Na Bahia, das 417 cidades, só
duas elaboraram seus projetos municipais - apenas uma já conta com a aprovação
dos vereadores. Heliópolis, Banzaê, Quijingue e mais 47 cidades passarão a ter
acesso aos recursos.
Perla Ribeiro – do CORREIO
O Plano Nacional de Saneamento
Básico (Plansab) estima um investimento de R$ 508,4 bilhões em ações no país,
nos próximos 20 anos. Mas boa parte desse recurso pode deixar de ser destinado
às prefeituras por um problema criado por elas mesmas: a falta de projetos. É
que o Plansab, instrumento previsto pelo artigo 52 da Lei 11.445, que
estabelece diretrizes, metas e ações de saneamento básico para o Brasil até
2033, determina que, para ter acesso aos recursos, os 5.564 municípios devem elaborar
seus Planos Municipais de Saneamento até 2015.
O prazo inicial para
entrega era dezembro de 2010, foi
prorrogado para 2013 e depois para dezembro de 2015. Apesar do atraso, as
prefeituras caminham a passos lentos. Dos 417 municípios baianos, só Camacã, no
Sul do estado, elaborou e aprovou o plano na Câmara Municipal, e Firmino Alves
já elaborou e depende só da aprovação do legislativo municipal. “A situação
está muito ruim, mas já esteve pior. É o Brasil todo, não é só a Bahia que está
assim. Aqui é pior porque, historicamente, o processo de disparidade social é
gritante e tem ainda a extensão do estado”, avalia o coordenador do projeto
Sanear Mais Bahia e chefe de gabinete do Conselho Regional de Engenharia e
Agronomia da Bahia (Crea), Herbert Oliveira.
O plano nacional prevê alcançar,
nos próximos 20 anos, cobertura de 99% no abastecimento de água potável, sendo
100% na área urbana. Já no esgotamento sanitário, visa uma cobertura de 92%,
sendo 93% na área urbana. Em resíduos sólidos, o Plansab prevê a
universalização da coleta na área urbana e a ausência de lixões ou vazadouros a
céu aberto em todo o país. Para águas pluviais, a meta é reduzir a quantidade
de municípios em que ocorrem inundações ou alagamentos a 11% na área urbana.
Para atingir esses resultados,
as prefeituras precisam planejar suas ações. E isso será possível através dos
planos municipais, que vão estabelecer metas e objetivos para universalizar os
serviços de saneamento e melhorar a qualidade deles no país inteiro. O
orçamento previsto é de R$ 504,8 bilhões. Desse montante, 59% serão oriundos do
governo federal e os 41% restantes devem ser financiados pelos governos
estaduais e municipais, prestadores de serviços de saneamento, iniciativa
privada, organismos internacionais, dentre outros.
“Como é que você planeja para um
país como um todo? Você planeja em nível macro e depois vem com os planos
estaduais de saneamento básico e com os planos municipais de saneamento
básico”, explica o Ph.D. em Saúde Ambiental e professor titular em Saneamento
da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Luiz Roberto Santos Moraes, que
participou da construção do Panorama Nacional do Saneamento Básico, documento
que serviu de base para elaborar o Plansab.
Novo conceito
Além de criar metas, a nova lei
mudou também o conceito do que é saneamento básico. Em vez de só contemplar os
serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, passa a
incluir a limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e a drenagem e manejo das
águas pluviais urbanas. Também determina que os contratos para prestação de
serviços públicos de saneamento básico só terão validade se houver um plano de
saneamento básico, a existência de estudo comprovando a viabilidade técnica e
econômico-financeira da prestação universal e integral dos serviços, entre
outras condicionantes.
A lei também estabelece que,
para um plano ser validado, é preciso ter a participação e o controle social.
“Tem que discutir o planejamento da cidade com as pessoas que nela residem”,
pondera o engenheiro Herbert Oliveira. Os atrasos, segundo o professor Moraes,
não estão restritos aos municípios. Segundo ele, a União deveria ter terminado
o plano nacional em 2008, mas só o aprovou no ano passado, com cinco anos de
atraso. O prazo concedido ao estado expirou em 2009, mas até hoje o documento
não foi finalizado.
Na avaliação de Herbert
Oliveira, o problema existe porque não houve um planejamento histórico do
saneamento básico no país. “É aquela questão que todo mundo fala: o que está
enterrado ninguém vê. Quando você fala de saneamento básico, ninguém enxerga
esse tipo de obra, que afeta diretamente a qualidade de vida, a saúde das
pessoas e o bem-estar delas”.
