A empreiteira DELTA do caso Cachoeira recebeu recursos do
PAC para abrir uma avenida em Guarulhos, na Grande São Paulo. Hoje, ela é um
matagal e uma rua de terra
ALBERTO BOMBIG – da revista ÉPOCA
ABANDONO Trecho da rua de terra na periferia de Guarulhos onde a Delta deveria ter construído uma avenida. Apesar de receber R$ 1,3 milhão, a empreiteira nada fez (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA) |
No epicentro da CPI do Cachoeira, instalada pelo Congresso,
a empreiteira Delta despertou a atenção dos parlamentares da comissão pela
voracidade com que abocanhou obras espalhadas por todo o país, especialmente as
previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Por causa da eficácia
suspeita da construtora em conquistar obras federais, a oposição e o Ministério
Público acusam a Delta de usar uma influente rede política para alavancar seus
negócios. Duas decisões do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE)
mostram que a empreiteira foi beneficiada em licitações. As decisões do TCE
paulista trazem vários indícios de que duas concorrências públicas vencidas
pela Delta em obras do PAC na cidade de Guarulhos foram dirigidas para a
escolha da Delta. Guarulhos é a segunda mais populosa cidade paulista e a maior
administrada pelo PT no Estado, com 1,2 milhão de habitantes.
Além das decisões do TCE com condenações às licitações,
feitas pela Secretaria de Obras de Guarulhos, uma das obras está completamente
parada e outra ainda não terminou – o prazo de conclusão era o ano passado.
Dinheiro público é desperdiçado justamente no programa que é uma vitrine do
governo federal e esteve na origem da candidatura ao Palácio do Planalto da
presidente Dilma Rousseff, a “mãe do PAC”, como foi batizada pelo ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva durante a campanha eleitoral.
A poucos metros do intenso vaivém de aviões no aeroporto de
Guarulhos, o mais movimentado do Brasil, um matagal e uma rua de terra ajudam a
traçar um quadro real das irregularidades que cercam os negócios da Delta. No
local, deveria estar localizada a Avenida Cumbica, parte de um programa de
reurbanização da Cidade Industrial Satélite de Cumbica, financiado com recursos
do PAC. Até agora, R$ 1,3 milhão de um total de R$ 4,6 milhões foram pagos à
Delta. Não há, porém, sequer 1 metro de rua pavimentado onde deveria estar
pronto o leito da via pública. No mesmo bairro, a Delta também deveria ter
finalizado a obra da Avenida Projecta. Mesmo após um robusto reforço de verbas,
o serviço ainda não foi concluído. A prefeitura de Guarulhos já liberou R$ 4,6
milhões para a obra da Projecta.
Os dois contratos com a Delta foram assinados em fevereiro
de 2008 pelo então prefeito de Guarulhos, Elói Pietá (PT). Naquele período,
Pietá começava a articular a campanha por sua sucessão. Em outubro, Pietá saiu
vitorioso das urnas ao eleger Sebastião Almeida (PT) para o comando da cidade.
A origem do desperdício de verba, segundo o TCE, pode estar
nos vícios do processo licitatório. Ele excluiu, de uma só tacada, quase todas
as empresas que se interessaram pelas obras. A concorrência para a obra da
Avenida Cumbica foi aberta em janeiro de 2008. Das 43 empresas que se
interessaram, apenas oito chegaram à fase final do certame, vencido pela Delta.
Um fato estranho, porque, segundo o TCE, em termos históricos, pelo menos
metade das empresas que retiram o edital de licitação costuma se habilitar para
apresentar suas propostas. As obras em Guarulhos são relativamente simples e
preveem apenas a colocação de guias e a pavimentação de ruas.
Os principais vícios apontados pelo TCE nas licitações
vencidas pela Delta são os seguintes:
• a prefeitura de Guarulhos exigiu um índice de liquidez (os
ativos que a empresa pode transformar rapidamente em dinheiro, um indicativo de
sua saúde financeira) maior que o aceitável para obras de pequeno porte como
avenidas. Isso beneficiou diretamente a Delta, em 2008, já uma das maiores
empreiteiras do país;
• a prefeitura limitou a vistoria técnica no local das obras
pelas empresas interessadas a apenas um dia. Isso é pouco comum e ajudou a
excluir várias empreiteiras;
• o edital exigia que os interessados depositassem a
“garantia” (uma caução exigida dos participantes) 20 dias antes da abertura dos
envelopes. Essa exigência favorece grandes empreiteiras;
• o edital limitou o número de atestados de capacitação (os
comprovantes de que as empresas interessadas podem realizar o serviço). Isso,
segundo o TCE, foi outro fator de favorecimento à Delta.
A prefeitura de Guarulhos, em nota, negou que tenha cometido
irregularidades e disse que a licitação obedeceu a lei. Segundo a prefeitura,
dos R$ 9,7 milhões licitados, apenas R$ 6 milhões foram pagos. A Delta, por
meio de sua assessoria, disse que venceu a licitação por ter as melhores
propostas técnicas e o melhor preço. Enquanto a prefeitura de Guarulhos se diz
vítima da Delta, e a empreiteira afirma ter feito tudo conforme a lei, a
Avenida Cumbica continua ligando nada a lugar nenhum.