DANIEL CARVALHO, NELSON BARROS
NETO, PAULO PEIXOTO e FELIPE BÄCHTOLD – da Folha de São Paulo.
Caixa de medicamentos no chão do setor de armazenamento do posto de saúde de Barreira, em Araci (BA)
(foto: Nelson Barros Neto/Folhapress)
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Infiltrações, rachaduras, mofo,
estruturas enferrujadas, equipamentos quebrados, salas improvisadas, banheiros
interditados e remédios jogados ao chão fazem parte do cenário que os médicos
cubanos encontrarão na semana que vem em unidades de saúde de diferentes
municípios do país. A situação foi flagrada pela Folha em postos de saúde de
cidades da região metropolitana de Porto Alegre e do interior de Minas Gerais,
da Bahia e de Pernambuco. O governo federal diz que irá bancar a reforma das
unidades. Os locais visitados pela reportagem fazem parte do grupo de 206
municípios, de 18 Estados, que irá receber os primeiros médicos cubanos. São
localidades que foram rejeitadas por profissionais brasileiros e demais
estrangeiros na primeira fase do programa voltado para reduzir o déficit de
médicos no interior e nas periferias. Essas realidades revelam municípios na
contramão das regras do Mais Médicos. Em julho, quando anunciou o programa, o
Ministério da Saúde apontou como responsabilidade das prefeituras o
fornecimento de "condições adequadas" para o trabalho dos
médicos" participantes do programa federal.
Entre as exigências aos
municípios estão postos e unidades de saúde "com segurança e
higiene", "fornecimento de equipamentos necessários",
"instalações sanitárias" e "mínimas condições de conforto para o
desempenho das atividades" médicas. Um contraexemplo do que está no papel
é Frei Miguelinho, no agreste de PE. A mesa reservada ao médico cubano está
enferrujada, assim como a escadinha usada pelos pacientes para alcançar a mesa
de exames. No local, a geladeira que deveria guardar vacinas está quebrada há
seis meses, e os dois banheiros não têm água há pelo menos um ano. O jeito
então foi improvisar: a água para descarga fica em baldes destampados na sala
da enfermeira. E esse mesmo banheiro também é usado como depósito para
materiais de limpeza. A situação não melhora na minúscula unidade de apoio, a 7
km do posto de saúde principal do distrito de Capivara. Lá, as vacinas chegam
em isopor porque, como um cartaz na porta avisa, a geladeira está desativada. Além
da estrutura, o acesso a postos de saúde na zona rural será um problema para os
cubanos. Na última quinta-feira, por exemplo, a Folha não conseguiu chegar ao
posto na zona rural de Salgadinho (PE). Chovia, e a estrada de terra que leva à
unidade estava intransponível. "A estrutura não está conservada. A
manutenção não vinha acontecendo há anos", diz Fátima Lopes, secretária de
Saúde de Passira (PE), cidades que receberá três cubanos e cujos postos têm
sinais de mofo e infiltrações.
Na Bahia, na unidade de um
distrito de Araci, a última faxina foi há três meses. Equipamentos estão
quebrados, e a sala de armazenamento de remédios tem caixas acumuladas no chão.
"Toda semana a gente tem ao menos um dia sem água. Não tem ambulância. O
desfibrilador não está funcionando. Se chegar alguém com parada
[cardiorrespiratória], a gente vai orar, e só", diz a médica Tamillys
Figueiredo, 26. Estrutura precária também é realidade na unidade de Campo de
Santana, distrito da mineira Prudente de Morais (MG). O médico cubano
encontrará um posto deteriorado, com partes das paredes e do teto sem reboco e
com trincas que assustam moradores e funcionários. O posto funciona há 20 anos
em uma casa da prefeitura. "É uma precariedade danada em relação às novas
unidades. A gente reconhece", disse o secretário local de Saúde, Deivisson
Melo. Em Sapucaia do Sul (RS), o cubano atuará em um posto que funciona em um
puxadinho de uma escola municipal. O espaço é apertado, e a estrutura, escassa:
três salas, um ambulatório, uma sala de vacinas e uma cozinha. Segundo o
Ministério da Saúde, todas as unidades onde atuarão profissionais do Mais
Médicos irão receber recursos para requalificação até o fim de 2014. O governo
promete R$ 15 bilhões. As prefeituras admitem os problemas de estrutura e dizem
que aguardam ajuda federal para resolvê-los.
Sala improvisada em garagem em Santa Maria do Cambucá (PE) (foto: Bernardo Dantas/Folhapress) |
Posto de saúde em Araci está há
três meses sem faxina
No aguardo de médicos cubanos,
que chegam na semana que vem a Araci (BA), o posto de saúde da família do
distrito de Barreira teve a última faxina em junho, os equipamentos estão
quebrados e a sala de armazenamento de remédios tem caixas espalhadas pelo chão.
"A gerente é a enfermeira. Uma boa gerente, diga-se de passagem", diz
a médica local Tamillys Figueiredo, 26. Ela rotula as condições da unidade como
"terríveis". "Toda semana a gente tem ao menos um dia sem água.
Não tem ambulância. O desfibrilador não está funcionando. Se chegar alguém com
parada [cardiorrespiratória], a gente vai orar, e só", diz a médica. A
Folha visitou o local na quinta-feira passada (12). Na fila de atendimento,
beneficiárias do Bolsa Família se preocupavam sobre como será a comunicação com
o médico novato. "Vai ser difícil, mas prefiro esperar ele chegar para
saber se será bom", disse a dona de casa Joana Silva, 36, que recebe R$
134 da bolsa federal. O secretário de Saúde de Araci, João Batista, diz que o
posto foi aprovado na visita de representantes do ministério, também na
quinta-feira. No município vizinho de Tucano, o a unidade de saúde do povoado
de Rua Nova, também na zona rural, não conta com salas da gerência e de
inalação coletiva, de acordo com as funcionárias Luciana Alves, 26, e Eliana
Matos, 29. Embora a unidade se mostrasse em melhor estado, fruto de uma reforma
em 2011, a prefeitura não autorizou o registro de imagens do local. A
enfermeira tenta fazer o papel de médica da região. Aos 25, a secretária de
Saúde do município, Isis Miranda, diz que os três postos que serão ocupados
cubanos estão "todos ótimos". A Bahia é o terceiro Estado que
receberá mais profissionais do programa (45), atrás de Pará e Amazonas. O
Ministério da Saúde diz que serão investidos R$ 15 bilhões até 2014 na expansão
e melhoria da rede pública de saúde do país. Segundo a pasta, a unidade de
Araci, uma das visitadas pela reportagem, deve passar por ampliação no valor de
R$ 76.725,00.