A ex-ministra do Meio Ambiente
deu entrevista ao Bahia Notícias e falou, dentre outras coisas, “O mundo não
precisa de quem é oposição por oposição ou situação por situação.” Veja a
entrevista completa, realizada pelos repórteres José Marques e Juliana Almirante, com edição de Rodrigo Aguiar.
Marina Silva - da #REDE (foto: Bahia Notícias) |
Bahia Notícias - Marina, você
está em uma empreitada para não permitir que o projeto que limita a criação de
novos partidos – na verdade o acesso deles ao fundo partidário e ao tempo de
propaganda – volte a tramitar ou seja discutido. O que você tem feito em
relação a isso? Quais foram os seus últimos passos?
Marina Silva - Nós estamos
aguardando qual será o encaminhamento do Supremo quanto à liminar. Se
porventura a liminar cair e o projeto voltar para o Senado, continuaremos
trabalhando para que esse equívoco seja reparado no Senado. Na primeira
tentativa de votação do governo, havia um claro desconforto de grande parte dos
senadores, da maioria dos senadores, com esse casuísmo. Tanto é que a urgência
foi derrubada naquela primeira votação. Então, o que é a gente espera do Senado
– que é o espaço de maior reflexão e uma Casa revisora – é que ele cumpra esse
papel e não permita um projeto claramente inconstitucional e que fere o
princípio da impessoalidade. Porque é um projeto com caráter personalista, dirigido
a um grupo, uma pessoa. E que o Senado faça essa correção. Se porventura não
fizer – porque há uma pressão desmedida do governo sobre a sua base –
entraremos com uma ação de inconstitucionalidade junto ao Supremo. Temos muita
confiança de que o projeto será derrubado, por inconstitucionalidade clara.
Estão sendo usados dois pesos e duas medidas em uma mesma legislatura,
beneficiando um grupo político da base do governo que não só foi favorecido sem
nenhum óbice no Congresso, como foi ajudado na formação do partido. Foram
criados 101 cargos, 32 cargos só para estruturar a liderança do PSD. E agora um
ministério para o PSD, que é o ministério do homem do muro, o Afif Domingos.
Lembra que ele levantou na campanha do Lula aquela história do Muro de Berlim, que
era para queimar o Lula? Agora, derrubaram o muro que havia entre eles, se é
que havia.
BN - Você acha que o principal
fator que motivou o projeto é a criação da Rede?
MS - Diria que, sem dúvida, a
maior motivação é a criação da Rede. Porque a Rede não é um partido
tradicional, que esteja fazendo abordagem ou assédio a deputados e senadores.
Ao contrário: as pessoas se aproximam e nós sugerimos que elas leiam o
estatuto, manifesto, compreendam primeiro como é o funcionamento da Rede.
Porque, quando a pessoa não tem esse perfil programático, não nos interessa
simplesmente para ter uma quantidade. Estamos preocupados com quantidade e
qualidade em termos políticos. Às vezes, a pessoa é séria, capaz, mas que não
tem identidade com essa questão do partido em rede, o desenvolvimento
sustentável, enfim. Então, é um projeto claramente direcionado à Rede. E eu
digo mesmo. Claro que o governo e o PT sabem que as ideias novas, a palavra
nova, têm força. E hoje nós estamos com 300 mil assinaturas, com três meses de
criação. Para chegar a isso, a maioria dos partidos leva de oito meses a um
ano. E com estruturas muito grandes. Nós temos uma estrutura que começou a ser
criada, de forma ainda muito inicial, a partir do dia 16 de fevereiro. Não
temos máquinas sindicais, estrutura nenhuma. É esse ativismo autoral mesmo.
Temos quase oito mil pessoas inscritas como voluntárias no Brasil coletando
assinaturas. É a força da ideia. Queremos chegar até meados de junho com as 550
mil, se Deus quiser
BN - Já existem números na Bahia?
MS - São dez mil assinaturas.
BN - Na Bahia, quem são as
pessoas que já te procuraram com interesse de ingressar no partido?
