Educação: Só 11 estados aprovam
mais de 80% dos alunos no 6º ano
Pesquisa do Inep revela que as
primeiras séries de cada ciclo escolar concentram picos de reprovação e
abandono. Alunos dos primeiros anos de
cada ciclo são mais reprovados (Agência Brasil )
De todos os alunos matriculados
no 6.º ano do ensino fundamental das redes estaduais de Alagoas, Sergipe e Rio
Grande do Norte, no ano passado, apenas a metade foi aprovada para a série
seguinte. A outra parte foi reprovada ou abandonou a escola. Os dados -
divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep) e tabulados para o jornal O Estado de S.Paulo pelo economista
Ernesto Martins Faria, da Fundação Lemann - mostram como as primeiras séries de
cada ciclo escolar são as que concentram os picos de reprovação e abandono. Considerando
as 27 unidades da federação, por exemplo, só 11 delas aprovam mais de 80% dos
estudantes no 6.º ano (antiga 5.ª série). Uma situação que se agrava ainda mais
no primeiro ano do ensino médio, quando nenhum estado atinge os 80% de
aprovação. Nesse caso, além do alto índice de reprovação, cresce também o porcentual
de alunos que abandonam os estudos. No Rio Grande do Norte, o índice dos que
saíram da escola foi somente de 29%. "São as dificuldades da transição.
Quando vai para o 6.º ano, além da mudança do formato - ele passa de um para
vários professores -, alguns estudantes também saem da rede municipal e vão
para a estadual. Isso impacta", explica Denis Mizne, diretor executivo da
Fundação Lemann. No caso do ensino médio, acrescenta Mizne, os índices de
reprovação mostram que, além do currículo desinteressante, há uma falta de
aprendizagem acumulada. "É só lembrar que, como mostra a Prova Brasil,
apenas 10% dos alunos terminam o fundamental com o conhecimento adequado de
matemática." No Rio Grande do Sul, Estado que menos aprova no primeiro ano
do ensino médio - apenas 54,2% estão aptos à série seguinte -, está prevista
uma mudança curricular atrelada à conscientização docente. "Temos esse
índice desde 1975. Precisamos fazer com que esses números sensibilizem
diretores e professores", admite o secretário estadual de Educação, José
Clovis de Azevedo.
Descaso - Segundo os
especialistas, ao reprovar um aluno, a escola contribui para que aumente o
porcentual de estudantes com distorção entre série e idade e pode fazer com que
esse estudante se sinta estigmatizado. Isso além do impacto financeiro, que
passa dos 14 bilhões de reais. Um sinal claro de que a escola não está
cumprindo o seu papel. "Em um bom sistema educacional, o índice de
aprovação beira os 100%", afirma Márcio da Costa, do grupo de pesquisas de
sistemas educacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
"Mas não adianta só decidir aprovar, é preciso verificar as causas da
repetência e combatê-las." Segundo ele, há casos em que a reprovação pode
ser uma forma de pressionar o aluno a abandonar a escola ou até uma punição por
indisciplina. "Basta ver que, caso apresentem o mesmo rendimento, é mais
comum o docente aprovar uma garota que um menino, que é tradicionalmente mais
travesso", avalia. Para o professor da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (USP) Ocimar Alavarse, as reprovações refletem a
característica excludente da educação brasileira. Em 2011, foram reprovados
9,6% dos estudantes do fundamental e de 13,1% do médio. "É inaceitável e
segue a lógica restritiva de que estudar é algo só para os que são considerados
bons. Não é. Toda criança fica nove anos no ensino fundamental e a tarefa da
escola é garantir que elas saiam de lá parecidas", diz.. Mudar esse
cenário é um movimento que, mesmo de forma lenta e sob pressão, deve começar a
acontecer. Isso porque o fluxo escolar é um dos fatores que interferem no
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), instituído em 2007, que,
entre outros fatores, atrela o resultado educacional a repasses financeiros. No
cálculo do Ideb, a nota de cada escola é a média entre a performance dos
estudantes na Prova Brasil e o porcentual de aprovação. Logo, instituições com
a mesma nota na prova podem ter índices de Ideb diferentes.
Conteúdo do ano não é cumprido
por professores
(Eduardo
Martino/Documentography)
Nas escolas brasileiras, o
aluno é promovido de série sem que tenha tido acesso a todo o conteúdo
previsto. Dados da Prova Brasil mostram que 75% dos professores desenvolvem
menos de 80% do que deveria ser trabalhado no ano.Os dados foram tabulados pelo
Estado a partir do questionário da Prova Brasil 2009, respondido por 216.495
docentes de instituições públicas de todo o país que dão aulas para alunos do
5.º e 9.º ano do ensino fundamental, público-alvo da avaliação. Os Estados da
Região Nordeste apresentam os piores porcentuais de cumprimento do currículo.
