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Carinhanha - Cidades do Velho Chico 22

A ilusão da individualidade ou a saga do ser dependente

É impossível viver isolado do outro, mesmo que venhamos a odiá-lo. (Foto: SBA)

Eu pretendia escrever um artigo alegre neste Natal, destes que arrebatam emoções e fazem a gente pensar num mundo onde, de fato, existirá sempre um Papai Noel. Enfim, um texto que nos nivelássemos ao mundo da criança, lugar sempre de final feliz. Não consegui, mesmo depois de tomar uma Sol Malte, cerveja caseira ofertada pelo seu criador, o professor Gilberto Jacó.

Depois de matutar muito, uma palavra me veio à cabeça: Dependência. Como posso falar disso num Natal em luto de quase 620 mil mortes? Porque é necessário, é preciso, é fundamental. Então viajei pela literatura dos livros que já li, mergulhei nas imagens dos filmes a que assisti e uma imensa janela se abriu. Logo me aparece Machado de Assis e o personagem Brás Cubas. A inutilidade social do marido de Capitu só foi possível porque ele dependia de todos ao seu derredor.

Em Grande Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, Riobaldo precisou do Diabo para justificar sua covardia em aceitar o que sentia por Diadorim. E não foi só uma vez que ele precisou do coisa ruim. Pulando para a atualidade, em Querida Cidade, do escritor baiano, de Sátiro Dias, de Antônio Torres, o protagonista precisou do tio para que sua vida tivesse um norte na grande cidade. Até para se fazer homem dependeu de uma prostituta, que chegou a pedi-lo em casamento na primeira vez. 

Se ainda não for suficiente, vou de um filme argentino, de Marcos Carnevale, Inseparáveis. Os atores Rodrigo de La Serna e Oscar Martinez interpretam com louvor um ajudante de jardineiro (Rodrigo) que vira cuidador de um milionário tetraplégico (Oscar). É o milionário quem precisa dar um sentido à vida, depois de perder a esposa e, logo após, sofrer um acidente que o deixou naquele estado para todo o sempre. Tito, o agora cuidador, parece ter entendido bem o seu papel naquele emprego.

Mas onde isso vai nos levar? É fato: vivemos em sociedade e numa cadeia de interdependência bionatural. Somos, direta ou indiretamente, seres dependentes de tudo. Até para odiar precisamos de algo ou de alguém. Pior é que esta dependência é indissociável a quaisquer atos nossos. Não precisamos de uma árvore apenas no momento de a cortarmos para lavrar a madeira e fazermos o móvel. Não precisamos do peixe apenas na hora da fome. O mundo é uma cadeia de interdependência dos seres, e destes para com a natureza.

Portanto, você não está só, por mais que se isole. É preciso entender Renato Russo ao pé da letra; “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã!”. Individualismo não existe e o isolamento é impossível neste mundo. Certo é conviver, e sem ódio. Por mais que avance a tecnologia, mais precisaremos um do outro ou de algo. Privacidade existe, mas é só uma palavra. Sua prática é impossível. Possível só é mesmo a dependência porque, mesmo sozinho, alguém sempre precisará de uma corda na hora de se enforcar.