MS - Como estamos nessa fase
inicial, temos movimentos da juventude, pessoas que vieram do PV, pessoas que
são ex-PT, ex-PSOL, e sobretudo pessoas que nunca tinham participado de
política: o pessoal do ativismo autoral. Mas temos pessoas de todos os setores.
E como temos essa cultura de rede, para nós não é há um líder, um chefe do
partido. Somos um processo multicêntrico, diria mesmo que temos uma cultura
completamente diferente. Não temos direção e sim colegiado. Não temos
presidente; temos porta-vozes: um homem e uma mulher. E mesmo esses porta-vozes
são giratórios, se revezam. Nos estados, temos os coletivos estaduais e
municipais. Mas vamos criar também os coletivos temáticos. Pode haver um
coletivo para discutir arte, outro para espiritualidade, outro para ciência,
tecnologia, inovação. É uma forma completamente diferente.
BN - Você fala do multicentrismo
que caracterizaria a Rede, mas até hoje ainda tem essa pecha de “partido da
Marina”. Como é possível retirar esse estigma? O partido ainda é muito centrado
em você?
MS - Acho que as pessoas não são
capazes de ver de outra forma. Tem o partido do Lula, do Kassab, de ‘não sei de
quem’, entendeu? Obviamente, a própria mídia fala assim, talvez porque não
queira dizer do Léo, do Pedro Ivo, da Iara... Porque você não conhece a Iara
(risos). Então, as pessoas acabam dizendo isso. Não me preocupa, porque na
prática não é isso. Começamos a discutir a criação do partido em 2011, quando
saí do PV. E eu era contra criar o partido porque achava que deveríamos ficar
apenas na forma de um movimento na sociedade. Contribuindo com a política, mas
sem essa história da política institucional. Só que, no decorrer do processo,
mesmo os que eram contra o partido – que eram mais a juventude e a academia –
foram se convencendo de que não tinha como não dar uma contribuição no espaço
da política institucional. Ainda que a gente seja um movimento em rede, era
preciso criar uma Rede partido. Eu dizia ‘então, vamos deixar isso para depois
das eleições de 2012’. Porque não queria também fazer um partido eleitoral.
Queria um período de debate, uma decantação, para ver o que havia de
programático em tudo isso. Ficamos dois anos nessa forma. Só que, quando
passaram as eleições de 2012, um grupo de pessoas começou a conversar se
haveria uma alternativa política identificada com uma nova visão, novos
processos, com o objetivo de mudar o modelo de desenvolvimento do país, com
esse ideal da sustentabilidade. Depois de muitas conversas com vários setores,
nós fizemos uma reunião em São Paulo, no dia 23 de janeiro, com 76 pessoas. E,
por unanimidade, foi decidido criar o partido. Naquela oportunidade, eu disse
que não tínhamos como fazer isso com 76 pessoas e sugeri que isso fosse aberto
para a sociedade. Algumas pessoas acharam que eu estava dizendo isso porque eu
queria um espaço onde uma maioria dissesse que não era um partido. Fizemos um
processo aberto na internet, se inscreveram mais de 4 mil pessoas, acho que
quase 4,8 mil. Dessas, 1,7 mil foram para Brasília, cada uma pagando sua
passagem, hospedagem e alimentação. Do dia 23 de janeiro a 16 de fevereiro,
houve um encontro maravilhoso. Isso não tem nada a ver com o partido da Marina.
