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Nossa Senhora de Lourdes - Cidades do Velho Chico 21

O que disse o promotor?

"Doutor Berson" será o novo romance do professor Landisvalth Lima. Foto meramente ilustrativa (Imagem: Metrópoles)

Quando Doutor Berson despertou tarde naquela manhã, não demorou muito para baterem na porta do seu quarto. Ainda sonolento, percebeu que havia um bilhete jogado por baixo da porta. Era um recado de Camila. Ela estava no colégio Waldir Pires e o aguardava. Palestrantes de Ribeira do Pombal estavam na cidade para implantação de um novo programa de alfabetização e o promotor era convidado do prefeito. Berson teria que passar o dia por ali e sabia que a jornada seria longa. Tomara não fosse mais um destes pregadores de milagres educacionais. Não há nada mais irritante que pessoas dizendo que tem a solução para a melhoria da aprendizagem no país, como se tudo fosse apenas uma questão de método ou de currículo. Enfim, mataria o leão daquele dia. Seguiu para o colégio. Se a palestra fosse entediante, pelo menos havia Camila.

Na porta da escola fez a inscrição e recebeu um crachá. O som estava alto e já dava para ouvir a palestrante. O local onde acontecia o evento era o espaço de convivência da escola, bem amplo e arejado. Todos olharam para Berson quando chegou ao recinto e Camila veio em sua direção. A palestrante anunciou o nome do promotor e o prefeito veio cumprimentá-lo. Sentaram-se depois na fileira da frente sob os olhares e comentários da plateia. No panfleto que recebeu, Berson lia o currículo da pessoa que discursava naquele momento. Professora Luísa Dias Benevides, natural de Adustina, na Bahia; profissional da rede estadual de educação, vencedora de vários prêmios nacionais sobre aprendizagem e prática pedagógica, mestra em educação pela Universidade Federal da Bahia e doutoranda pela Universidade do Estado da Bahia. Estava ali a serviço do Instituto Anísio Teixeira. Um invejável currículo!

Ao longo do dia, na parada para os lanches e na hora do almoço, Berson, sempre a ao lado de Camila, era apresentado a várias pessoas. Professores, vereadores, diretores de escola, mães de alunos. Camila fazia questão de informá-lo de tudo, mas foi conversando com o prefeito que ele percebeu que os problemas eram maiores que aqueles citados pela palestrante.

- É um bando de preguiçosos esses professores, Doutor Berson! Só pensam em aumento de salário. Eu só estudei até o quarto ano primário e os alunos da 8ª série daqui sabem menos que eu. É um desastre! Uma professora no povoado Tijuco coloca os alunos para fazer cópia em troca de pontos. Não ensina nada. Um dia desses um professor, amigo meu e batalhador pela minha eleição, teve a coragem de me dizer que não iria trabalhar porque estava cansado e que votou em mim para não ter que ir para a sala de aula. Não querem trabalhar! Agora, todo ano é uma zoada danada pedindo aumento!

Berson ouvia atento. Quando o prefeito permitiu que ele falasse, de forma bem calma e pedagógica, proferiu quase que sussurrando:

- Mas como o senhor pode exigir um bom desempenho se não paga o correto? Se o senhor pagasse a devida remuneração, por exemplo, poderia até abrir um processo administrativo contra a professora do Tijuco e colocar falta nos que não estão indo trabalhar, independentemente de ser eleitor seu ou não. O Brasil paga mal aos seus professores, mas por aqui se paga pior. Precisamos começar, prefeito, pela melhoria das condições de trabalho. Ninguém vai dizer que o senhor está errado ao cobrar eficiência com salários dignos e pagos em dia. Pense nisso.

Claro que o prefeito não ficou muito animado. Dali em diante, seu sorriso com o promotor era pura artificialidade. No final da tarde, Berson foi convidado a fazer parte da mesa e usar a palavra. Depois de considerações protocolares com as autoridades, dirigiu-se à palestrante daquele dia. Fez elogios ao seu currículo. Não era fácil se dedicar aos estudos no interior da Bahia. Falou de suas dificuldades quando estudante em Serrinha, as mesmas que Luísa encontrara em Adustina, e lamentou que, até para cumprir o mínimo da aplicação de 25% dos recursos na educação, era uma dificuldade. Elogiou a palestrante e sua fé na luta por uma educação de qualidade, mas disse que faltava alguém ser chamado para a luta.

- Falta chamar o aluno para a luta, Luísa. Além de pagar bem ao professor e fazer os ajustes pedagógicos necessários, precisamos despertar no aluno o interesse pela aprendizagem. Ele não pode pensar que a escola é apenas um lugar para tirá-lo das ruas, para que seus pais tenham um pouco de sossego em casa. O aluno não pode pensar que haja o que houver ele sempre passará de uma série para a outra. Isso só atrapalha. Não tratem os alunos como coitadinhos ou estorvos. Eles precisam ver a escola como uma academia de conhecimentos, como única porta de saída para uma sociedade melhor. Uma sociedade futura não será guiada por nós, mas por eles! É fundamental que eles despertem para a aquisição faminta do conhecimento. Um professor só ensina o que aprendeu e o aluno só aprende o que desejar.

Doutor Berson foi o assunto de muitos dias na cidade de Heliópolis. Aquele pronunciamento e, principalmente, o fato de ser o namorado de Camila virou tema das principais conversas, sempre começando com um 

- Você viu o que disse o promotor?

(Trecho do romance “Doutor Berson”, mais um livro que será lançado este ano, de autoria do professor Landisvalth Lima).