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Neópolis - Cidades do Velho Chico - 31

A história da trágica morte do poeta Antero em Catalão - Goiás!

Depois de nos fartarmos na Carne do Sol de Caicó, adquirimos energia suficiente para continuarmos a jornada e seguimos viagem para a cidade de Catalão, nosso último objetivo em Goiás. Pegamos a BR 352/GO 020 e passamos por Bela Vista de Goiás, Pires do Rio, Ipameri, onde paramos para ver a possibilidade de conhecermos Caldas Novas. Bastava pegar a BR 490, seguir para o oeste por 60 kms. Não deu. Caldas Novas e suas águas quentes ficariam para outra oportunidade. Seguimos ainda pela BR 352 e chegamos a Catalão, 270 kms depois de Goiânia, sem maiores problemas. Como já era noite, procuramos um hotel ou pousada. Ficamos no Hotel Minas Goiás. No dia seguinte, fomos ao nosso objetivo: visitar o cemitério da cidade de Catalão.

Mas que loucura é essa de viajar tanto só para visitar um cemitério? Logo mais os prosadores e prosadoras ficarão sabendo tudo. Antes, é preciso contar a história de Catalão. A origem da cidade vem pelas penetrações nos sertões do Oeste nas primeiras décadas do século 18. Falavam da existência dos índios GUAYAZ e de terras ricas em minérios, principalmente o ouro. E é assim que se inicia, em território Goiano, o extermínio físico e cultural do povo indígena. Bartolomeu Bueno da Silva, filho do bandeirante Anhanguera, atravessou o Rio Paranaíba, onde abriu o Porto Velho, atual Porto do Lalau, deixando um barco na margem direita do Ribeirão Ouvidor, assinalando sua passagem e continuando sua viagem pelos sertões goianos. Nas imediações de Catalão, permaneceu um dos capelões da comitiva, Frei Antônio, espanhol natural da Catalunha apelidado de O Catalão que, ao lado de três companheiros, resolveu criar um ponto de pouso nas proximidades do Córrego do Almoço, pela qualidade do solo e amenidade do clima, até porque havia necessidade de reabastecer a bandeira quando do retorno. Há indícios que demonstram a probabilidade da existência do povoado Catalão a partir de 1728, figurado como ponto de passagem de todas as bandeiras que penetravam pelo sertão Goiano. Em 1824, o arraial de Catalão tinha dezoito casas e uma igreja, segundo estatística feita neste ano pelo brigadeiro Cunha Matos.  Em 1833, Catalão foi elevado à condição de município, desmembrado da vila de Santa Cruz. Como cidade próspera e violenta, no ano de 1850, Catalão tornou-se sede da Comarca do Rio Paranaíba. De 1854 a 1859, era juiz municipal e de órfãos o escritor mineiro Bernardo Guimarães, autor de A Escrava Isaura. Em 1861, reassumiu seu cargo de juiz em Catalão, até 1864, quando voltou a viver novamente na cidade do Rio de Janeiro. O cenário da região serviu de inspiração para a escrita do seu livro O Índio Afonso. Ao final do século 19, Catalão possuía cerca de 190 a 200 casas e pouco mais de mil habitantes e já dominada por coronéis. As figuras de Roque Alves Azevedo e Antônio Paranhos são sempre citadas em estudos. 

Como eram poucos os municípios de Goiás, inclusive com imensidões de terras, no início do século 20, Catalão figura como o mais populoso do estado. Com a chegada da ferrovia, em 1910, fornecia gado e charque para as regiões produtoras de café. Nesta época, sua população batia próximo dos 35 mil, a maior do Centro-Oeste. A decadência veio com a transferência da capital para Goiânia e com a construção de Brasília. Somente a descoberta e posterior exploração de minérios no Domo Ultramáfico Alcalino de Catalão I e II, em especial com a exploração do nióbio e fosfato, Catalão volta a se desenvolver. A forte industrialização do município faz Catalão enfrentar nova crise com a privatização da Goiásfértil no começo da década de 1990. Com a presença de universidades, comércio pujante e a da montadora da Mitsubishi no município, dentre tantos outros empreendimentos, Catalão já figura como a terceira mais importante força econômica de Goiás, e sua população deve chegar agora em 2023 a próximo dos 120 mil habitantes.   

Mas o que nos levou a Catalão foi um livro de Ivan Santana denominado Herança de Sangue. Catalão foi palco do mais trágico e injusto assassinato do século 20 no Estado de Goiás. Tudo aconteceu em 16 de agosto de 1936 e ficou como exemplo das atuações desastrosas de agentes públicos e suas consequências na sociedade. O fel da inoperância, omissão, conveniência, truculência, incompetência, submissão e falta de compromisso com a coisa pública fomentados por um Juiz, um promotor e um delegado de polícia, foi a base da morte do jornalista, poeta e farmacêutico Antero Costa Carvalho. Nossa ida ao cemitério foi para visitar o seu túmulo, onde populares, todos os anos no aniversário da sua morte, fazem orações a quem eles chamam de Santo Antero.