Isso é uma rede mesmo, que tem um novo ativismo, que não é o ativismo dirigido
pelo partido, sindicato ou liderança carismática. As pessoas que foram ali
estão identificadas com a sustentabilidade. Claro que elas me veem como um
símbolo, mas, se você for conversar com essas pessoas, elas têm a sua causa, o
seu compromisso. E é por isso que estão fazendo esse esforço, de ter uma nova
ferramenta, até porque isso não é um fenômeno do Brasil. Isso é um fenômeno do
mundo. Eu estive no Chile recentemente e os jovens que fizeram aquelas
manifestações contras as mudanças no sistema educacional estão em um esforço
também de criar uma ferramenta para além do movimento do processo político. Mas
não da lógica do poder pelo poder. Da lógica de como criar uma cultura política
adequada aos desafios do século 21. Hoje, os partidos tradicionais têm o
monopólio da política e já não há mais espaço para a sociedade. Há uma clara
insatisfação no mundo inteiro, nas democracias ocidentais, com a quantidade e a
qualidade da representação política. Quando essas organizações foram pensadas,
junto com a Revolução Francesa e a Americana, nós tínhamos ali o surgimento da
imprensa, que divulgava as ideias, e 1 bilhão de pessoas no mundo. Foram
instituições tão inovadoras e propulsoras de transformações que nos trouxeram
até aqui. Só que agora está batendo na trave. Porque nós vivemos em outro
ambiente, somos 7 bilhões de pessoas. E temos o surgimento da internet, que
possibilita às pessoas um outro nível de interação, que, queiramos ou não, vai
dispensando os intermediadores da informação e do processo de decisão. E isso é
incompatível com esse monopólio e essa forma verticalizada dos partidos. Essas
transformações estão mudando a ciência, os negócios, a cultura, a
espiritualidade... Por que só a política ia ficar do mesmo jeito? O cacique
dono do partido decide quem são e tal, e o cidadão no lugar de espectador da
política. As pessoas não querem mais ser espectadoras; elas querem ser
protagonistas.
BN - Além da sustentabilidade,
você falou que haverá uma aceitação de pessoas de diversas ideologias. Você já
disse também que a Rede não será de direita ou de esquerda, que ultrapassará
esses conceitos. Eu queria saber qual é o limite de aceitação de pessoas no partido.
MS - O limite é programático,
porque os rótulos não dizem nada. As pessoas podem ter o rótulo de esquerda ou
direita e estarem juntas, misturadas, para ganhar o poder. Quem é que defende a
sustentabilidade? Quem é que defende que aquilo que se diz tem que ser coerente
com o que se faz? Quem se dispõe a juntar os fins e os meios? Por exemplo, nós
estamos dizendo que só serão dados dois mandatos eletivos para parlamentares.
Com raríssimas exceções e plebiscito no partido, é que poderia ser pleiteado um
terceiro mandato. Nós estamos dizendo que haverá um teto para financiamento de
campanha para Pessoa Física e Jurídica enquanto não vem o financiamento
público, que é o que nós defendemos. Nós estamos dizendo que o nosso eixo
programático é o do desenvolvimento sustentável. Aqueles que não concordam com
essas ideias não são compatíveis com o partido. A união na diversidade não
impede que tenhamos um núcleo comum. O núcleo comum faz com que estejamos
juntos. Nisso aqui, nós concordamos. A ética na política é uma condição sine
qua non, não é isso? Não é uma bandeira. Somos um grupo plural em relação ao
conjunto de ideias, mas algumas não são compatíveis com a rede.
BN - Essa sigla formada pela
fusão entre PPS e PMN, o MD, já sinalizou que aceitaria a sua entrada e a
apoiaria politicamente em 2014, caso você não consiga reunir as assinaturas
para oficializar a Rede. Aqui na Bahia, as informações são de que esse novo
partido poderia apoiar também o prefeito ACM Neto, figura ligada ao carlismo.
Como você avalia esse possível apoio? Você se vê talvez no mesmo palanque de
uma pessoa que tem um histórico diferente do seu?
MS - Primeiro, eu não estou
considerando um plano B. Nós temos um plano A e estamos correndo atrás dele. Se
Deus quiser, vamos criar o partido. Há uma solidariedade enorme da sociedade,
estamos trabalhando e rodando o Brasil inteiro. Fui em Belém, Amazonas, Acre,
Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo várias vezes, Rio de Janeiro mais de uma
vez, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná e estou aqui na Bahia. Vamos
viabilizar o partido. E a decisão sobre se teremos ou não candidatura será
colocada no momento certo. Não queremos participar da antecipação das eleições.
