O grito aqui parece caber bem no que diz este artigo. (Foto: Metalcampinhas)
Não, senhoras e senhores, o que vou relatar não é ficção ou produto da lavra de um grande contador de histórias da literatura de aventuras. Meu relato é a pura realidade que, de tão cruel, parece fantasia, devaneio, ilusão. Resume-se na palavra “morte”. Ela marca o fim de toda uma geração que, parida da união da paz e do amor, espalhou esperança sobre a terra. Pregou contra a guerra, os grandes impérios, gritou a favor da união dos desvalidos, mostrou que um mundo melhor era possível. Foi ouvida sim! Mesmo de forma parcial, foi ouvida sim! A Europa ouviu e mudou rumos. Até os Estados Unidos nunca foram mais os mesmos.
Não vou dar aula de História porque o óbvio não se ensina,
mas perdemos uma grande oportunidade de transformar o mundo. Agora corremos o
risco de perder o que conquistamos. Os retrocessos têm nomes: Putin, Trump,
Maduro, Erdogan e ainda mais de quarentas ditadores que a ferro, a fogo ou manipulando
leis se eternizam no poder e ceifam as liberdades dos seus.
Pisando em solo brasileiro, é verdade que estamos longe de
uma ditadura. Essa talvez tenha sido nossa grande conquista a ser preservada,
ninguém sabe até quando. Conseguimos mudar leis, estruturar constitucionalmente
o país, mas esquecemos de algo fundamental para sermos felizes: estar com e
pensar no outro. Aristóteles, se não me engano, disse que a felicidade só é
possível na coletividade. João Gilberto já cantava o “é impossível ser feliz sozinho”.
Procuramos então a felicidade formando tribos. Criamos o mundo da esquerda e da
direita. Estabelecemos então que a convivência entre ambos é impossível, mesmo
que tal divisão não exista. É como se fossem torcidas de futebol: da livre
escolha por qual torcer alimenta-se uma rivalidade movida a trolagem, humilhação,
xingamentos e até violência.
Estamos a mil dias sofrendo as consequências da
política do nós contra eles, como se o eles não fossem o Brasil. Para dar mais
emoção, criaram um vocabulário baixo, começando por um simples “porra”,
chegando ao “puta que o pariu” até o “sua puta”, “corno”, “vou te dar porrada”,
“vou te matar”... Os mais educados ainda fomentam sua raiva ao outro com “Gado”,
“Esquerdopata”, “Globolixo”, que parecem soar como poesia diante de um
vocabulário tão ralé. Ficamos
estarrecidos ao ver que não se trata do povão. Quem diz isso tem diploma
universitário e vai para a Internet destilar ódio ao outro.
A utilidade destes 1000 dias está sendo de percebermos que
precisamos nos distanciar dos extremos, seja da direita ou da esquerda.
Precisamos nos olhar no espelho e entendermos que esta prática é incentivadora
de futuros ditadores, que sobrevivem graças ao combustível do ódio. Democratas
escolhem os melhores possíveis dentre as opções postas e viáveis; fanáticos
escolhem qualquer um, desde que derrote o inimigo. Democratas ouvem propostas,
ideias, programas; seguidores ouvem gritos de guerra. Chegamos ao limite. Não
há necessidade mais de avançarmos nesta onda que parece não ter fim e caminhar para a morte.
Não precisa Bolsonaro mentir. Todos os sensatos veem. Os
números são absurdos para que não vejamos. Foram 600 mil vidas! Quantas poderiam
estar fora destas estatísticas, caso tivéssemos um presidente eleito dentro de
um projeto sério, sem o viés do ódio ao outro? Quantos bilhões teríamos
economizado? Quantos projetos de futuro não teríamos implantado neste país? Foram
1000 dias alimentando uma falsa rivalidade, que só realimentou falsos líderes,
destruiu reputações e, principalmente, fez nosso povo perder um tempo enorme
com a disseminação do ódio via redes sociais e convivendo com a morte ao lado.
Em todos estes dias, nossas instituições foram testadas. A
Câmara dos Deputados fingiu se importar, o Senado gritou democracia, o STF
rugiu bravatas. Todos dançaram a música da polarização e tiveram medo de a
corda rebentar. Foram covardes, coniventes ou convenientes, não necessariamente
nesta ordem. Não custa lembrar que foram 1000 dias de muita fumaça, pouco fogo
e muita falta de governo. Pior é que o pesadelo continua com Bolsonaro sendo
ele mesmo, o Centrão se aproveitando para passar a boiada de Leis que acabarão
definitivamente com a Lava Jato, e os demais passando a ideia de que é preciso
pavimentar o caminho do suposto antídoto de Bolsonaro, que é Lula. A polarização
continua.
De tudo isso fica uma verdade: o que estamos passando é
produto do agora e do que veio antes. Foram 24 anos de PT e PSDB para fazer
este país grande! Do filósofo e do operário involuímos para o fiel a Deus, mas
que quer todos armados. Da compra de deputados para criar a reeleição, chegamos ao
orçamento paralelo para impedir cassações de mandatos. Do mensalão e petrolão,
mergulhamos na rachadinha. De leve, percebemos que o “ão” é apaixonado pela “inha”
e, mesmo sendo um namoro proibido, só uma coisa é prática comum: o ódio à Lava
Jato! Será que ainda teremos 1000 dias pela frente? Talvez. Mas aí a sensatez já terá sido morta!