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Ex-policial torturador deu aulas por 24 anos com identidade falsa


               FÁBIO TAKAHASHI – da Folha de São Paulo
Por 24 anos, Cleber de Souza Rocha deu aulas de geografia em escolas públicas da zona norte na capital paulista. Apesar das faltas e de relatos de alunos de que costumava ir às aulas embriagado, conseguiu chegar ao posto de diretor de escola municipal. Durante o período, ninguém havia suspeitado de que aquele professor, motivo de piada entre alunos, era, na verdade, um ex-investigador de polícia condenado por homicídio e tortura. Medidas legais foram tomadas, dizem secretarias sobre professor com identidade falsa. 
Julgado em 1982 por um crime cometido três anos antes, Cleber decidiu fugir. E adotou o nome, documentos e o diploma do irmão mais novo, sem o conhecimento dele. Foi aprovado em concursos para lecionar geografia nas escolas da prefeitura e do Estado. Na rede municipal, passou no concurso para diretor. Tirou ainda carteira de motorista e contraiu empréstimos como se fosse o irmão, com quem brigou ainda jovem. A farsa durou de 1984 a 2009, ano que ele morreu. Apenas meses antes a prefeitura e o Estado descobriram que haviam sido enganados. E só no final do mês passado o Conselho Estadual de Educação concluiu o caso --os alunos de Cleber não precisarão refazer as aulas. O irmão caçula ainda tenta se livrar na Justiça de empréstimos bancários que estão em seu nome, mas que foram feitos pelo irmão.
HISTÓRICO
Cleber deu início à farsa em 1979, quando era investigador de polícia na região de Perus (zona norte). Um motorista foi detido sob a suspeita de integrar uma quadrilha que atuava na região. Não havia provas claras de que ele de fato era um criminoso. Após seis dias, o suspeito foi achado morto na delegacia. Segundo o processo, foi torturado por várias vezes e de diversas formas. Cleber foi apontado como um dos principais autores das torturas. Eles utilizaram, entre outros instrumentos, um pau-de-arara. Na época, o ex-policial negou o crime. Afirmou que nem teve contato com o preso. Mas, em 1982, a Justiça concordou com os argumentos do então promotor Luiz Antonio Fleury Filho --eleito governador de São Paulo oito anos depois: Cleber foi condenado a cinco anos e oito meses de prisão e ainda perdeu o cargo. Com a prisão decretada, Cleber não se entregou. Dois anos depois, ingressou na rede municipal como professor. O advogado do irmão caçula, Francisco Deus, diz não saber onde Cleber conseguiu os papéis, que também foram usados para a entrada na rede estadual, um ano depois. O irmão pede para que seu nome não seja divulgado. A falsificação não causou suspeitas, segundo a Secretaria Estadual de Educação, porque Cleber havia se formado em geografia e em pedagogia.
DAVA NOTAS BOAS 
O falso professor lecionou em ao menos seis escolas públicas, todas na zona norte. Entre 2004 e 2008, sofreu quatro suspensões ou repreensões, por não cumprir ordens superiores ou por excesso de faltas ao trabalho. Ex-alunos da escola estadual Joaquim Luis de Brito, em Itaberaba (zona norte da capital), relatam em redes sociais na internet que Cleber constantemente chegava alcoolizado e dispensava os estudantes sem motivos. "Ele nunca passava nada [de matéria] e sempre dava notas boas", brinca uma ex-aluna. Muitos disseram que, algumas vezes, era bruto. Foi justamente a truculência que fez a fraude ser descoberta. Em 2008, ele discutiu com um vizinho. Na delegacia, se identificou ora com o nome verdadeiro, ora com o do irmão. Desconfiado, o delegado resolveu analisar as digitais. Era o fim da farsa. Chamada à delegacia, a diretora da escola Joaquim Brito afirmou que nunca havia suspeitado de nada. Antes do fim dos processos nas redes estadual e municipal, Cleber morreu aos 54 anos, em decorrência de insuficiência respiratória, hepática e renal aguda. Pouco antes, o advogado do irmão encontrou Cleber. "Ele disse: 'O que vocês queriam? Que eu roubasse?' Isso chamou a atenção. Ele fez toda a confusão para ser professor. Poderia ter virado traficante. A situação fez o irmão ficar um pouco menos chateado."