Acho interessante o movimento que o PPS está fazendo, de fusão com o PMN,
inclusive na busca de se reciclarem e atualizarem também. Torço para que seja
isso. Em qualquer lugar, nós vamos buscar identidades programáticas, não
eleitorais. Obviamente, você não circunscreve os partidos, até porque eles não
têm essa configuração homogênea no Brasil inteiro. Você tem que olhar as
particularidades regionais. Por exemplo, no Paraná eu apoiei o Cheida, que é do
PMDB. O Cheida não tem nada a ver com o que é hoje o PMDB. O Cheida é um
ambientalista que foi candidato lá em Londrina. Eu o apoiei porque é um
ambientalista histórico. O Pedro Simon é do PMDB. Pelo fato de ele ser do PMDB,
isso não me impede de reconhecer os méritos do Pedro Simon. E o fato de ter uma
pessoa com um perfil conservador na Bahia não vai me fazer deixar de reconhecer
o mérito das contribuições que esse partido possa vir a dar em outros lugares.
Não sei como eles estão fazendo essa discussão dos seus quadros. Para mim, a
renovação passa por identidade programática. Então, não estamos considerando
plano B. Estamos focados em criar o partido.
BN - Imagino que, em 2014, o
casamento gay, a questão LGBT e a descriminalização do aborto serão parte da
agenda, não só eleitoral. Como a Rede discutirá esses temas? Eles serão
levantados?
MS - A Rede vai discutir, com
certeza. Faremos um congresso, provavelmente em setembro de 2014.
BN - Mas a Rede terá uma posição
sobre esses temas?
MS - Bem, aí não sabemos. Vamos
ver o congresso. Há uma diversidade enorme de ideias e de visões de mundo
dentro da Rede, tanto é que o nosso símbolo é exatamente o símbolo da
diversidade: a fita de Möbius. Nós achamos que a união se dá pela diferença. O
fato de um grupo ter uma posição e outro grupo ter outra não nos impede de
estar juntos para objetivos com os quais concordamos. Na discussão do
congresso, em 2014, todos os temas irão aparecer. E é legítimo que eles
apareçam. Nesse momento, não temos ainda um programa. Qualquer partido sério e
democrático é iniciado com um manifesto programático, estatuto provisório, faz
o debate e depois assimila essas posições em um congresso. Agora, uma coisa já
está no nosso estatuto, que são as cláusulas de consciência. Se alguém se sente
impedido em algum tema por questão de consciência, ele terá o direito de se
resguardar nessas cláusulas de consciência. Isso é válido para questões
filosóficas, espirituais, enfim, em que alguém porventura se sinta impedido. E
é a natureza de um partido democrático, que sabe lidar com essa diversidade,
com a união na diferença. Um posicionamento que tem sido colocado é o seguinte:
nós somos defensores do Estado laico. O Estado Laico não é Estado ateu. Muita
gente confunde. O Estado laico é para defender o direito de quem crê e de quem
não crê. Do ponto de vista do Estado laico, há que se respeitar as liberdades
individuais, os direitos das pessoas. Isso é algo que temos como o princípio
inicial da Rede.
BN - Houve um projeto aqui em
Salvador que pretendia proibir o sacrifício de animais em cultos religiosos.
Houve uma grande polêmica, várias entidades se manifestaram contrárias. Qual é
a sua opinião?
