CLÁUDIA COLLUCCI – da FOLHA de S.
PAULO - com Colaboração de JOHANNA
NUBLAT, da Sucursal de Brasília
A uma semana do término das
inscrições do programa "Mais Médicos", bandeira do governo Dilma para
levar profissionais da saúde ao interior do país, candidatos estão desistindo
dele alegando falta de direitos trabalhistas. O governo argumenta que, por se
tratar de bolsa de formação, ela não prevê hora extra, 13º salário e FGTS, mas
que, como paga INSS, os médicos terão outros benefícios, como para a
aposentadoria. Os profissionais receberão R$ 10 mil mensais, com jornada de 40
horas semanais, pelo período de três anos. "Não há direito algum. Fica
complicado aceitar um trabalho nessas condições", diz o urologista Cesar
Camara, 38, de São Paulo, que fez a inscrição e desistiu de efetivá-la.
As regras estão no edital do
programa, que diz não haver vínculo empregatício. Mas a Fenam (Federação
Nacional dos Médicos) entende que o governo está descumprindo as leis
trabalhistas e vai orientar os sindicatos a entrar com ações na Justiça. "Esse
programa é uma arapuca. Fere totalmente a legislação trabalhista", diz
Geraldo Ferreira Filho, presidente da Fenam. Ele afirma que a entidade não
desestimulou a inscrição porque, para muitos, o trabalho é uma "questão de
sobrevivência". Para o advogado Otavio Pinto e Silva, professor da USP, a
Justiça pode entender que a relação de trabalho prevista no programa configura
emprego (por ser contínuo e com subordinação) e deve ser regida pela CLT
(Consolidação das Leis Trabalhistas). Parlamentares estão tentando incluir, na
medida provisória que criou o "Mais Médicos", a previsão de um
contrato de trabalho e de direitos trabalhistas para médicos que aderirem ao
programa. Há propostas do tipo entre as 567 emendas apresentadas por deputados
e senadores ao texto original, que está no Congresso há uma semana.
SABOTAGEM
O Ministério da Saúde disse ontem
que 11.701 médicos (2.335 com diploma do exterior) já fizeram a inscrição pela
internet, mas não sabe quantas foram efetivadas com envio de documentos. Há
também um movimento de boicote ao programa -- de médicos que pretendem efetivar
a inscrição e desistir depois, para atrapalhar o cronograma e o recrutamento de
médicos estrangeiros. O ministério disse estar fazendo um
"pente-fino" entre os inscritos, com ajuda da Polícia Federal, para
avaliar o real interesse do médico. "Não queremos ninguém que esteja
fazendo qualquer tipo de sabotagem para atrasar um programa que visa oferecer
médicos para a população", disse o ministro Alexandre Padilha. Os médicos
também questionam as regras da ajuda de custo que o governo federal oferecerá
aos profissionais, que pode chegar a R$ 30 mil, dependendo da região. Pelas
normas do programa, na hipótese de desligamento voluntário em prazo inferior a
180 dias, o médico terá que restituir os valores. "E se o profissional não
concordar com as condições de trabalho e quiser desistir? Conheço a politicagem
no interior. O prefeito muda, o secretário da saúde muda. Se você não puxa o
saco, fica em apuros", diz o psiquiatra João Mario Sales, outro que se candidatou
e desistiu depois.