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Ádria, o último adeus!

Vi um ônibus escolar com apenas três estudantes!

   O assunto é sério, Doutor! Sei que poucos lerão estas linhas, mas espero que o Doutor não repare. Sempre fui homem da roça. Sobrevivi a tantas secas que nem me lembro o sofrimento da última ou da primeira. A seca faz a gente acreditar que não há dor. De tanto sofrer, o corpo fica anestesiado e o sofrer povoa nosso cotidiano. Qualquer felicidade, por menor que possa ser, é uma festança na gente. Mas não quero aqui atrapalhar o Doutor com minhas verdades pessoais. Desejo apenas botar para fora deste coração uma revolta que me atormenta. Hoje vi um ônibus escolar, daquele amarelo, passar para o colégio do estado com apenas três criaturas dentro. Isso me deixou matutando o dia inteiro. Ou aqueles estudantes eram importantes ou havia algo errado.

   Foi aí que fui jogar conversa fora lá no Bar do Chuchu e encontrei com um funcionário da escola, que me pediu reserva na informação. Fiquei escandalizado e me coloquei no lugar de um aluno que estuda naquele colégio. Na minha época tudo era difícil. Eu só aprendi o que minha irmã Germana me ensinou em casa. Sei lê e escrever bem graças a ela. Até hoje me dou ao luxo de ler aqueles livros de Jorge Amado. Na minha juventude me apaixonei pela Gabriela, Teresa Batista, Tieta... Lia as histórias bem devagar, como se tivesse tomando um sorvete numa tarde de verão na Praia da Costa, em Sergipe. Continuei tocando roça, cada vez trabalhando menos e produzindo mais. Criei um bom cabedal depois que contratei meu sobrinho para gerenciar a terra e melhorar a produção. Ele fez a tal da agronomia. É uma espécie de doutor das terras e hoje trabalha para muitos homens que plantam por aqui. Graças ao conhecimento dele, hoje posso desfrutar da minha velhice com uma renda melhor, além de dar um futuro aos filhos e netos.

   Mas vamos voltar ao assunto do colégio... Entendi toda a informação e não quero aqui defender ninguém, muito menos os políticos. Político, na minha opinião, tem que fazer o certo porque é sua obrigação. Foram eleitos para isso, não é mesmo, Doutor? Não sou de ficar nas esquinas defendendo aqueles que a gente elege para fazer o que manda a lei. Gosto de debater ideias. Isso enriquece nossa vida e dá uma perspectiva maior de possibilidades de futuro. Mas o que eu quero é que o senhor me explique, Doutor, o que faz uma pessoa não aproveitar oportunidades? Digo isso porque, mesmo o pior dos governos é capaz de deixar alguma coisa de útil para a população. Muitos de nós não só valorizamos como não desfrutamos de certas coisas que nos são oferecidas, nascida da cabeça de alguém que, por um motivo ou outro, resolveu implementar. Veja o caso da educação. Ônibus escolar na porta de casa, livro de graça, escola de graça, merenda, almoço... Deus! Ai se eu tivesse tido oportunidades como estas!

   Não estou querendo com isso, Doutor, dizer que os jovens não tenham direito de escolha. Nós projetamos nosso próprio caminho, para o bem ou para o mal. Mas quando um jovem opta, mesmo diante destas facilidades, pelo caminho da preguiça, da ignorância, do comodismo, do caminhar conforme a onda, reforça a luta daqueles que querem acabar com todas as nossas conquistas, com os seguidores do quanto pior melhor. Sim, Doutor! Há pessoas que vivem preparadas para, quando ver uma faísca de fogo, atirar baldes de gasolina. Quando a gente não aproveita as oportunidades, oxigenando as perspectivas de futuro, dá campo e espaço para a ação de aproveitadores e oportunistas. É verdade, Doutor, que estamos no meio de uma pandemia. Isso me dá muito medo. Mas a maior das tragédias é se acomodar e deixar que as portas de oportunidades se fechem.

   Eram apenas três alunos dentro daquele ônibus enorme, Doutor! Onde estavam os outros? Qual o problema de voltar à escola, tomando todo o cuidado recomendado? E se usarem a desculpa de que havia poucos alunos e, por isso, decretar a suspensão do transporte escolar? É preciso ir à escola. Se faltar professor, se faltar merenda, almoço ou até se houver professor, mas, por um motivo ou outro, não se estiver aprendendo nada, é preciso reclamar! Colocar a boca no trombone, exigir os seus direitos é salutar e divino. Ter os seus apelos atendidos e não usufruir é burrice! Um suicídio certo e vagaroso. Pensando bem, agora chego ao fecho de tudo. Vi um ônibus escolar com apenas três alunos. Sim, Doutor! Eram três alunos importantes. O problema é que eram apenas três! 

Uma crônica de Landisvalth Lima