MS - Realmente, é uma questão
muito complexa. Eu não tinha parado para pensar, não tinha o conhecimento do
projeto. Há pessoas que defendem a vida de uma forma incondicional, que
defendem os direitos dos animais. Por outro lado, há também pessoas com
posicionamentos mais filosóficos de defender a vida com radicalidade. Como isso
é compatível com a liberdade religiosa, por exemplo? É uma boa discussão a ser
feita. Obviamente, qualquer atitude deve respeitar a dignidade da pessoa humana
e das outras formas de existência. Eu não conheço o projeto. Mas há aí um nível
de complexidade: há pessoas que defendem incondicionalmente a vida. Como é que
a liberdade religiosa se relaciona com a dignidade da vida? Essas questões não
são tão reducionistas como alguns pensam. Que é só botar um rótulo e está
resolvido. O importante é que se possa promover um debate que não vire um
embate, apenas uma rotulação. Eu, por exemplo, defendi um plebiscito para a
questão do aborto porque acho um tema complexo. Não é apenas por uma questão
religiosa, ainda que eu seja uma pessoa que tem fé e da Assembleia de Deus. Mas
existem pessoas que não têm fé nenhuma e são radicalmente a favor da vida. Acho
que a melhor forma seria um debate na sociedade. Para que a gente possa
discutir todos os aspectos envolvidos: econômico, social, de saúde pública, de
defesa da vida. Aspectos filosóficos, espirituais, éticos, morais. Mas um
debate, e não um embate. Eu não usei em hipótese alguma essas bandeiras na
campanha de 2010. Ninguém me viu fazendo perguntas para a Dilma, porque me
parece que o PT defende o aborto. Ninguém me viu criando nenhum tipo de constrangimento
para a Dilma, o Serra, sobre esses temas. Porque eu acho que é uma
instrumentalização de algo muito profundo. Ninguém faz aborto porque quer fazer
aborto, ou pelo menos 99,9% das pessoas. São experiências muito traumáticas.
Como é que você encara isso em um debate sério, efetivamente, com todas as
nuances que tem um tema delicado como esse, sem satanizar quem é a favor e quem
tem um posicionamento contra? É a mesma coisa com a descriminalização das
drogas. O presidente Fernando Henrique tem uma posição favorável. Como é que se
faz o debate sem rotular as pessoas de forma utilitarista em relação a isso?
Qual é o melhor caminho para se diminuir a violência, o tráfico, as pessoas
acometidas por questão de dependência? Todas essas são questões importantes. Eu
defendi um plebiscito para isso também. Todavia, não é verdade que eu tenha
defendido um plebiscito para o casamento gay. Ninguém vai encontrar em lugar
nenhum que eu tenha defendido. Mesmo quando isso me foi atribuído, imagino que
foi um equívoco de quem me atribuiu.
BN - Eu cheguei a ler em algumas
entrevistas suas que você não assume uma posição de esquerda ou direita. Eu
queria que você explicasse isso, para que ficasse claro. Qual é a posição da
Rede?
MS - É isso aí. Nós somos
sustentabilistas. E a sustentabilidade não é apenas uma maneira de fazer as
coisas; é uma maneira de ser. Uma visão de mundo, um ideal de vida. Se o século
passado criou os conceitos do século passado, com certeza esse novo tempo, com
crise econômica, social, política e de valores – eu diria uma crise
civilizacional – está exigindo de nós algo muito mais complexo do que a
dualidade opositiva: esquerda e direita, quente e frio, bonito e feio. Hoje, a
gente vive o mundo dos paradoxos. E talvez a ideia da sustentabilidade seja a
forma de lidar com esses paradoxos. Como as novas utopias, inclusive deste
início de século. Obviamente, há um uso inadequado de dizer que a gente está à
frente. Eu considero mesmo que a sustentabilidade está à frente. A experiência
socialista no mundo causou a degradação ambiental no mesmo nível que a
experiência capitalista. Então, a sustentabilidade está à frente destes dois
modelos igualmente insustentáveis do ponto de vista do equilíbrio do planeta.
Está à frente também porque questiona a maneira inadequada de fazer, de
produzir, de consumir. Mas questiona sobretudo a maneira inadequada de ser. Não
basta questionar a maneira inadequada de fazer as coisas. É preciso questionar
a nossa forma inadequada de ser. Nós fomos sequestrados pelo ideal do fazer e
do ter. A humanidade foi sequestrada por isso: por uma cultura produtivista,
por uma visão consumista. Isso tem um nível de radicalide que nem a esquerda, a
direita ou o centro até hoje colocaram. Mas os sustentabilistas colocam isso.
