Esta semana, a revista ISTOÉ traz
uma reportagem especial sobre a situação da evasão escolar no Ensino Médio
brasileiro. O problema está tomando proporções assustadoras e pode se transformar
numa das barreiras do nosso crescimento econômico. A resolução da questão é
inadiável. Leia a reportagem na íntegra.
O maior problema da educação do
Brasil
Metade dos jovens entre 15 e 17
anos não está matriculada no ensino médio. Pesquisa inédita mostra que a
proporção dos que abandonaram a escola nessa etapa saltou de 7,2% para 16,2% em
12 anos
João Loes – Revista ISTOÉ - Edição: 2289 – de 27.09.2013
Os jovens estão abandonando a escola (Foto: Pedro Dias) |
Não é sempre que apenas uma
estatística basta para dar um bom panorama da realidade. O mais comum é que
seja preciso esmiuçar diversos números e informações para realmente compreender
o que está em jogo. Quem se debruça sobre o ensino médio brasileiro, porém, se
depara com uma única estatística que parece sintetizar, de forma clara, a
desastrosa situação desta etapa da educação: a taxa de evasão escolar. Uma nova
pesquisa da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), com base em
informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, revela que
apenas metade dos jovens com idade entre 15 anos e 17 anos está matriculada no
ensino médio. Pior: entre 1999 e 2011, a taxa de evasão nesta faixa mais que
dobrou, saltando de 7,2% para 16,2%. Ainda que o número absoluto de alunos
venha aumentando, segundo o Ministério da Educação, dados de evasão como esses
criam um senso de urgência que se sobrepõe a tudo. “Chama a atenção a
dificuldade de enfrentamento da crise do ensino médio”, resume o estudo. “A
despeito das reformas, os resultados das avaliações nacionais continuam
surpreendendo negativamente os responsáveis pela condução da política educacional
brasileira”, conclui.
ARREPENDIMENTO A evasão é grande, mas a maioria pensa em voltar à escola (foto: Júlia Moraes) |
A evasão, nesse contexto, é menos
causa que consequência dessa crise. Ela é a parte visível de um conjunto de
problemas conhecidos há décadas, mas sobre os quais nenhum governo tem feito o
suficiente. “A crise é inquestionável e não podemos mais adiar o enfrentamento
de um problema tão grave”, diz Maria de Salete Silva, coordenadora do programa
de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância, no Brasil (Unicef). “O
ensino médio é o maior desafio da educação do País.” Currículo inchado, com
disciplinas demais para tempo de menos, ausência de um programa de ensino
técnico integrado a essa etapa escolar, baixa remuneração dos professores e,
fundamentalmente, inadequação do ensino médio à vida, às expectativas e às
necessidades dos jovens compõem o retrato das dificuldades. “Esperar cinco anos
para agir é condenar uma geração que hoje tem entre 15 e 17 anos a não ter
perspectivas de futuro”, resume Maria Salete.
O paulistano Mateus Oliveira,
hoje com 19 anos, sabe bem quanto abrir mão da educação nessa fase crucial
limita as perspectivas de futuro. Quando tinha 17 anos e cursava pela segunda
vez o primeiro ano do ensino médio, ele resolveu largar a escola para tentar a
carreira de jogador de futebol. “Era um sonho que já tinha me custado a sétima
série, que também repeti”, diz. Confiante no talento com a bola, ele insistiu,
mas menos de um ano depois percebeu que o caminho não renderia frutos. Com 18
anos e sem o ensino médio concluído, matriculou-se no programa de educação de
jovens e adultos, onde um ano de ensino pode ser cumprido em seis meses, e
rumou para a carreira militar. Atrasado, finalmente conseguiu concluir o ensino
médio esse ano, mas viu e ainda vê oportunidades lhe escaparem por causa da
formação atrasada. “Já era para eu ter concluído o curso técnico que acabei de
começar, em informática”, diz. Com a capacitação, ele poderia estar ganhando
mais no Exército – onde ainda recebe um salário de base, além de não ter
segurança de carreira – ou trabalhando como técnico em informática em uma
empresa da área. “Me arrependo das decisões que tomei”, diz.
Tratar o caso de Oliveira como o
de um garoto perdido que simplesmente preferia jogar bola a estudar é, além de
reforçar preconceitos, desperdiçar uma grande oportunidade de entender de onde
vem o gigantesco desinteresse do jovem pela escola. Afinal, Oliveira não deixou
o estudo só porque o futebol o atraía, mas também porque o colégio não parecia
relevante o suficiente para ele. E não são poucas as razões que fazem da escola
algo sem importância aos alunos, como mostra a pesquisa do Seade.
PROVEDOR Hudson Silva, 22 anos, saiu da escola para poder trabalhar e ajudar em casa (foto: João Castellano) |
O currículo é um dos maiores
problemas. Reformado em 1998 e 2012, mas ainda inchado por 13 disciplinas
obrigatórias, além de cinco complementares a serem ministradas em conjunto com
as demais, ele tem sido considerado excessivamente extenso para os três anos de
ensino médio. Recentemente, ganhou força a ideia de dividir as disciplinas em
grandes áreas de interesse. Trata-se de uma contribuição vinda do Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem), que surgiu com a única função de avaliar essa
etapa educacional, mas que hoje acumula a tarefa de selecionar alunos para
universidades federais do País. A proposta é reunir, como acontece no Enem,
biologia, física e química sob o guarda-chuva das ciências da natureza;
história, geografia, filosofia e sociologia, sob ciências humanas, e assim por
diante. “Mas o projeto é de difícil implantação, exige forte
interdisciplinariedade, o que não se faz de uma hora para outra”, diz Luis
Márcio Barbosa, diretor-geral do Colégio Equipe, em São Paulo.
