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Em 2020, a Barragem Gasparino sangrou pondo fim a uma saga de 18 anos de luta (Imagem: You Tube) |
Imaginem
uma barragem com 1 quilômetro quadrado de reservatório principal, mas que suas
águas adentrem até 8 quilômetros pela leito do rio? Muito água não é? Imaginem
ainda que esta barragem esteja localizada numa das regiões mais secas do nordeste
da Bahia e com IDH dos mais baixos do país? A utilidade não se discute. Estamos
falando da Barragem Gasparino, que tem por finalidade a garantia de água de boa
qualidade para o abastecimento da população dos municípios de Coronel João Sá,
Sítio do Quinto, Pedro Alexandre e Adustina, atendendo a uma população total de
cerca de 70 mil moradores, atenuando as consequências sociais e econômicas
provocadas pelas secas periódicas.
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Situação da obra em 2011 (Foto: TCU) |
A
Barragem Gasparino está localizada às margens da BA 084, na divisa dos
municípios de Sítio do Quinto e Coronel João Sá, represando hoje milhões de metros
cúbicos de água generosa do rio Vaza-Barris, o mesmo que também fornece água
para o açude de Cocorobó, em Canudos. O projeto da barragem considerou também a
possibilidade da implantação de um plano piloto de
irrigação, com uma superfície agrícola útil de 3.000 ha. Além disso, há
benefícios incontáveis, desde a redução de despesas com doenças de veiculação
hídrica até a aquisição de água em carros-pipa nos períodos de estiagem, além
de um incremento na geração de emprego e renda relacionado ao projeto piloto de
irrigação e ao turismo local.
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Ex-prefeito José Romualdo (Foto: Divulgação) |
A
área inundada da Barragem Gasparino é de cerca 700 hectares e pode acumular cerca
de 48 milhões de metros cúbicos de água. Segundo os estudos hidrológicos, a
vazão regularizada do rio será de 0,96 m³/s com garantia de 97,7%. O maciço da
barragem foi projetado em concreto compactado a rolo, com uma altura máxima de
30 metros e extensão de 1.073 m. O vertedouro da barragem tem extensão de 250
m, com capacidade de escoar vazão de 5.682,8 m³/s. O projeto básico da barragem
foi elaborado pela empresa Acquatool Consultoria S/C Ltda., contratada pela
Prefeitura de Coronel João Sá por meio de dispensa de licitação em 19/2/2002. O
valor inicial da obra foi orçado pela prefeitura de Coronel João Sá, sob
a administração de José Romualdo Souza Costa, em
R$ 35.586.974,57, no mês de maio de 2002, com limite de até 10% acima deste valor.
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Leito do Vaza-Barris antes da cheia (Foto: TCU) |
Seis
empresas retiraram o edital, mas a vencedora do certame foi a Andrade Galvão
Engenharia Ltda., com proposta no valor de R$ 37.318.721,32. Em 9 de setembro
de 2002, o contrato de construção da Barragem Gasparino, de nº CP
001/PJ/PMCJS/2002, foi firmado. Ocorre que o município não tinha dinheiro. A
obra teria que ser construída com recursos federais, que só chegaram em
dezembro de 2006. A transferência de recursos do Ministério da Integração
Nacional para o município de Coronel João Sá foi totalizado em R$
130.660.580,06, iniciado quando Ciro Gomes administrava a pasta.
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Sangradouro da barragem em 2011 (Foto: TCU) |
O
projeto básico foi contratado pela prefeitura de Coronel João Sá/BA junto à
empresa Acquatool Consultoria S/C Ltda., em 19/2/2002, cerca de seis anos antes
do efetivo início dos primeiros serviços de engenharia. Sua forma de
contratação surpreende, como revela o Tribunal de Contas da União – TCU, em
decorrência da opção municipal pela dispensa de licitação, com base no art. 24,
inciso I, da Lei 8.666/1993. O prefeito Romualdo teve a coragem de contratar o serviços a preço ajustado de R$
14.760,00, o qual pode ser considerado irrisório frente aos valores que
posteriormente viriam a ser destinados para o alcance do objeto considerado,
que era construção da barragem.
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Prefeito Carlinhos Sobral (Foto: Divulgação) |
Outro
problema é que a Prefeitura Municipal de Coronel João Sá e a empresa Andrade
Galvão Engenharia Ltda. alinharam valor
total então acertado para a execução dos serviços de engenharia no rio Vaza Barris
no montante de R$ 37.318.721,32. Todavia, como o empreendimento permaneceu
sem inicialização nos exercícios seguintes, por ausência de recursos, houve, em
2006, ainda com o mesmo prefeito, já que
José Romualdo havia sido reeleito em 2004, uma atualização do valor original para
R$ 64.437.800,90, após as partes haverem decidido pela não rescisão do
contrato. O TCU condenou a ação porque teria que haver uma nova concorrência.
