógica. Fizemos um trabalho intenso de sensibilização dos ministérios, para cumprir a lei. E a lei diz expressamente que, uma vez finalizado o processo de tomada de decisão, é preciso abrir todo o processo.
DINHEIRO – Qual a importância da lei para o efetivo combate à corrupção?
VÂNIA – Para o combate e, especialmente, a prevenção à corrupção, ela é indispensável. Sem transparência, você não consegue garantir essa vigilância da sociedade nem a própria inibição do gestor corrupto. A transparência é o melhor antídoto. Mas a lei é muito mais do que isso, ela tem uma grande importância para a economia. Reduz muito a assimetria entre os agentes econômicos. Ou seja: independentemente do porte, todas as empresas terão acesso, em igualdade de condições, às informações de governo. Nos Estados Unidos, as empresas são as maiores usuárias da lei de acesso à informação. No México, as companhias são o segundo grupo, depois dos cidadãos.
DINHEIRO – E que tipo de pesquisa tem sido solicitado nesses países?
VÂNIA – Informações sobre políticas econômicas, agências reguladoras, etc. Por exemplo: o que a agência reguladora está fazendo em relação às suas concorrentes, se está punindo. Gera uma competição benéfica. Quando você garante que todos os agentes econômicos tenham a mesma informação, reduz a atuação dos lobistas. O que eles fazem é justamente vender informação. Já recebi a visita do pessoal da Confederação Nacional da Indústria (CNI) dizendo que pretende usar bastante a lei para saber os fundamentos de determinada política econômica.
DINHEIRO – Muitos gestores públicos  devem estar preocupados, porque eles serão mais vigiados...
VÂNIA – Muitos ainda nem sabem que a lei existe, principalmente nos municípios. A lei vale para todos os órgãos públicos, de todas as instâncias. Mas acho que com o tempo as pessoas vão perceber que a lei, além da transparência, contribui para a melhoria da própria gestão pública. Ela exige que a administração invista muito na gestão da informação. Se o órgão não tiver hoje um processo de registro e arquivamento da informação, não será capaz de atender à lei. E nós, infelizmente, não temos tradição de fazer agenda, ata de reunião ou estudos para embasar as decisões tomadas pelo poder público.
DINHEIRO – A documentação será algo obrigatório nas reuniões do governo a partir de agora?
VÂNIA – Não existe nenhum tipo de sanção por não ter a informação. Mas o órgão terá de admitir isso e a pressão da sociedade pode levar a mudanças. Todos terão de se adaptar. No México, a maioria dos pedidos recebe como resposta que a informação não está disponível. Temos de superar a cultura do sigilo e também superar a cultura de falta de registro das informações. A lei força essa mudança. É um processo.
DINHEIRO – Essas informações serão públicas?
VÂNIA – Mesmo que os dados sejam sigilosos durante o processo de discussão, depois que determinada decisão for anunciada, tudo fica público. A lei é expressa: se o ato final é público, tudo o que o pressupôs, que o fundamentou, também é público. O sigilo é sempre exceção. O acesso à informação é a regra.
DINHEIRO – Quem serão os maiores usuários da lei no Brasil?
VÂNIA – Acho que num primeiro momento a imprensa e também as entidades da sociedade civil e entidades empresariais. Acreditamos que, no início, teremos um público mais qualificado, que normalmente busca e não consegue acesso a essas informações. Existe uma demanda reprimida. Mas, com o tempo, haverá um público mais abrangente, conforme as pessoas ficarem sabendo que podem exigir o acesso. Eu, particularmente, estou convencida de que a Lei de Acesso à Informação se equipara, em importância, ao Código de Defesa do Consumidor. Será realmente um divisor de águas.
DINHEIRO – E os ministérios estão preparados para isso?
VÂNIA – Nos últimos meses, trabalhamos incessantemente para que a lei fosse cumprida. Tivemos um prazo curto, de apenas seis meses, enquanto outros países, como a Inglaterra, tiveram cinco anos para implementar uma lei semelhante. São 38 ministérios, 160 autarquias e fundações e mais um conjunto de empresas públicas. Mas houve um empenho muito grande e uma determinação da presidenta Dilma Rousseff para que todos se adequassem. Todos os ministérios e outros órgãos do governo têm um  serviço de informação ao cidadão, com um posto de atendimento pessoal e um acesso pelo site. Eles vão receber as solicitações, que devem ser respondidas em, no máximo, 30 dias. Nós nos espelhamos muito no México para montar os nossos serviços, e lá 95% dos pedidos são feitos pela internet. Muitos desses dados já estavam disponíveis, mas faltava uma padronização, especialmente de nomenclatura, para facilitar o acesso e a compreensão da informação.
DINHEIRO – Houve treinamento de funcionários para atender a essa nova demanda?
VÂNIA – A CGU deu treinamento presencial para cerca de 600 servidores,  que vão trabalhar diretamente com os SICs. Fizemos também um treinamento a distância para explicar o que é a lei. Já treinamos cerca de 800 pessoas, e queremos chegar a 13 mil até o fim do ano.
DINHEIRO – As despesas da Presidência da República, como gastos com  cartão de crédito, estarão disponíveis ao público a partir de agora?
VÂNIA – Depende. Hoje os cartões de crédito já são públicos, estão todos no Portal da Transparência. Só não estão os cartões utilizados pela Abin, pela Polícia Federal e pela segurança da presidenta. A grande inovação é que será publicada uma lista anual de todos os documentos classificados como sigilosos, com o grau de classificação – se é reservado, secreto ou ultrassecreto – e a autoridade que classificou, com o devido código indexador. Ou seja, vamos saber tudo o que é secreto e quem pediu o segredo.
DINHEIRO – Como ficou o acesso às informações do Banco Central? Os votos dos conselheiros do Comitê de Política Monetária (Copom) serão abertos?
VÂNIA – A lei não trata de nenhuma especificidade. Mas uma das hipóteses para classificar uma informação como sigilosa é defender a estabilidade econômico-financeira do País. A direção do Banco Central pode classificar assim alguns de seus documentos. Mas as pessoas podem discordar e entrar com uma ação na Justiça. É assim que funciona em todos os países e aqui não será diferente.