Por Alex Antunes - do blog do
autor no Yahoo Notícias.
Alex Antunes |
O psiquismo petista, nos últimos
dias, entrou em um estado de alucinação coletiva. É difícil entender, de um
ponto de vista de esquerda, que tipo de “estratégia” poderia levar a escolhas
políticas e de comunicação tão erradas, numa véspera de eleição tão delicada.
A ideia de que vivemos num país
cindido de cima a baixo (ou, mais exatamente, na linha de fronteira entre o
Espírito Santo e a Bahia) sempre foi alimentada pela direita alarmista. É a
direita que gosta de teses bisonhas como a da preparação de um “golpe
comunista” (exatamente por um governo refém do crescimento do consumo, como o
de Dilma?).
A eleição de Lula, e sua melhor
fase no governo, baseou-se exatamente no sentimento contrário. Foi o cacife
popular (e populista) de Lula que permitiu estabilizar a economia com
ferramentas da ortodoxia de mercado, e iniciar uma distribuição de renda. Lula
sim é que executou uma frase famosa dita pelo então ministro Delfim Netto
durante a ditadura, “é preciso que o bolo cresça para depois dividi-lo”.
Confrontada com a “ameaça” das
eleições, Dilma perdeu completamente a mão. Eu sei que as principais decisões
de campanha são tomadas pelo marqueteiro João Santana (foto), mas todo
publicitário sabe que o marketing tem que manter alguma relação com o “produto”
(a candidata, o partido) para não soar completamente falso.
Depois de todas as suposições
otimisticamente erradas que fez antes da campanha, Santana sabia que enfrentar
Aécio num segundo turno seria uma arapuca. Mas não soube como dosar os ataques
a Marina Silva para evitar o reempoderamento de Aécio Neves. Aécio que num
determinado ponto da campanha do primeiro turno estava totalmente batido, como
bem nos lembramos (afinal faz apenas seis semanas).
Foi o psiquismo petista que levou
à agressiva desconstrução de Marina no primeiro turno. O efeito colateral foi
turbinar Aécio de novo. E é esse mesmo psiquismo que está esboçando a derrota
do PT diante do candidato do PSDB. De fato, a campanha de João Santana passou
um tanto dos limites contra Marina – mas serviu de mote para que a militância
passasse muito mais.
Marina não é uma candidata fácil
de administrar. Passa muito o recibo de que a realidade é complexa (porque é
mesmo), e às vezes é até melhor buscar um bom oráculo para produzir uma chispa
de sabedoria em momentos difíceis, do que confiar em “lógicas” e certezas
ilusórias (o que provocou chacota contra seu hábito, nesse sentido até
saudável, de consultar a bíblia em busca de um insight).
Marina portou-se um tanto como
Lula, ao tentar abraçar forças dicotômicas. Mas Lula executou essa manobra como
um tio conciliador, boa praça e cervejeiro, e Marina queria executá-la com base
em uma fala severa (pode-se dizer também que severidade é um elemento que está
faltando muito na nossa política).
Era relativamente fácil de
desconstruí-la, com base no anseio popular por um candidato com superpoderes e
soluções fáceis. Mas algumas escolhas moralistas da campanha funcionaram bem
demais. Foi o caso dos ataques à educadora Neca Setubal, que é dona de menos de
2% do Itaú, e foi apresentada como uma representante dos banqueiros na campanha
de Marina, quando era exatamente o contrário (uma figura abastada porém
simpática ao ativismo social e ambiental, ou seja, algo que absolutamente nos
faz falta no contexto brasileiro).
O mesmo com os ataques à posição
do programa de Marina relativizando a importância do petróleo como combustível
(o mote do “poderio do pré-sal” foi abraçado com gosto pelo sindicalismo mais
simplório); e a semântica irrelevante do ambientalista Chico Mendes ser “elite”
ou não (é óbvio que qualquer liderança social pode ser chamada de elite, se se
atribuir um significado positivo à palavra). E assim por diante.
Os petistas bateram com gosto (e
injustiça), enquanto Marina era levada às cordas e não tinha tempo nem
habilidade para se explicar. E assim perdeu-se o momento mágico: um cenário em
que duas mulheres, vindas do campo da esquerda, uma delas negra, disputariam o
segundo turno mais qualificado da história eleitoral do Brasil. Esse teria sido
o grande legado de Lula ao país: o embate de suas duas ex-ministras. Escrevi já
um pouco sobe isso neste texto, O desserviço final do PT ao Brasil.
