A indústria reduziu lançamentos e
as superbactérias proliferam. Especialistas alertam sobre impacto desse descompasso
no tratamento de infecções
Fernanda Aranda – do portal iG de
São Paulo
Produção de antibióticos cai e
superbactérias crescem no mundo
A baixa produção de antibióticos ameaça a humanidade |
Duas velocidades incompatíveis
ameaçam o tratamento mundial de doenças causadas por bactérias. Ao mesmo tempo
em que a indústria farmacêutica do planeta reduziu a produção de novos
antibióticos, os casos de bactérias multirresistentes aos remédios disponíveis
estão em plena aceleração. Os números já alarmaram a Organização Mundial de
Saúde (OMS) que, em relatório divulgado no ano passado, informou: oito das 15
farmacêuticas produtoras de antibióticos perderam o interesse em atuar na
elaboração de fármacos mais potentes. Os dados, publicados em artigo na revista
The Economist, contabilizam o prejuízo. “Entre 1983 e 1992, as agências
reguladoras de novos medicamentos aprovaram 30 drogas do tipo. Desde 2003, no
entanto, apenas sete antibióticos chegaram ao mercado”. Enquanto isso, as
autoridades sanitárias, incluindo a do Brasil, registram o aparecimento veloz
de bactérias causadoras de pneumonias e outras doenças que simplesmente não
reagem às medicações existentes, como os últimos casos registrados em unidades
de terapia intensiva (UTI) de Porto Alegre (Rio Grande do Sul). O ideal, afirmam
os especialistas, seria investir em tratamentos pioneiros para vencer os
agentes bacterianos multirresistentes e que provocam mortes, características de
20, 2% das bactérias que circulam no Brasil , conforme atestou o estudo
internacional chamado Sentry, feito com base em 325 amostras de bactérias do
pneumococo que circulam no País. A falta de novidades terapêuticas impede, no
entanto, este tipo de investida e deixa os médicos com pouca munição para
tratar as doenças bacterianas líderes em causa de internação. Um levantamento
feito pelo iG no banco de dados do Ministério da Saúde indica que são, em
média, 1.300 internações diárias em hospitais públicos acumuladas só por causa
da pneumonia .
Apelo
Com esta realidade clínica, um
grupo de especialistas de diversas nacionalidades, entre eles a médica
brasileira Rosana Richtmann, publicou um apelo na revista médica The Lancet
alertando que “um dos tesouros da medicina” está ameaçado de extinção. “Apelamos
aos nossos colegas em todo o mundo para assumir a responsabilidade para a
proteção desse precioso recurso [os antibióticos]. Não há mais tempo para o
silêncio e a complacência”, diz o manifesto divulgado em 2011. Dois anos se
passaram desde a convocação feita pelo Lancet e o quadro crítico não foi
alterado, lamenta Richtmann, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e do
comitê de Imunização do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de
Imunizações (Sbim). “Acabo de voltar de um congresso na Europa muito preocupada
e desanimada. Não tivemos nenhum lançamento de impacto no cenário dos
antibióticos em 2012”, afirmou ela. “As informações são de que não temos nada
programado para 2013. Assim, ficamos de mão atadas”, completou.
A origem
Marcos Antonio Cyrillo, diretor
da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), pontua os fatores que contribuem
para a letargia industrial na produção de novos antibióticos. Segundo ele, os
medicamentos desta classe são usados por pouco tempo, mas exigem ao menos 10
anos de pesquisa. Diferentemente dos remédios para doenças no coração, que
serão usados a vida toda, eles agem em problemas pontuais, revertidos em poucas
semanas. Além disso, as patentes que regem a exclusividade na produção são
expiradas após cinco anos, o que desestimula o investimento financeiro. Somado
a este contexto, está o mau uso dos antibióticos, tanto por parte dos médicos
quanto da população. Prescrever medicamentos deste tipo para doenças causadas
por vírus ou parar o tratamento antes do prazo acelera o processo que faz a
bactéria virar multirresistente. Isso torna, em poucos anos, o antibiótico
obsoleto. “O poder público, as universidades e as sociedades médicas deveriam
estabelecer programas de cooperação para pesquisa, pois temos os profissionais
capacitados, tecnologia adequada e os pacientes-alvo dos estudos científicos”,
acredita Cyrillo. Sem os novos fármacos e sem a mudança de hábitos por parte da
população – que além da prescrição responsável também exige medidas de higiene,
como lavar as mãos – as bactérias ficarão ainda mais protegidas e os pacientes
cada vez mais vulneráveis.
Novas e velhos
Enquanto novas bactérias só
contam com velhos antibióticos, os médicos recorrem a alquimias, esperando
efeito positivo. “Nestes casos, utilizamos associações de antibióticos,
aumentamos as doses e utilizamos princípios de farmacocinética e
farmacodinâmica”, explica Cyrillo sobre os processos que buscam otimizar doses
e tempo de duração. A esperança para mudar o contexto vem do aperfeiçoamento
das técnicas preventivas às doenças bacterianas, como novas vacinas que impedem
a contaminação por microrganismos bacterianos, transmitidos pelo ar. Segundo os
especialistas, vem também da iniciativa das pessoas de atentarem para a
importância de que lavar as mãos salva vidas e de que o tesouro da medicina
chamado antibiótico precisa ser usado com cautela.