Logo cedo estávamos no enorme cemitério de Catalão e, como o mundo é grande, mas dizem que parece pequeno, encontramos uma figura nascida no semiárido nordestino, e que hoje vive em Catalão e trabalha na administração do cemitério municipal. Trata-se de Valdo, natural de Antas, que conhecemos durante a visita. Além dele, também nos ajudaram na localização do túmulo os servidores Ernandes e Edmilson.

Mas voltando ao assassinato de Antero, a comoção dura mais de 86 anos porque foi algo que ultrapassou todas as linhas do bom senso. Antero foi acusado, por mera suposição, de ter sido o mandante do homicídio do fazendeiro Albino Felipe do Nascimento, de quem era amigo, compadre, sócio de negócios e confidente pessoal. Não há mais como condenar os autores das falsidades que levaram à morte de Antero. Tudo está prescrito e todos faleceram. Mesmo assim, a morte de Antero é evitada pelos mais antigos integrantes da população local. A verdade pode não ser bem recebida pelos descendentes dos culpados ainda residentes na cidade. Vários livros trataram do assunto. Além de Ivan Santana (Herança de Sangue) vários foram os escritos sobre a tragédia: Cornélio Ramos (Histórias e Confissões), Nars Fayad Chaul (História da Política de Catalão), Vivaldo Araújo (História da Terra Branca e Outras Coisas Mais) e Luiz Righeto (O Mártir de Catalão), pelo menos estes são os mais conhecidos. Em todos eles há a marca da incompetência das autoridades e a marca da inocência de Antero. A vítima era moço bom e caridoso, com apenas 34 anos, descendente da tradicional família Carvalho de Jataí-GO. Veio morar em Catalão com sua mãe e a companheira Amélia Nazar e seus dois filhos, fugindo da perseguição aos que lutaram pela criação do estado de Maracaju, hoje Mato Grosso do Sul. Era homem dedicado às letras e hoje figura como patrono de uma das cadeiras da Academia de Letras de Catalão. Antero chegou em 1933 e foi literalmente executado em 1936. 

Mas é um erro dizer que foi o único crime injusto de Catalão. Vários valentões assumiram o comando do município e faziam das suas. Quase sempre os crimes ficavam impunes. Exemplo foi Elizeu da Cunha, cúmplice do assassinato do senador Antônio Paranhos, que conseguiu absolvição no júri popular e, com apoio do governo estadual, virou prefeito. Isaac da Cunha, filho de Elizeu, para vingar a morte de uma amante, comandou o massacre de 9 ferroviários, inclusive duas crianças, no leito da implantação de trilhos. Crime que nunca foi julgado. No ano da morte de Antero, em 26 de maio de 1936, Albino Felipe do Nascimento, idoso de 78 anos, sem ter inimizade com ninguém, é assassinado. A cidade, na época, estava sem juiz e sem delegado. Suspeitaram inicialmente de ter sido o filho do fazendeiro, João Albino, preso e torturado para confessar. Foi solto o filho e depois as suspeitas caíram sobre o farmacêutico Antero Carvalho, suposições do já nomeado delegado Francelino Franklin Ferreira, que se negava a suspeitar de Antero por seu comportamento correto.

Chega então a Catalão um delegado especial, Tenente José Francisco Póvoa. Este manda prender Chico Prateado. Depois de torturado, confessou ser Antero o mandante do assassinato. Daí para a prisão de Antero foi um pulo. Queriam logo desvendar o crime, mas a apuração era frágil, sem provas concretas e sem motivos para um assassinato. Estava claro a existência de uma história criada para incriminar o poeta. Todo o inquérito era um horror de malfeitos e estava claro que o objetivo era político e Antero foi o escolhido para pagar o pato. Na cadeia ele apelou ao juiz de plantão para ver se seria ouvido, mas isso nunca aconteceu. 

 No capítulo 20 do livro de Ivan Santana se encontra todo o relato da morte cruel de Antero, tirado de sua cela, onde estava propositadamente só. Foi espancado da cadeia até a casa do prefeito Anísio Gomide, que ficava depois do córrego Pirapitinga, teve os olhos vazados e foi ainda espancado até onde hoje está a capela feita em sua homenagem, na esquina da rua que tem o seu nome. Foi uma morte cruel que se arrastou por cerca de 1 km. Poucos ousaram tentar parar a barbárie. Muitas pessoas que se encontravam no cinema naquela sexta-feira só souberam ao final da sessão. A cidade ficou envergonhada. Todas as autoridades da época fecharam os olhos e deixaram o crime se consolidar. Inquéritos posteriores só confirmaram a inocência de Antero, mas ninguém foi punido e outros crimes aconteceram para encobrir os verdadeiros culpados, até que os processos do assassinato do fazendeiro e o do massacre de Antero sumiram dos cartórios. Mas a morte do jornalista é considerada o marco final de uma era violenta que nunca mais se repetiu, pelo menos na intensidade dos anos iniciais do século 20. Talvez tenha sido preciso uma injustiça tamanha para que um povo entenda que violência, em qualquer medida ou em qualquer época, nunca foi solução para absolutamente nada na nossa existência.