Unidos no apoio ao governo
federal, PT e PMDB abusam do “fogo amigo” no Rio de Janeiro. ÉPOCA obteve
documentos inéditos com denúncias de pagamento de propina a Lindbergh Farias,
pré-candidato petista ao governo do Estado, e a empresas de sua família
HUDSON CORRÊA – da revista ÉPOCA
GUERRA...
O senador Lindbergh Farias. “O que fizeram comigo foi uma violência,
uma covardia. Quebraram o sigilo de toda a minha família”
(Foto: Fernando Young Brasileiro)
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O plenário do Congresso Nacional
estava lotado no começo da noite do dia 6 de março. Esbarrando em colegas, o
senador Lindbergh Farias, do PT do Rio de Janeiro, passou pelo deputado Pedro
Paulo (PMDB-RJ) e, dedo em riste, falou alto: “Vou brigar com os grandes. Não
tenho medo das máquinas do governo e da prefeitura”. Lindbergh tem motivos para
se revoltar contra o PMDB, principal partido aliado do governo Dilma Rousseff e
sigla que controla a prefeitura da capital e o governo do Rio. Desde que se
lançou pré-candidato a governador do Estado, no final do ano passado, Lindbergh
vinha sendo alvo do “fogo amigo” do PMDB – cujo objetivo é fazer do atual
vice-governador, Luiz Fernando Pezão, o sucessor de Sérgio Cabral. Agora a
briga esquentou, e os golpes verbais deram lugar aos dossiês. Desta vez, os
documentos divulgados não são vazios, como costuma acontecer com a maioria dos
dossiês que circulam nas campanhas. A partir de material obtido com o PMDB,
ÉPOCA fez seu próprio levantamento e obteve uma série de documentos com
denúncias contra Lindbergh. Os papéis constam de um inquérito a que Lindbergh
responde no Supremo Tribunal Federal, com acusações de corrupção, formação de
quadrilha e lavagem de dinheiro – relativas ao período em que foi prefeito de Nova
Iguaçu, entre 2005 e 2010.
A base da investigação são dois
depoimentos prestados ao Ministério Público Estadual (MPE) pela ex-chefe de
gabinete da Secretaria de Finanças de Nova Iguaçu Elza Elena Barbosa Araújo.
ÉPOCA obteve cópias das declarações, prestadas em fevereiro de 2007 e até aqui
mantidas sob sigilo. Elza disse que, logo no início do mandato de prefeito, em
2005, Lindbergh montou um esquema de captação de propina entre empresas
contratadas pelo município. O valor podia chegar a R$ 500 mil por contrato. O
dinheiro sujo, segundo Elza, chegava à sala da secretaria em bolsas e maletas
trazidas por empresários. Depois as quantias eram usadas, conforme ela disse,
para quitar despesas pessoais de Lindbergh.
Segundo os depoimentos, o esquema
ainda bancava as prestações de um apartamento da mãe de Lindbergh, Ana Maria,
num edifício em Brasília. Elza relatou que numa das ocasiões, em 11 de julho de
2005, ela saiu da prefeitura com R$ 15 mil em dinheiro para pagar uma das
prestações do imóvel. Sobraram R$ 4.380, que Elza disse ter depositado na conta
de Lindbergh. Ela também afirmou que a propina abastecia a conta da empresa
Bougainville Urbanismo, que pertence a Carlos Frederico Farias, irmão de
Lindbergh que mora na Paraíba, terra natal de Lindbergh. A empresa recebeu,
ainda conforme a acusação, quatro depósitos que totalizaram R$ 250 mil.
...É GUERRA
Jorge Picciani, presidente do PMDB no Rio de Janeiro. “O Lindbergh destruiu Nova Iguaçu”
(Foto: Luis Alvarenga/Extra/Agência O GLOBO)
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O MPE considerou os depoimentos
“homogêneos e ricos em detalhes”. Os procuradores disseram que receberam
documentos de Elza, incluindo uma planilha, chamada “pendências para Chico”,
uma referência ao nome do então secretário de Finanças de Nova Iguaçu,
Francisco José de Souza. A lista traz “diversos números de contas bancárias,
valores de dívidas e pagamentos que deveriam ser efetuados por Chico em favor
do prefeito e seus familiares”, diz o MPE. Com base no material, os
procuradores abriram uma investigação e pediram, em julho de 2008, a quebra de
sigilo bancário e fiscal de Lindbergh, sua mulher, sua mãe, dois irmãos e sete
empresas da família, incluindo a Bougainville.
O Tribunal de Justiça (TJ)
autorizou a quebra de sigilos relativa ao período de junho de 2004 a junho de
2008. Exatamente um ano depois, em 2009, o TJ estendeu a medida aos cartões de
crédito e aplicações em Bolsas de Valores. ÉPOCA obteve cópias das duas
decisões relativas às quebras de sigilo, que também permaneciam inéditas. De
acordo com o desembargador Alexandre Varella, os extratos dão sustentação às
acusações de Elza. Varella afirmou que o pedido do MPE não tinha como base
apenas os depoimentos da ex-funcionária. “Foram inquiridas testemunhas que
confirmaram a presença de pessoas por ela mencionadas na referida prefeitura”,
como os portadores de malas com dinheiro.