Sem fiscalização
O artigo 7 do decreto 8141, que
dispõe sobre o Plansab, diz que a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental
do Ministério das Cidades deve elaborar anualmente e dar publicidade ao
relatório de monitoramento e de avaliação sistemática do plano, que contenha
elementos que possibilitem identificar a evolução dos cenários, as metas, os
indicadores, os investimentos, as macrodiretrizes, as estratégias e avaliar a
implementação dos programas. Procurado pelo CORREIO, o Ministério informou que
não dispõe, de forma atualizada, de informação da quantidade de prefeituras que
já elaboraram planos no país.
Projeto prevê a construção de 50
planos na Bahia
Enquanto muitos municípios ainda
não sabem por onde começar a elaboração dos planos municipais de saneamento, 50
cidades baianas têm a promessa de chegar ao final do ano com os seus projetos
prontos. É que o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) firmou um
convênio de cooperação técnica com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) no
valor de R$ 6,9 milhões para qualificar e assessorá-los tecnicamente na elaboração
desses planos, através do projeto Sanear Mais Bahia. A primeira parcela já foi
repassada para o Crea.
Apesar de o Plansab ser
capitaneado pelo Ministério das Cidades, é a Funasa que acompanha os municípios
com população inferior a 50 mil habitantes. Na Bahia, dos 417 municípios, 373
se enquadram nesse perfil. “Com os planos prontos a partir de meados do ano que
vem, esses 50 municípios vão passar a ter acesso aos recursos. É muito recurso,
mas você não tem como pegar se não tem projeto”, avalia o chefe de gabinete do
Crea e coordenador do projeto, Herbert Oliveira.
Foram escolhidos os municípios
com os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), com as maiores
incidências de doenças diarréicas, maior população rural e menor cobertura de
abastecimento de água. Outro requisito era pertencer a consórcios públicos. “O
consórcio se apresenta como uma possibilidade, porque você consegue bancar uma
equipe de engenharia para trabalhar. Um município só não banca”, explica.
Essa não é a primeira vez que a
Funasa destina recursos para realização de planos municipais. Segundo a
superintendente da Funasa na Bahia, Jacilene Costa, 33 cidades baianas foram
contempladas em 2009 em uma seleção pública realizada pelo órgão. Três desistiram
e só Camacã concluiu o plano.
“Há uma dificuldade desses
municípios, mesmo recebendo recursos. Há dificuldade de destrinchar o processo
licitatório, por conta da baixa capacitação das prefeituras. Há ausência de
equipes técnicas nos municípios para realizar esse trabalho”, avalia Jacilene.
Segundo ela, até o número de empresas de consultoria na Bahia nessa área é
insuficiente. “Há casos em que precisamos contratar empresa de São Paulo”,
conta.
Ministério Público na cola para
que prefeituras cumpram prazo
Os promotores que atuam na Bahia
vão acompanhar a elaboração dos planos municipais e cobrar dos municípios a sua
implementação. “Faremos isso enquanto fiscal da lei e curador do meio ambiente
e da saúde pública, que são dois bens jurídicos estabelecidos pela
Constituição”, diz a promotora e coordenadora da Câmara Temática de Saneamento
do Centro de Apoio às Promotorias do Meio Ambiente (Ceama), Karinny Guedes.
Segundo ela, a Lei de Crimes
Ambientais tem um crime específico para a legislação de resíduos sólidos, mas
não tem para esgotamento sanitário. Mesmo assim, o poder público pode ser
responsabilizado por omissão. “Além de reparação civil, também existe o crime
de poluição ambiental. Podemos vincular a omissão à poluição a um crime que
afeta a saúde. Mas, para responsabilizar criminalmente um prefeito, é preciso
comprovar que ele se omitiu”, explica. Apesar de a lei abrir espaço para que os
gestores respondam criminalmente, a promotora ressalta que essa é uma medida
para ser adotada só em última instância.
“Na realidade que vivemos, que
falta a cultura do planejamento, é um pouco temerário ficar falando de crime.
Certamente, não é o caminho que a gente quer trilhar. A gente espera sentar com
os municípios para assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e garantir
que a determinação seja cumprida”. A ideia é que os promotores trabalhem
buscando soluções com os municípios. “Não é uma coisa de outro mundo, mas
muitas vezes o município não quer se mexer, alega que não tem dinheiro”, avalia,
acrescentando que os municípios têm que planejar seus serviços. “Sem esse
planejamento, os serviços públicos podem não contemplar as reais necessidades
do município”.