Marcelo Odebrecht é a capa desta semana de Época |
A revista Época desta semana traz
uma reportagem que deixará os petistas em polvorosa. Acostumados, como todos
nós, a um país que cria leis para proteger os poderosos, jamais passou pela
cabeça de alguém que Lula ultrapassaria todos os limites inimagináveis, a ponto
de ser hoje apontado por todos os analistas como o próximo a ocupar um dos
cômodos da Papuda. Eu não duvido da determinação do juiz Sérgio Moro, mas
também não duvido de um acordão para salvar a república e livrar Lula e Dilma
da cadeia. A fala de Emilio Odebrecht, que abre este artigo, não pode ser vista
como algo desprezível. Seu filho está preso e ele não vai deixar barato. Por
que ele iria pagar o pato sozinho, depois de ajudar o PT a chegar ao poder por
quatro eleições em sequência?
Em reportagem de Filipe Coutinho,
Thiago Bronzatto e Diego Escosteguy, Época afirma que desde que o avançar
inexorável das investigações da Lava Jato expôs ao Brasil o desfecho que, cedo
ou tarde, certamente viria, o mercurial empresário Emilio Odebrecht, patriarca
da família que ergueu a maior empreiteira da América Latina, começou a ter acessos
de raiva. Nesses episódios, segundo pessoas próximas do empresário, a raiva –
interpretada como ódio por algumas delas – recaía sobre os dois principais
líderes do PT: a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva. A exemplo dos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado,
Renan Calheiros, outros dois poderosos alvos dos procuradores e delegados da
Lava Jato, Emilio Odebrecht acredita, sem evidências, que o governo do PT está
por trás das investigações lideradas pelo procurador-geral da República,
Rodrigo Janot. “Se prenderem o Marcelo (Odebrecht, filho de Emilio e atual
presidente da empresa), terão de arrumar mais três celas”, costuma repetir o
patriarca, de acordo com esses relatos. “Uma para mim, outra para o Lula e outra
ainda para a Dilma.”
Está mais que claro que o PT não
arquitetou nada porque muito pouca coisa no Partido dos Trabalhadores é planejada,
nem mesmo o seu cansado discurso de luta contra as elites. É só colocar em
conta que o principal amigo de Lula, Emilio Odebrecht, não faz parte desta
elite. O PT esquece de dizer que é contra a elite que é contra o partido, que
questiona suas incoerências, que mostra a verdade de que o partido sempre
esteve apenas disposto a chegar ao poder e lá quer ficar até que não possa
mais. E também, elite para o PT é tudo que está contra ele. Se for um pobre
miserável que prega algo contra o partido, haverá sempre alguém a dizer que é
um trabalhador que traiu a companheirada, iludido pelo discurso da direita.
Os administradores da operação
Lava Jato estão comendo pelas beiradas. Sabem que o país não agiria com
naturalidade ao ver um ex-presidente e uma presidenta acusados de administrar o
maior desvio de recursos públicos que se tem notícia na história da república. Só
o tempo vai confirmar o que estou aqui dizendo. Só ao ler Doris Lessing foi que
eu descobri que Stalin pode ter matado mais pessoas que Hitler. Não foi a
História que me revelou. A ideologia esconde os verdadeiros heróis e vilões.
Hoje vejo o quão inocente fui em acreditar um dia que o operário Luís Inácio
Lula da Silva seria o iniciador de uma nação próspera, que caminharia para ser
a mais progressista do planeta, justa e igualitária. Não me arrependo da luta.
Não lutei por Lula, lutei por um país – e ainda luto. A visão que tenho hoje é
suficiente para ver que Lula está mais contribuindo com o que ele chama de
elite que com o país. Sérgio Moro sabe que não se desmonta um falso deus da
noite para o dia. No fundo, ele está recuperando nossa crença na nação. É
preciso separar as coisas: política se faz para melhorar o país e não para endeusar
pessoas.
Não foi por acaso que batizaram a
14ª fase da Operação Lava Jato de Erga Omnes, expressão em latim, um jargão
jurídico usado para expressar que uma regra vale para todos – ou seja, que
ninguém, nem mesmo um dos donos da quinta maior empresa do Brasil, está acima
da lei. Era uma operação contra a Odebrecht e, também, contra a Andrade
Gutierrez, a segunda maior empreiteira do país. Eram as empresas, precisamente
as maiores e mais poderosas, que ainda faltavam no cartel do petrolão. Um
cartel que, segundo a força-tarefa da Lava Jato, fraudou licitações da
Petrobras, desviou bilhões da estatal e pagou propina a executivos da empresa e
políticos do PT, do PMDB e do PP, durante os mandatos de Lula e Dilma. Não é
pouca coisa. Só para se ter uma ideia, os americanos encontraram desvios na
FIFA na ordem de 150 milhões de dólares. Esta grana toda é equivalente ao que
somente um dos delatores da Lava Jato se comprometeu a devolver aos cofres do país.