Outra decisão judicial revelou
indícios de corrupção em contratos de pelo menos uma empresa. Elza dissera que
a 7R Comércio de Materiais de Escritório, detentora de cinco contratos com a
prefeitura que somavam R$ 1,1 milhão, recebia pagamentos, mas não entregava as
mercadorias, entre elas o gás de cozinha para preparar merenda escolar.
Segundo ela, a empresa era ligada
a Fausto Severo Trindade, ex-secretário de Planejamento e atual assessor de
Lindbergh. Ao estender a quebra de sigilo aos cartões de crédito de Lindbergh,
o desembargador Nildson Araújo da Cruz destacou que a 7R “não tinha qualquer
empregado, só vivia de celebrar contratos com o município de Nova Iguaçu e,
além de não ter outros clientes, não tinha autorização para vender gás”. Quem
entregava os botijões era outro fornecedor, mas a emissão da nota fiscal era
feita em nome da 7R. Pelo relato do desembargador Cruz, a 7R aparentava ser uma
empresa-fantasma.
A 7R foi aberta em setembro de
2005, com endereço na periferia de Niterói. Dois meses depois de sua criação,
já assinava seu primeiro contrato com o município de Nova Iguaçu, no valor de
R$ 530 mil, para fornecer gás a preços superfaturados, segundo uma auditoria do
Tribunal de Contas do Estado. A 7R encerrou as atividades em junho de 2008, com
a investigação do MPE já em curso. O material da quebra de sigilo, entre
extratos de bancos e declarações de Imposto de Renda, está em 35 volumes, tem 7
mil páginas e chegou ao STF no fim de 2011. Em fevereiro de 2012, o ministro
Gilmar Mendes decidiu que a legalidade das provas até agora produzidas será
analisada pelo Supremo.
Os peemedebistas compilaram
outras acusações contra Lindbergh. Documentos destacam que a Vitrine
Empreendimentos, cujo sigilo foi quebrado, conseguiu do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social um financiamento de R$ 10 milhões para a
construção de um hotel em Natal. A empresa, a exemplo da Bougainville, pertence
a Carlos Frederico, irmão de Lindbergh. O dinheiro saiu em 22 de novembro de
2011. Duas semanas antes, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, participara
de uma audiência no Senado convocada a pedido de Lindbergh para discutir a política
industrial do banco.
Lindbergh reagiu aos ataques do
PMDB. “Ao contrário deles, não sou patrimonialista. Não tenho mansão
incompatível com meus rendimentos. Se eles pensam que vão me intimidar com
dossiê, estão enganados. Vou ser candidato com tudo aberto, minhas contas, meu
patrimônio. Resta saber se eles podem fazer o mesmo”, disse Lindbergh.
Indiretamente, ele se refere ao governador Sérgio Cabral, principal líder do
PMDB no Estado e dono de uma casa em Mangaratiba, na Costa Verde fluminense, avaliada
em R$ 1,5 milhão. Cabral nega qualquer irregularidade na compra do imóvel, que
declarou à Justiça Eleitoral por R$ 200 mil. “O que fizeram comigo foi uma
violência, uma covardia”, afirma Lindbergh. “Quebraram o sigilo de toda a minha
família e até de meu pai, morto há mais de 17 anos. Fizeram uma devassa em
minha vida e de minha família. Não vai aparecer nada.” Ele disse que ofereceu a
abertura de seus sigilos em 2009, mas que, na época, a Justiça já tomara a
decisão de quebrá-los.
Os advogados de Lindbergh
disseram que o apartamento em Brasília citado por Elza chegou a ser de
propriedade da mãe de Lindbergh – mas, na época dos pagamentos relatados, o
imóvel pertencia a Francisco José de Souza, então secretário de Finanças de
Nova Iguaçu. Os defensores negam qualquer esquema de corrupção, repasse de
dinheiro às empresas da família e dizem que a 7R prestou todos os serviços
contratados.
Procurado por ÉPOCA, Carlos
Frederico, irmão de Lindbergh e sócio da Bougainville e da Vitrine
Empreendimentos, disse que a Bougainville jamais recebeu dinheiro público. “A
acusação é mentirosa. Nunca tive qualquer relação com a prefeitura de Nova
Iguaçu”, afirmou. A Vitrine Empreendimentos, segundo ele, obteve legalmente
créditos no BNDES. O banco informou que o pedido de financiamento foi feito em
julho de 2010 e “submetido aos trâmites usuais do BNDES, obedecendo a um
processo rigoroso que passa por órgãos colegiados”. Também disse que a
liberação dos recursos não guarda relação com a audiência no Senado, convocada
também por outros cinco senadores, além de Lindbergh.
O lado peemedebista parece que
não dará trégua ao desafeto petista. O presidente do partido no Rio, Jorge
Picciani, dá o tom da agressividade. Em entrevista à imprensa no fim do mês
passado, ele chamou Lindbergh de covarde, moleque e carreirista. Disse ainda
que ele “destruiu Nova Iguaçu”. Lindbergh já decidiu que partirá para o
contra-ataque. A guerra já começou – e começou para valer.