Nos Estados do Rio Grande do Norte, Alagoas, Ceará e Maranhão, por exemplo,
quase 30% dos docentes não conseguem cumprir nem a metade do currículo
proposto. Nesses locais, o índice de professores que conseguem cumprir mais de
80% do conteúdo previsto cai para apenas 10%. Um reflexo desse ensino
incompleto está nos resultados da Prova Brasil. Quanto terminam o 5.º ano,
34,2% dos alunos têm conhecimento de português adequado à série. Em matemática,
o índice é de 32,5%. Ao fim do 9.º ano, o rendimento piora ainda mais: apenas
14,7% dos alunos sabem o mínimo em matemática e 26,2%, em português. "Isso
acontece porque os conteúdos são cíclicos, retornam em anos seguintes de forma
mais complexa. Se o aluno não o aprendeu bem, não conseguirá acompanhar na
série seguinte", afirma Maria Carolina Dias, especialista em Gestão
Educacional da Fundação Itaú Social. Mas não basta responsabilizar o professor.
O não cumprimento do conteúdo, segundo especialistas, reflete problemas
complexos da educação brasileira, como a formação deficiente dos docentes, a
falta de um acompanhamento pedagógico da escola e, principalmente, a
necessidade de que o país implante um currículo nacional coerente e que
priorize os conteúdos elementares.
Municípios não atingem nem
metas modestas de educação
Relatório da ONG Todos Pela
Educação revela que maior parte das cidades está longe de ensinar o que deve a
alunos em língua portuguesa e matemática
Nathalia Goulart
A língua portuguesa representa
o maior desafio para alunos e professores no fim do primeiro ciclo do ensino
fundamental, que se encerra no 5º ano (antiga 4ª série). Já ao fim do segundo
ciclo, que se encerra no 9º ano (antiga 8ª séria), é a matemática que se torna
um obstáculo. É isso que conclui o movimento independente Todos Pela Educação,
que estabelece metas de aprendizado para alunos de todos os 5.557 municípios
brasileiros. De acordo com o relatório De Olho Nas Metas 2011, divulgado nesta
terça-feira, em São Paulo, 52% das cidades do país não atingiram, em 2009, os
objetivos determinados pelo Todos Pela Educação relativos ao desempenho de
estudantes do 5º anos em língua portuguesa – as metas variam de cidade para
cidade e levam em conta a situação prévia de cada uma delas. É uma péssima
notícia, levando-se em conta que, em muitos casos, a meta já era modesta, como
fazer com que os estudantes aprendessem ao menos parcela do que de fato
deveriam. Entre as 26 capitais, 18 municípios não atingiram suas metas, além do
Distrito Federal. Em Maceió (AL), por exemplo, apenas 17% dos alunos do 5º ano
detêm os conhecimentos mínimos esperados para esta etapa do ensino fundamental.
Já em matemática, 75,2% dos municípios brasileiros cumpriram as metas
estabelecidas. Entre as capitais, todas evoluíram segundo o esperado. Contudo,
mais uma vez é preciso considerar os dados com cautela. Macapá (AP), por
exemplo, atingiu o objetivo para 2009, mas ele era modestíssimo: ali, só 13,2%
dos estudantes detêm os conhecimentos mínimos esperados ao fim do 5º ano. Em
Belo Horizonte, que também apresentou evolução satisfatória, pouco mais da
metade (51%) ainda não sabe calcular adequadamente. No fim do 9º ano, segundo
ciclo do ensino fundamental, a situação é inversa: matemática é o bicho-papão
dos estudantes. Mais da metade dos municípios, exatos 56,1%, incluindo 21
capitais e o Distrito Federal, não atingiu as metas previstas. Exemplos
assustadores são Salvador (BA), onde apenas 5,4% dos estudantes do 9º ano
dominam conhecimentos básicos na disciplina. Em Florianópolis (SC), que também
não registrou avanço, só 16,7% dos alunos aprenderam o que deveriam ao fim do
segundo ciclo do ensino fundamental. Em língua portuguesa, 81,9% das cidades
brasileiras ultrapassaram a meta imposta pelo Todos Pela Educação, incluindo
todas as capitais e o Distrito Federal. Outra vez, os resultados, embora
alcançados, chamam a atenção pela modéstia. Em Recife, 15,5% dos concluintes do
ensino fundamental têm um aprendizado adequado à sua série.