Além das questões práticas, como
o volume de disciplinas e o tempo disponível para cumpri-las, uma preocupação
mais subjetiva com o currículo, mas não menos importante, tem ganhado cada vez
mais espaço. Trata-se da distância abissal entre o conteúdo das disciplinas
apresentado aos jovens e a realidade da vida que eles levam. “A escola continua
muito tradicional, engessada diante da vida mutante do adolescente contemporâneo”,
afirma o educador Barbosa. A chamada “integração do currículo às tecnologias
educacionais”, meta no relatório do Seade, é um dos maiores gargalos. Hoje,
segundo pesquisa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), 84,4%
dos brasileiros com idade entre 15 e 19 anos usam a internet para estudar.
Outros 25,9% recorrem a tablets e celulares. Enquanto isso, poucas escolas no
País fazem uma integração real de conteúdo e tecnologia, embora 73,8% delas já
contem com computador e internet. Este descompasso entre expectativas dos
alunos e entrega da escola é forte gerador de desinteresse, mas não é o único.
FASE Maria Cristina Figueiredo, coordenadora do Colégio Brasil Canadá: "Na adolescência, tudo é mais interessante que estudar", diz ela (foto: Kelsen Fernandes) |
A ausência de uma articulação
mais eficiente entre ensino profissional e ensino médio também é tida como uma
das razões para a evasão nesta fase. Reconhecer que nem todos, ao completar 18
anos, vão rumar para a universidade e oferecer a alternativa do aprendizado
técnico durante o ensino médio pode ser um caminho para manter alunos na
escola. Se essa opção estivesse disponível para o paulistano Hudson Laton da
Silva, hoje com 21 anos, ele provavelmente teria terminado a educação básica.
Morador da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, Silva saiu do colégio para
se dedicar integralmente ao trabalho quando cursava o primeiro ano do ensino médio.
“Tinha que ajudar em casa”, conta. Ele trabalha como mecânico e, se um curso
técnico nessa área tivesse sido oferecido na escola onde ele estudava, o jovem
teria uma razão a mais para continuar frequentando a instituição. Hoje ele
corre atrás do prejuízo. Mesmo empregado – ele é funcionário de uma grande
concessionária na capital paulista –, Silva pretende fazer um supletivo e
finalmente terminar o ensino médio. “Vou ser sincero: vontade de voltar a
estudar eu não tenho, mas sei que é importante, então quero fazer o supletivo”,
diz.
Boa parte dos que deixam de
estudar pensa como ele e fala em retornar. Segundo dados da pesquisa do Cebrap,
61,8% dos jovens que abandonaram a escola nessa fase querem voltar para
concluir o ensino médio, independentemente da razão que motivou a evasão. “Algumas
decisões são tomadas de maneira impulsiva porque o adolescente já tem alguma
autonomia, mas tem dificuldade para pensar a longo prazo”, diz Maria Cristina
Figueiredo, coordenadora do Colégio Brasil Canadá, para quem, na adolescência,
tudo é mais interessante que estudar. “Mas eles pensam no que fazem, refletem e
costumam se arrepender quando veem que fizeram besteira.” Cabe à escola e aos
pais dar subsídios ao aluno para que ele consiga administrar os impulsos da
idade. Nem sempre, porém, é possível. A paranaense Andreia Tawlak, hoje com 21
anos, conhece, como poucos, as consequências da entrega às paixões
adolescentes.
Dona de um histórico escolar
conturbado – ela havia repetido a sétima série e cursava pela segunda vez o
primeiro ano do ensino médio –, Andreia surpreendeu a todos quando, aos 17
anos, anunciou que estava de mudança para Balneário Camboriú, em Santa
Catarina. Apaixonada pelo primeiro namorado, de 23 anos, ela diz ter sido
convencida por ele a largar tudo e acompanhá-lo. “Foi coisa de idiota”, admite,
hoje. O relacionamento durou um ano e meio, Andreia teve de retornar para Foz
do Iguaçu, onde morava, e hoje está às voltas com um supletivo que não consegue
terminar enquanto sonha com cursos de design e um emprego na área. “Os amigos
do tempo de escola que continuaram estudando estão todos trabalhando. E eu? O que
estou fazendo?”, questiona.
Embora muitos especialistas
defendam que, mesmo em casos como o de Andreia, a escola tem responsabilidade
por não ter mostrado à aluna a importância de permanecer em sala de aula, há
visões contrárias a esta tese. A diretora do Sindicato dos Professores de São
Paulo (Sinpro-SP), Silvia Barbara, afirma que “jovens adultos” com seus 16, 17
anos devem assumir suas obrigações. “Nas análises dos problemas na educação, a
escola e os professores são sempre os mais criticados e pouca ou nenhuma
responsabilidade é legada ao adolescente e à família”, diz. Silvia diz ainda
que a cruzada em favor de uma escola que privilegie ser agradável aos alunos
antes de se preocupar em passar a eles o conhecimento acumulado da humanidade
pode ter efeitos nocivos. “Vivemos em uma sociedade que valoriza demais o
prazer e criminaliza demais o trabalho. E estudar sempre dará trabalho”,
afirma.
Quando um jovem abandona a
escola, perdem todos. A exclusão pela educação cria um abismo social e inibe o
surgimento de um cidadão com uma participação social mais efetiva. Perde também
o Brasil. “O País deixa de ter um profissional de nível médio com formação
geral e um potencial profissional de nível técnico pós-médio ou de nível
superior, com formação específica”, alerta Priscilla Tavares, professora e
pesquisadora da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São
Paulo. “As consequências do abandono no ensino são severas para o crescimento
econômico.” Já passou da hora de enfrentarmos esse desafio.