Landisvalth Lima
Comissão de frente de Beija-flor - Campeã de 2015 (foto:UOL) |
Tenho a impressão de que pareço
não ser uma pessoa normal. Tenho dificuldades em engolir certas coisas que
muitos acham perfeitamente aceitáveis. Devo ser um caso perdido de repulsão ao
tolerar o intolerável. Poderia muito bem deixar o bonde passar e ver tudo com os
olhos do acaso, aceitando os fatos de forma natural para que doam menos. Mas
não tem jeito. Sou um incurável questionador. Por isso começo já com a vitória
da minha querida Beija-Flor de Nilópolis.
Antes de mais nada, o título foi
merecido pelo desfile, pela garra, pela estética. Mas juro que torci para que
os jurados cometessem alguns erros para que a escola não levasse esse título.
Explico: A Beija-Flor foi a terceira escola a entrar na Sapucaí na segunda-feira
do Carnaval carioca, defendeu um enredo patrocinado pela Guiné Equatorial, país
africano comandado há 35 anos por Teodoro Obiang Nguema Mbasogo. Este sujeito,
segundo a Anistia Internacional, é acusado de violações de direitos humanos,
tortura e prisões arbitrárias.
O tema não foi nenhuma gratidão
da escola de Nilópolis. A agremiação recebeu R$10 milhões de patrocínio daquele
país. A Guiné Equatorial possui apenas a área do Estado de Alagoas, mas é o
terceiro produtor de petróleo da África. Por outro lado, seu povo vive na
miséria e o país está em 144º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU.
O país é formado por cinco ilhas
e um território no continente. Lá não há distinção entre governo e seu
presidente, Teodoro Obiang Nguema, no poder desde 1979. Ele pretende ainda passar
a coroa a seu filho Teodorin, vice-presidente. Desde a independência em 1968, o
país é uma ditadura brutal. Quem protestar contra Obiang e seu clã está com os
dias contados. Lá não existe oposição. O primeiro presidente, seu tio Macias
Nguema, um ditador comparado a Pol Pot do Camboja, foi deposto e executado sem
piedade em 1979 pelo sobrinho e atual presidente Obiang.
Como se pode comemorar um título
deste? A Beija-flor está ajudando a preservar uma ditadura na África. Os mais
capitalistas vão dizer: o problema é deles! Engano. O problema é de todos nós.
O mundo está ficando pequeno demais. O que está acontecendo na Líbia, na Síria,
em Paris vai nos afetar direta ou indiretamente, mais cedo ou mais tarde. Este
13º título da Beija-flor deveria ser esquecido porque a única coisa que ele vai
fazer é popularizar uma ditadura inaceitável nos tempos modernos.
Nós precisamos tomar cuidado com
o que estamos promovendo nos tempos atuais. Um personagem na TV faz sucesso por
criar um império com contrabando de pedras preciosas. Um governador é eleito, mesmo
depois de fazer frente a professores e policiais que lutavam por direitos
justos e legais. Uma presidenta é eleita mesmo depois de mentir sobre os
adversários, dizendo que eles fariam coisas terríveis. O candidato mais votado
da oposição é considerado um dos piores senadores do Congresso. O eleito melhor
senador da nossa combalida república perde a eleição para um político
equilibrista em cima do muro.....
Estamos doentes? Estamos contaminados
pelo vírus da bestialidade? Será que, mesmo diante de tanta informação, mesmo
tendo substancial ajuda da evolução tecnológica, será que paramos de evoluir
mentalmente e estamos involuindo, regredindo para a animalidade? Não posso
aceitar a ideia de que uma infecção generalizada da bestialidade contamina a
todos nós e estejamos urgentemente necessitando encontrar uma arcádia. Fazendo
uma relação com o filme Resident Evil, parece que somos fruto de uma das
experiências da Umbrella Corporation e que vivemos misteriosamente em outra
realidade, como se nada tivesse acontecido no Brasil, mesmo depois das sequelas
do vírus B (Bestial), que fazem a gente viver como zumbis famintos por realizar
uma besteira após a outra.