Landisvalth Lima
Jurássica da Silva Paranhos, ou simplesmente
Professora Juju, era destas mulheres exatas como o óbvio. Não tinha gosto, mas
se mostrava o oposto de Macabea. Casada. Dois filhos, um problemático, o outro
candidatíssimo a problemas futuros. O marido era uma máquina de calcular.
Quando abria a boca os números caiam. Arranjou um emprego de professora em
troca de votos a um deputado carlista, na época em que a Bahia se envergonhava
de viver sob a mira do chicote e do dinheiro. Passou duramente a lecionar e
seguia a cartilha estabelecida de cima para baixo. Nada de questionamentos,
nada de querer tirar do lugar o que já está ali por décadas. O bom cabrito não
berra.
Mas o mundo dá voltas e veio a
Constituição de 1988 estabelecendo o ingresso no serviço público só por meio de
concurso. Mas o que fazer com pessoas como Professora Juju? Demitir?
Desconsiderar anos de trabalho? Não, nada disso. Jurássica e tantos outros e
outras foram efetivados no serviço público e passaram ao regime estatutário.
Agora estava mais tranquila e livre para realizar seu trabalho mais
condignamente.
Um dia, o marido de Jurássica
recebe um convite inesperado para fazer parte de uma corrente nacional pela
ecologia. Aceita ser membro de um grupo de defesa da Caatinga e vai viver em
Jeremoabo. Lá ele administrará um departamento para preservação do meio
ambiente. Logo ele que não tinha vocação para a coisa. Ocorre que estava dando
uma grana preta e dinheiro não se questiona, se ganha. Professora Juju foi
abrigada a deixar Canaã, sua cidade natal. Foi um chororô. Sim, porque Juju era
rigorosa, mas generosa nos pontos aos alunos. Seu caderninho já amarelo com os
assuntos repetidos de anos, suas avaliações incansavelmente surradas e tantas
vezes passadas de mão em mão para que as respostas ficassem mais óbvias a cada
ano, seus exercícios sem correção e com os vistos e pontos ao final da unidade,
suas leituras repetitivas... Ah! Deus! Agora virá outra professora e as
crianças terão um trabalhão desgraçado para se ambientarem novamente. Deixará
saudades a Professora Juju.
Mas a onda da luta pelo meio
ambiente ganhou corpo na Bahia e o PDCN – Partido em Defesa da Caatinga Nordestina
– elegeu deputados. Queria agora conquistar prefeituras no semiárido baiano. E
para disputar a prefeitura de Canaã, o escolhido foi José Paranhos, o defensor
dos mandacarus, preás, tatus e umbuzeiros. De volta a Canaã, Professora Juju e
José Paranhos conquistaram os corações dos canaãnenses com mudas de cajueiros,
cajazeiras, palmeiras, umbuzeiros e até pés de quipés. A eleição ficou no papo
e Professora Juju virou primeira dama de Canaã.
Enquanto o marido brigava com os
catingueiros, Professora Juju virou diretora da maior escola municipal. Durante
o tempo em que foi dirigente, a única coisa que faltou foi exatamente educação.
Quase tudo era festa. Uma feira de ciências virava festa. E lá vinha uma banda
com pisadinha e tudo. Formatura no final do ano, não tinha para ninguém.
Mandava contratar o Forró das Gringas, de alto cachê e sucesso nas paradas. Foi
a época mais badalada da escola. Todo e qualquer evento, lá estavam os
deputados do PDCN, o José Paranhos, os vereadores do seu lado político e os
professores do seu agrado. E ai da turma que fizesse algo sem passar pelo seu
crivo. Professor que não rezasse em sua cartilha era mandado ao quinto de todos
os infernos. Poder absoluto à Professora Juju!
Mas a educação descia ladeira abaixo
na escala da evolução. Todos os índices se distanciavam de um mínimo aceitável.
Enquanto isso, o desmatamento crescia nas nossas caatingas e os vaqueiros,
criadores de gago, pastores de ovelhas e guiadores de bodes já não mais
suportavam. Uniram-se todos contra os Paranhos e José e Juju perderam as
regalias e o poder. Fiscais do IBAMA chegaram a invadir a casa da professora e
viraram tudo de cabeça para baixo em busca do veneno que não permitia o
crescimento da caatinga. Tudo foi perdido e confiscado. Professora Juju teve
que conviver com a pobreza mais uma vez e continuou a dirigir a sua escola,
agora sem pompas, sem seguidores, sem recursos. Voltou ao mundo dos humanos e
comuns.
Mas o tempo passa e a Professora
Juju já tinha uma vasta temporada de serviços imprestáveis à educação. Aí veio
a notícia mais aguardada por ela nos últimos dois anos de sobrevida: a
aposentadoria! Finalmente! Um prêmio! Era agora a hora de retribuir tantos
benefícios que a educação proporcionou à sua vida. Nada mais justo que um
troféu destes. E a Professora Juju chorou de emoção e falou numa sala repleta
de professores:
- Esta aposentadoria é o melhor
prêmio que te ofereço, Senhora Educação!