O fim do voto obrigatório começa
a ser discutido no Congresso Nacional. O tema é um dos itens da reforma
política prevista em proposta de emenda constitucional (PEC) que começou a
tramitar na Câmara na semana passada, quando foi instalada uma comissão
especial para analisar a matéria. Norma constitucional implantada no país em
1934, o dever de comparecer às urnas imposto aos cidadãos dos 18 aos 70 anos de
idade não encontra muitos exemplos mundo afora. Dos 193 países reconhecidos
pela Organização das Nações Unidas (ONU), apenas 24 adotaram essa imposição.
Diante da pouca adesão, para muitos
críticos prova cabal de que a democracia não depende do voto compulsório, por
que então obrigar o eleitor brasileiro a votar de dois em dois anos? Para a
historiadora e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Regina
Alves da Silva, o interesse está ligado à “política do compadrio” relacionada a
afilhados políticos, que significa mão dupla para favores entre
correligionários e eleitores.
Regina explica que esse
fisiologismo que envolve especialmente políticos e, em certa medida, eleitores
com troca-troca de benesses reflete a pouca experiência brasileira com o
exercício da democracia. “Temos pouco mais de 500 anos de história e nem 50 de
regime democrático”, pontua a historiadora. De acordo com ela, diante desse
quadro, o voto não é encarado com “consciência política”. Ao contrário, lamenta
Regina, “não há ideia de representação política, mas de troca de favores”. Regina
afirma ainda que considera indefensável o argumento dos que querem a manutenção
do voto obrigatório. Para os defensores da atual regra, o fim da
obrigatoriedade significaria “enfraquecer” o pleito eleitoral, já que eles
vislumbram forte abstenção do eleitor descrente com a política. “É importante
deixar claro o nosso grau de indigência política, dar trabalho aos políticos,
que teriam que nos convencer a sair de casa para votar neles”, argumenta a
historiadora. Ela acredita que está na hora de o país inaugurar o voto
facultativo, sinônimo de “amadurecimento e voto responsável”.
Enquete
A defesa veemente da
historiadora e professora da UFMG Regina Alves da Silva para o fim do voto
obrigatório encontra eco na enquete feita pelo portal Uai/em.com.br durante
três dias da semana passada. Dos 1.620 internautas que votaram, 1.413 (87,23%)
disseram sim à derrubada da norma constitucional. O não obteve apenas 207
(12,77%).
Para o professor da Universidade
de São Paulo (USP), doutor em comunicação e especialista em marketing político
Gaudêncio Torquato, embora o voto facultativo espelhe uma democracia mais
robusta, a implantação no Brasil dessa regra envolve “aspectos positivos e
negativos”. Antes de explicá-los, Torquato ressalva que é favorável ao fim da
obrigatoriedade de ir às urnas. Ele reconhece, entretanto, que acabar com a
norma constitucional pode provocar efeitos “perniciosos” para a democracia
brasileira, do ponto de vista da educação para o exercício pleno da cidadania.
“É preciso educar o povo e o exercício do voto ajuda. Quanto mais (o cidadão)
votar, melhor. Talvez prejudique um pouco a cidadania o fim do voto obrigatório”,
raciocina Torquato.
A dúvida do professor,
entretanto, é logo suplantada por outro questionamento, formulado por ele
próprio, ao ser perguntado sobre a quem interessa o voto obrigatório. Ele
responde de imediato: “Ao coronelato. Talvez estejamos em um momento de
libertação desse caciquismo político, de construir o exercício do voto
consciente. Talvez devêssemos experimentar”, afirma.
Critérios
Entretanto, Torquato condiciona
a revogação do voto à aprovação, também na reforma política em debate, de
alguns pré-requisitos. Ele lista o fortalecimento das legendas políticas a
partir da implantação da cláusula de barreira (representação nos estados) para
coibir a proliferação das siglas partidárias, em especial as legendas de
aluguel; imposição da fidelidade partidária para evitar a fusão entre partidos
com objetivos fisiológicos; e também o fim do voto proporcional para eleição
dos parlamentares. Sobre esse último tema, o professor defende que os eleitos
sejam os mais votados.
Reportagem no portal do Diário
de Pernambuco.