Metodologia – Os dados por
municípios divulgados nesta terça-feira analisam o desempenho dos estudantes do
5º e 9º anos do ensino fundamental com base nos resultados do Sistema de
Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2009, elaborado pelo Ministério da Educação
(MEC). Esses dados são cruzados com as metas estabelecidas pelo Todos Pela
Educação. Se todos os municípios atingirem os objetivos propostos pelo
movimento ao longo da década, em 2022, cerca de 70% de todos os estudantes
brasileiros terão um aprendizado adequado ao seu estágio escolar. A julgar pela
prévia divulgada nesta terça-feira, é difícil acreditar que isso vá acontecer.
Análise
É preciso inverter a lógica do
ensino no Brasil
Destinar maior volume de
recursos ao ensino básico e fundamental é principal desafio do país no campo
educacional
Keila Cândido
Com investimento na educação de
base, universidade pública seria para todos (Nilton Fukuda/VEJA)
O estado brasileiro gasta com
educação o equivalente aos países ricos, mas os resultados não poderiam ser
mais diferentes. A razão de tamanha discrepância está no planejamento. Nos
desenvolvidos há um trabalho de longa data no sistema educacional, com priorização
do investimento no ensino básico e fundamental, qualificação dos professores e
combate a desvios e desperdícios. Mesmo os países emergentes, com destaque para
a China, têm adotado com sucesso essa estratégia. No Brasil, o sistema, além de
caótico, funciona às avessas (veja quadro). Gasta-se absurdamente mais com a
universidade pública, que, pela peneira do vestibular, abriga os mais ricos.
Além disso, são conhecidos os desvios de recursos pela via da corrupção, a
lentidão na promoção de mudanças e pauperização da classe docente (confira
outras dicas). O governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o da
presidente Dilma Rousseff pouco avançaram para inverter essa lógica – embora se
percebam tanto uma leve queda do gasto público com ensino superior enquanto
proporção do Produto Interno Bruto (PIB) per capita quanto um crescimento dos
dispêndios nos outros níveis (veja quadro). O Partido dos Trabalhadores (PT) na
Presidência da República escolheu, inclusive, a expansão da educação superior como uma de suas plataformas políticas com o
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (Reuni). O resultado tem se mostrado um desastre. Universidades foram
construídas em localidades com baixa demanda, enquanto outras expandiram o
número de alunos sem que houvesse infraestrutura adequada. A Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp), por exemplo, aumentou em 520% o número de
vagas, mas faltam laboratórios, refeitórios e até salas de aula nos novos campi
criados. No Rio de Janeiro, a expansão acontece em universidades de lata. Tudo
isso proporcionado pela farra do desperdício de dinheiro público. Os escândalos
recentes nas universidades federais mostram que ampliar o gasto não é condição
suficiente para a reversão dos problemas da educação no país. Antes de tudo, é
preciso saber planejar e gerir de forma eficiente os recursos públicos. “Não
adianta ter muitas vagas e o ensino estar aquém do mínimo necessário”, disse
Nilson Oliveira, do Instituto Fernand Braudel. Especialistas ouvidos pelo site
de Veja defenderam a urgência da reforma do sistema educacional do país de modo
a, primeiramente, reduzir a concentração dos recursos no ensino superior.
Adicionalmente, mas não menos importante, é preciso investir na formação e
remuneração dos professores; aumentar a carga horária do currículo; envolver
mais os pais no universo escolar; combater a corrupção; tornar as
transferências mais transparentes; apoiar a meritocracia; e diminuir a
burocracia. Em resumo, tornar todo o sistema mais eficiente.
Privatização – Entre os
especialistas uma ideia polêmica não é incomum: a privatização total ou parcial
das universidades públicas. Eles argumentam que o Brasil deve seguir o exemplo
de nações que têm educação pública de qualidade ao longo de quase toda a vida
escolar e um ensino superior majoritariamente privado, como, por exemplo, a
Inglaterra. Este modelo é tido como mais justo, pois os recursos, outrora
consumidos pelas universidades estatais, destinam-se a melhorar a base do
sistema de educação. Alunos provenientes tanto de famílias pobres quanto de
abastadas passam assim a ter a mesmas oportunidades de aprendizagem para, no
futuro, concorrer em condições mais equânimes nas instituições privadas. A
barreira financeira para uma universidade no setor privado geralmente é vencida
com linhas de financiamento de longo prazo com juros subsidiados. “As
universidades, mesmo sendo públicas, devem ser pagas. Quem pode pagar, tem de
pagar”, disse Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA). “O principal problema da nossa educação é que não há interesse nem
cobrança por parte de pais, professores e gestores por uma educação de
qualidade. A maioria das coisas que precisam ser feitas pra melhorar esse
estado de coisas custa pouco ou zero”. Gustavo Ioschpe, colunista de VEJA
(Com Agência Estado)