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Ponte sobre passagem molhada na BA 084 (Foto: TCU) |
Em
dezembro de 2006, após aprovação do primeiro aditivo, foram realizadas
licitações para a contratação das empresas responsáveis pelos estudos
ambientais, gerenciamento e fiscalização, elaboração do projeto executivo,
realização de estudos geotécnicos e levantamentos topográficos. A obra propriamente dita só foi iniciada em 2008. Os serviços foram iniciados e vários aditivos foram se incorporando até chegar ao número total de
9. Ao todo, o TCU registrou no seu documento fiscalizador de 2011, valores
totais de R$ 118.329.785,25, com a obra chegando a 97,5% pronta. Foram estes
montantes que chamaram a atenção do tribunal. Havia algo errado porque a obra
ainda não estava pronta, cinco anos depois do seu início.
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Oito quilômetros antes da barragem, os rios Vaza-Barris e o Riacho do meio se encontram. (Imagem: Google Maps) |
O
relatório detalhado do TCU encontrou identificação de dano ao erário público, decorrente
de sobre preço contratual, no valor de de R$ 34.753.031,50, o que hoje equivale
a cerca de 58 milhões. Claro que há inúmeras outras irregularidades, mas os
responsáveis foram elencados um a um. O primeiro da lista é o então secretário
de obras do município de Coronel João Sá, José Bispo dos Santos, basicamente
por ter aprovado e utilizado projeto básico deficiente para realização da obra.
Também foram listados os dois prefeitos do período, José Romualdo Souza Costa e
Carlos Augusto Silveira Sobral, basicamente por terem firmado termos aditivos
acima dos limites da lei.
O
construção da Barragem Gasparino fez parte do Programa de Aceleração do
Crescimento – PAC, e só depois de todo processo burocrático, foi iniciada em maio de 2008, no último ano do
governo de José Romualdo, na sua terceira passagem pela prefeitura. O valor dos
recursos federais aplicados na obra, mediante convênios, contratos de repasse e
termos de compromisso, alcançou o total de R$ 130.660.580,06, dos quais R$
128.825.050,70 já tinham sido transferidos ao município. Como os valores do
superfaturamento foram enormes, antes de tomar uma decisão final, o TCU ouviu
todos os envolvidos na questão, inclusive os donos das as empresas e o município.
Em
2014 foram feitas as oitivas dos envolvidos. Ao final, as alegações de José Bispo
dos Santos, secretário de obras, foram rejeitadas pelo tribunal e condenado a
pagar multa. Após os exames das peças de defesa concluiu-se que as alegações
também de José Romualdo, que na época era prefeito de Coronel João Sá mais uma
vez, não foram consideradas e foi
aplicado multa, pois foi quem deu causa aos aditamentos contratuais que
extrapolaram o limite legal, bem como por ter licitado a obra em sua gestão a
partir de projeto básico deficiente.
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Apesar de tudo, a Barragem Gasparino é obra fundamental para os nativos. (Imagem: Google Maps) |
Já
o ex-prefeito na época, Carlos Augusto Sobral, e atual prefeito do município, ao
assumir a Prefeitura de Coronel João Sá, no seu primeiro mandato, se deparou
com uma obra de grande magnitude e de avançado estágio de execução. Ao assinar
os aditivos firmados em sua gestão, buscou antecipar os benefícios sociais e
econômicos da obra, segundo o TCU, tendo suas argumentações aceitas pelo órgão
fiscalizador. Também foi realizada a oitiva da empresa Andrade Galvão
Engenharia e do município de município de Coronel João Sá, para que se
pronunciassem a respeito do sobre preço decorrente de preços excessivos, o que
não mudou em nada a decisão final do TCU que, para garantir lisura ao que
apurou, mandou fazer uma tomada de preços especial.
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Uma orla está sendo construída para incremento do turismo (Foto: Landisvalth Lima) |
Mesmo
exalando o mau cheiro da corrupção, tão comum nas obras Brasil a fora, a
Barragem Gasparino, de fato, trouxe benefícios incontáveis ao povo da região.
Em 2020, pela primeira vez, uma lâmina de água de 50 centímetros desaba pelo
sangradouro da obra concluída em 2012. Depois de horas de chuva no sertão, o
Vaza-Barris, com a ajuda generosa das águas do Riacho do Meio, vindas da Serra
Negra, enche a barragem e as comportas são totalmente abertas. As águas
aumentam de volume no rio e chegam até o local onde o Riacho do Meio entra no
Vaza-Barris, 8 quilômetros distante do maciço. Após tanto dinheiro desviado, pelo menos agora a obra cumpre sua
missão.