Da reportagem do Correio
Braziliense.
Em desrespeito explícito à
Constituição Federal e ao discurso de oposição à presidente Dilma Rousseff,
pelo menos 10 deputados e um senador dos principais partidos oposicionistas —
PSDB, DEM e PPS — são sócios de empresas que receberam recursos do governo
federal nos últimos três anos. As três legendas têm 122 representantes no
Congresso, dos quais 65 são proprietários de empreendimentos privados, conforme
as declarações de bens apresentadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas
últimas eleições que disputaram. Desse total, o Correio conseguiu identificar
11 parlamentares cujas empresas assinaram contratos com algum órgão do
Executivo ou foram diretamente beneficiadas por programas das gestões petistas.
Isso significa que pelo menos 9% da oposição fazem negócios com o governo que
criticam. O percentual pode ser bem maior, uma vez que muitos nomes de empresas
apresentadas ao TSE estão incompletos. Além disso, poucos congressistas
informam o CNPJ ou mesmo a participação societária nos empreendimentos.
O artigo 54 da Constituição
proíbe que deputados e senadores, a partir da posse nos cargos, sejam
proprietários, controladores ou diretores de empresa que “goze de favor
decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público” (veja o que diz
a lei). Os parlamentares também não podem firmar ou manter contrato com órgãos
públicos. Mas o governo tem o costume de contratar companhias de parlamentares,
prática recorrente na administração pública federal. Auditoria concluída
recentemente pelo Tribunal de Contas da União (TCU) elaborou uma lista —
mantida em sigilo pelo órgão — de todos os deputados e senadores sócios de
empresas contratadas pelo governo. Além dos parlamentares da base aliada, os oposicionistas
são beneficiados em contratos com a União, como mostra o levantamento do
Correio.
Os negócios são os mais
diversos. Vão da execução de obras aeroportuárias à compra de combustível para
aviação. Há hospitais privados que recebem repasses do Sistema Único de Saúde
(SUS), uma faculdade que teve aporte financeiro do Ministério da Educação e
outra que recebeu dinheiro do Ministério da Fazenda.
Um exemplo dessa situação é a
empresa do senador Cyro Miranda (PSDB-GO), GEM Agroindustrial e Comercial, que
vende fubá para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Foram R$ 96,2
mil em vendas no ano passado e R$ 27 mil neste ano. Procurado pelo Correio, o
senador disse, primeiro, desconhecer os pagamentos em dinheiro feitos pela
Conab à sua empresa. Segundo ele, o fubá era fornecido como moeda de troca pelo
milho recolhido dos armazéns da Conab. Depois, o senador informou já ter
efetuado três vendas do produto à companhia. “Esse tipo de negócio não é
atrativo. E hoje estou fora da administração da empresa.”
Deputados da oposição têm
negócios mais graúdos com o governo federal. A Construtra Heco, empresa da qual
participa o deputado Augusto Coutinho (DEM-PE), mantém contratos com a Empresa
Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) e com o Comando da
Aeronáutica. A firma foi contratada por R$ 4,8 milhões para uma obra na Base
Aérea de Santa Maria (RS), pela Aeronáutica, e tem outros dois contratos com a
Infraero, um para prestar serviços de reparo no pavimento do Aeroporto de
Santarém (PA), por R$ 96 mil, e outro para o Aeroporto de Imperatriz (MA),
orçado em R$ 53 mil. Coutinho diz que a empresa detém tecnologia de reparo nos
pisos e que, por isso, é prestigiada pela Infraero. Ele alega que está afastado
da companhia desde 1992. “Meu pai tem essa empresa, meu irmão toca o
empreendimento. Não tenho direito, por ser deputado federal, de exigir que eles
não façam obras para órgãos públicos.”
Setor elétrico
Sem os empreendimentos
públicos, a empresa CRE Participações e Empreendimentos, que tem o deputado
Eduardo Sciarra (DEM-PR) como um dos sócios, perderia sua principal atuação. A
empresa do setor elétrico compõe o consórcio Salto Natal Energética, que
construiu uma hidrelétrica na região de Campo Mourão (PR), sob concessão da
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Estimativa do mercado projeta
movimentação anual de R$ 23 milhões do consórcio formado pela empresa do
parlamentar. Segundo a assessoria de imprensa do deputado, Sciarra não
participa “há muito tempo” da concessão.
Do ramo da saúde, as empresas
de dois deputados dependem de recursos do governo federal. César Colnago
(PSDB-ES) é sócio do Vitória Apart Hospital, que recebe dinheiro do SUS. A
unidade de saúde fica em Serra, na Grande Vitória. “São mais de 200 acionistas,
eu tenho apenas 0,2%. Não trabalho com o hospital, não tenho contato”,
justifica o deputado. A Casa de Saúde Santo Inácio, em Juazeiro do Norte (CE),
também recebe repasses do Ministério da Saúde. A empresa é do deputado Manoel
Salviano (PSDB-CE), que não deu retorno à reportagem do Correio. O Instituto de
Medicina Nuclear de Itajubá, que tem como um dos sócios o deputado Eleuses
Paiva (DEM-SP), conforme a declaração ao TSE, recebeu dinheiro do Ministério da
Defesa no ano passado. O deputado também não respondeu aos recados deixados em
seu telefone celular.