Há limites para todas as pessoas terem um carro. Mas não há limites para ser o
melhor jornalista, político, jogador de futebol. Há limites para ter; não há
limites para ser. É preciso fazer um deslocamento muito grande em relação à
nossa forma de nos sentir produtivos, criativos, livres. É preciso fazer um
deslocamento em relação à nossa forma de nos sentirmos felizes, à forma de nos
relacionar uns com os outros e com a natureza. Quem quer nos enquadrar nos
rótulos está dizendo: ‘sejam mais do mesmo’. E nós não somos mais do mesmo.
Agora, isso não dá o direito a ninguém de achar que...enfim, aí não tem saída.
Porque se você diz que você é outra coisa e se você não é o que acham que
existe e que é o fim da história, então você é o quê? Nós somos
sustentabilistas. É uma palavra nova. Assim como esquerda e direita foram
palavras novas na Revolução Francesa. Porque elas não existiam antes. Quem
sentava do lado do rei era a direita. Quem sentava do outro lado não era. Olha
como as coisas começaram. E virou um dogma: ou você está dentro ou não existe.
Em relação à oposição e situação, o que eu disse é que a gente não era oposição
por oposição e nem situação por situação. Obviamente, a frase foi cortada antes
da explicação. Mas vocês tem todo o tempo para colocar a frase inteira. Porque
oposição por oposição só vê defeitos. Usa os defeitos porque acha que assim vai
ganhar o poder. E a situação só vê qualidades. Acha que, só vendo as
qualidades, ficará infinitamente no poder. O mundo não precisa de quem é
oposição por oposição ou situação por situação. O mundo precisa de quem tem
posição. Qual é a posição em relação à educação no Brasil? Qual é a posição em
relação a mudar o Código Florestal para destruir as nossas florestas? Qual é a
posição quando os nossos índios estão aí sendo aviltados? Agora, têm que
submeter a criação das suas terras ao crivo da Embrapa. Qual é a posição sobre
isso? Se a posição do governo for de não permitir essa atrocidade, o meu
posicionamento é favorável. Não tenho nenhum problema com isso. Aliás, isso não
é de agora. Quando o Fernando Henrique era presidente da República, eu estava
no PT – partido claramente de oposição – e eu votei na CPMF. Com orientação
contrária do PT. Porque o Adib Jatene foi no Senado, fez uma brilhante
exposição e me convenceu. A mim e ao Suplicy. E nós votamos. Eu não sou
oposição por oposição. Eu assumo posição. E o que é justo e correto eu vou
fazer. Quando o senador Antônio Carlos Magalhães propôs a comissão de combate à
pobreza, eu me posicionei a favor. E paguei um preço alto por isso. Mas propus
a comissão nacional de combate à pobreza. Visitamos as experiências mais
difíceis deste país, consultamos os melhores especialistas. E dali veio o
embrião dos programas de transferência direta de renda, que hoje são um
sucesso. E não é porque eu estou em outro partido que eu vou desconhecer a
importância dos programas sociais que começaram e estão aí no governo do PT.
Que tiraram 30 milhões de pessoas da pobreza. Isso é algo que tem que ser
preservado e transitar agora para um programa social de terceira geração, para
a inclusão produtiva das pessoas. A oposição por oposição só vê defeitos, mesmo
quando os ganhos saltam às vistas. Agora, a situação por situação só vê
qualidades, mesmo quando os defeitos saltam às vistas. Como é o caso do Código
Florestal ou dessa atitude de querer tirar as competências do Ministério
Público, querer passar por cima das decisões do Supremo e querer ferir o
pluripartidarismo. Eu fico muito feliz que o Jorge Viana, o Paim e o Suplicy
mantiveram a coerência. Não é porque você é do governo que você tem que dizer
amém para tudo. Eu saí do governo como ministra exatamente por isso.