Acontece que na equação petista
não entrou um elemento: o fato de que o partido vem construindo, ao longo do
tempo, uma sólida antipatia em setores da sociedade. Não só os da assim chamada
direita, que repelem o PT pelas razões erradas (aversão aos programas de
inclusão social e de horizontalização da sociedade), mas também com setores que
têm uma percepção mais “à esquerda”, ou com preocupações sociais. E é aí que
começa o grande problema para o PT.
No seu curso à direita, nestes 12
anos de poder, o partido foi de enorme inabilidade política, ao deixar se
romperem os laços com muitos movimentos sociais. Os ápices da incompreensão
foram junho de 2013 e as manifestações contra os gastos na Copa, em que o PT
alienou e tratou como inimigos aqueles que seriam aliados naturais.
Substituiu-os por bagaços
políticos que o próprio PSDB havia abandonado à sua sorte, como Sarney, Maluf,
Collor etc. Lula, o “tio conciliador”, teve a ideia duvidosa de chamar para si
esses resíduos do pior da política do século passado, contando controlar e
alimentar um pouco os seus minguantes poderios locais. Perdeu parte da
credibilidade à esquerda, sem ganhar nenhuma à direita.
O mesmo erro aconteceu com os
políticos neopentecostais, que Lula, num primeiro momento, também supôs que
controlaria politicamente, como contrapeso à influência da igreja católica nos
seus ambientes políticos de origem – os mesmos que fundaram o PT. E essa origem
psicossocial igrejeira e sindical do PT merece um comentário à parte.
Certamente ela tem a ver com esse
psiquismo petista que agora fugiu ao controle: o de que toda a complexidade
social, cultural e política nacional se reduz a um “eles contra nós”, um “nós
que temos o monopólio das boas intenções”, um “exigimos um voto de confiança
contra os bandidos”. E ninguém vê isso de fora.
Esse paradoxo se apresentou na
época da denúncia do mensalão, em 2005. Foi quando uma ala petista com um
pensamento político mais saudável falou em “refundação do partido” – e não em
tentar varrer o problema para baixo do tapete (não deu certo, como vimos).
Essa duplicidade petista, que é
tão estranha e indigesta vista daqui, vista pelos petistas parece gerar ainda
maior aflição e urgência. E inconveniência. No momento em que precisa atrair
eleitores à esquerda (porque os de direita já estão perdidos para o Aécio), a
campanha dá destaque à senadora ruralista Katia Abreu? Exatamente a que é
conivente com o armamento de fazendeiros para o assassinato de índios?
No momento em que é confrontada
com mais um escândalo na Petrobrás, Dilma discursa contra a corrupção… tendo ao
seu lado, no mesmo palanque alagoano, representantes clássicos da corrupção
como Collor e o filho de Renan Calheiros? No momento em que mais precisa do
voto paulista (estado central na história do PT, cuja capital já elegeu
Erundina, Marta e Haddad), incentiva o mito de que o estado só tem
reacionários?
Laura Capriglione desenvolve o
assunto em seu blog:”Bairros pobres e históricos redutos do PT, como o Campo
Limpo, na zona Sul, terra onde vive Mano Brown, por exemplo, ou Itaquera e São
Miguel Paulista, na zona Leste, sufragaram mais Aécio do que Dilma. Capela do
Socorro, lar do sarau da Cooperifa, do poeta Sergio Vaz, também. E a Pedreira,
Ermelino Matarazzo e Cangaíba (…) Vai falar lá que aquela gente morena, parda e
preta, que eles são a elite branca, fascista, oligarca ou coisa que o valha”.
Dilma, o PT e a militância
deveriam tratar a questão com mais desassombro e delicadeza (até porque, na
verdade, qualquer presidente eleito estará subordinado exatamente às mesmas
forças políticas, representadas no PMDB e nos partidos fisiológicos, e não no
PT nem no PSDB). Mas certamente estão alienando mais ainda os eleitores que
perderam nos últimos anos.
Parece difícil, a esta altura do
campeonato. Sem que haja o menor motivo prático, os petistas continuam
agredindo não só Marina, mas quem pensou em votar nela, naquele não tão
distante momento em que o Brasil quase teve uma eleição presidencial decente.
O PT surtado se parece muito com
a caricatura, chantagista, desleal e descompensada, que os colunistas de
direita tanto gostam de fazer dele. E parece querer confirmar a tese de que só
na oposição poderá se requalificar na importância política e social que já
teve.
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