Não está incluso aí o que ele pagou a políticos e empresas. Era só a parte que
coube a ele.
Os comentários de Emilio
Odebrecht eram apenas bravata, um desabafo de pai preocupado, fazendo de tudo
para proteger o filho e o patrimônio de uma família? Ou eram uma ameaça real a
Dilma e a Lula? Nas últimas semanas, segundo fontes ouvidas por Época, teve
encontros secretos com petistas e advogados próximos a Dilma e a Lula.
Transmitiu o mesmo recado: não cairia sozinho. Ao menos uma dessas mensagens
foi repassada diretamente à presidente da República. Que nada fez. Na coluna
Painel, da Folha de São Paulo, afirma que a prisão de Marcelo Odebrecht levou pânico ao
mundo político pelo grau de conhecimento que o presidente da empreiteira tem
dos pormenores da engrenagem do financiamento eleitoral ao PT nos últimos anos.
Mesmo negando participação de sua empresa no escândalo de corrupção na
Petrobras, o executivo teria feito relatos de como o esquema abasteceu campanhas
petistas em 2010 e 2014. O temor é que, se ficar preso por muito tempo, Marcelo
resolva desfiar esse novelo.
Prisão de Marcelo Odebrecht (foto: UOL) |
Ainda em Painel, sobre o
potencial de estrago de uma possível fala de Marcelo e a falta de elementos
para sustentar as prisões, advogados apostam que a libertação dos presos desta
sexta-feira será mais rápida que o padrão. Ocorre que os advogados da Odebrecht
sustentam que não faz parte da linha de defesa dos executivos presos selar
acordos de delação premiada, como fizeram investigados de outras empreiteiras. Nos
relatórios que embasaram os pedidos de prisão da nova fase da Lava Jato, a
Polícia Federal aponta que “as operações do grupo Odebrecht seguem padrões mais
sofisticados do que as concorrentes”. Mesmo assim foram desmascarados e isso
pode levar a um grande acordão, já que as maiores empresas estão envolvidas e
haverá uma estagnação no setor de construção, gerando desemprego em massa. O
que está pior pode estragar mais ainda. Até porque, vem aí Ricardo Pessoa. Políticos
lembravam no fim da semana que ainda está por ser conhecido o teor da delação
de Ricardo Pessoa, da UTC, que deve ser homologada nos próximos dias pelo
relator Teori Zavascki.
Como desgraça pouca é bobagem, a
oposição se agarra a uma possibilidade concreta para afundar ainda mais o
governo Dilma e fará pressão sobre o TCU nos próximos 30 dias para cobrar a
rejeição das contas de Dilma. Tucanos citam parecer de Miguel Reale que diz que
essa decisão seria o caminho para pedir o impeachment. Mas Dilma vai usar a
carta em que Arno Augustin assume responsabilidade pelas pedaladas para provar
que o procedimento era corriqueiro e decidido por escalões inferiores. Ou seja,
os erros não são meus, só as virtudes.
Na reportagem de Época, ficou
claro que não há como determinar com certeza se o patriarca dos Odebrechts ou
seu filho levarão a cabo as ameaças contra Lula e Dilma. Mas elas metem medo
nos petistas por uma razão simples: a Odebrecht se transformou numa empresa de
R$ 100 bilhões graças, em parte, às boas relações que criou com ambos. Se
executivos da empresa cometeram atos de corrupção na Petrobras e, talvez, em
outros contratos estatais, é razoável supor que eles tenham o que contar contra
Lula e Dilma. Além disso, Fernando Pimentel, governador de Minas Gerais, seria
um dos atingidos também com as investigações.
Fato é que, pela primeira vez na
história do país, suspeitos de ser corruptores foram presos – os executivos das
empreiteiras. Antes, apenas corruptos, como políticos e burocratas, eram
julgados e condenados. E foi precisamente esse lento acúmulo de prisões, e as
delações premiadas associadas a elas, que permitiu a descoberta de evidências
de corrupção contra Marcelo Odebrecht, o empreiteiro que melhor representa a
era Lula, como afirma a reportagem de Época. Foram necessárias seis delações
premiadas, dezenas de buscas e apreensão em escritórios de empresas e doleiros
e até a colaboração de paraísos fiscais para que o dia 19 de junho fosse,
enfim, possível. Tudo isso é prova inconteste de que estamos no caminho de uma
nação com futuro, finalmente, onde as leis são para todos e que ser pobre ou
rico é apenas uma questão de classe e de posição social no capitalismo. O dinheiro
pode comprar bens e não consciências. Partidos, lideranças e ideologias são
importantes, desde que não ultrapassem os limites das leis e da Constituição.
Santos serão o bem-estar, a saúde, a educação e a cultura de um povo. Pessoas e
ideias são instrumentos usados para chegarmos a um mundo perfeito. Precisamos
de exemplos para chegarmos a isso. Estas prisões, e outras futuras, são um
extraordinário começo.