O Corolla, apesar de fabricado
no Brasil custa R$ 65 mil, na versão inicial. Nos Estados Unidos sai por US$ 16
mil (pouco mais de R$ 32 mil)
Priscila Chammas – do CORREIO
Um jornalista americano causou
polêmica ontem ao publicar um artigo ironizando os preços dos carros no Brasil.
A má notícia é que ele está coberto de razão e os brasileiros terão que engolir
a chacota a seco. “Alguém pode imaginar que pagar US$ 80 mil por um Jeep Grand
Cherokee significa que ele vem equipado com rodas folheadas a ouro e asas. Mas,
no Brasil, esse é o preço de um básico”, escreve o jornalista Kenneth Rapoza,
da versão on line da revista americana Forbes. Rapoza centrou suas críticas nos
carros do grupo Chrysler, mas a regra é a mesma para todos os modelos
importados. Isso porque o Brasil tem uma das maiores taxas de importação do
mundo: 35%, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas Importadoras de
Veículos Automotores (Abeiva).
Vizinho
Segundo a associação, o nosso
vizinho Chile tem muito a nos ensinar. É um dos melhores países do mundo para a
importação de carros. Isso porque o país optou por não ter fábricas de veículos
e, por isso, incentiva a importação. O resultado é que o mesmo Ecosport que o
brasileiro compra por R$ 53.500, o chileno leva para casa por R$ 27.200, preço
de um Gol no Brasil. Através de sua assessoria de imprensa, a Abeiva detalha o
caminho de um carro importado até chegar nas mãos do consumidor brasileiro.
Imagine um veículo que sai da fábrica por US$ 10 mil. Para vir ao Brasil, a
montadora precisa pagar o frete e um seguro: média de US$ 1 mil. Ao desembarcar
no Brasil, o veículo precisa ser nacionalizado, ou seja, paga-se 35% sobre o
valor que já está em US$ 11 mil: US$
14.850 (quase R$ 30 mil). Pronto. Agora ele é um carro ‘nacional’ e - olha que
fantástico! - pode começar a pagar impostos como se tivesse nascido no Brasil.
Leia-se aí IPI, ICMS, PIS/Cofins, etc. O resultado dessa conta você já conhece,
mas, se tiver alguma dúvida, dê uma olhada na página ao lado. Lá você vai
reparar que o mesmo Ford Fusion que é vendido nos Estados Unidos por US$ 20 mil
(pouco mais de R$ 40 mil) chega para os brasileiros por mais que o dobro do
preço: R$ 84 mil, considerando a versão de entrada. E olhe que o carro é
fabricado no México, ou seja, o mercado americano também paga frete e taxas de
importação. Isso significa que um carro considerado de luxo no Brasil tem uma
conotação bem diferente no exterior: não precisa ser de classe média alta para
ter um Civic ou um Corolla, por exemplo. Este último foi a escolha do corretor
de imóveis Paulo Sérgio Pereira. Ele foi ontem à concessionária Guebor e desembolsou
R$ 72 mil pela versão XEI do carro da
Toyota. Saiu comemorando o desconto de R$ 6 mil da redução do IPI (que é zero
só para carros populares, mas algumas montadoras reduziram a margem de lucro e
também dão o desconto). Ele nem se abalou quando foi lembrado que, se morasse
fora, estaria pagando bem menos pelo mesmo produto. “No Brasil, tudo é mais
caro, mas vale a pena investir em itens de conforto. Os carros nacionais não
oferecem os acessórios dos carros de luxo. Faço questão do airbag, dos freios
ABS e do acabamento que os carros nacionais deixam a desejar”. O gerente da
Guebor, Edson Moreno, conta que o Corolla é o carro mais vendido da montadora
no mundo inteiro. “Na Bahia, são mais de 300 por mês”, estima. E justifica a
diferença de preço pela “alta carga tributária do nosso país”. O carro, apesar
de fabricado no Brasil (somente algumas peças são importadas), custa R$ 65 mil,
na versão inicial. Nos Estados Unidos sai por US$ 16 mil (pouco mais de R$ 32
mil). Editor do caderno Autos do CORREIO, o jornalista Antônio Meira Jr.
entende do assunto. Ele lembra que no Brasil consideramos acessórios de luxo
itens que no exterior são de segurança e
obrigatórios. Como exemplo, ele cita o air bag e o controle de estabilidade. E
não coloca toda a culpa nos impostos. Ele diz que também há um abuso dos
fabricantes, que jogam os preços para cima porque encontram mercado.
Artigo provoca revolta
“Jeep Grand Cherokee brasileiro
de ridículos US$ 80 mil”, esse é o título, traduzido ao pé da letra, do artigo
do jornalista americano Kenneth Rapoza, publicado na versão on line da revista
Forbes. Além da Cherokee, ele fala do Dodge Durango, que só deve ser mostrado
no Salão do Automóvel de São Paulo em outubro, mas que, segundo o jornalista,
chegará ao Brasil por R$ 190 mil. Já nos Estados Unidos, custa US$ 28,5 mil (em
torno de R$ 57 mil). O texto, recheado de muita ironia, critica o fato de os
brasileiros confundirem preço alto com qualidade e de atribuírem status a
qualquer coisa que seja cara. “Desculpem, Brazukas”, escreve Rapoza. “Não há
status em comprar Toyota Corolla, Honda Civic, Jeep Cherokee ou Dodge Durango;
não se deixe enganar pelo preço cobrado”. diz. Depois, ele lembra que nos
Estados Unidos um professor de escola primária pública pode comprar um Grand
Cherokee pouco rodado, enquanto no Brasil poucas pessoas podem ter o
privilégio. Por lá, carros como Civic e Corolla são considerados baratos,
populares. Na página da Forbes onde o artigo foi publicado, centenas de
leitores, muitos deles brasileiros, fizeram comentários indignados. “Isso se
chama simplesmente corrupção”, disse o usuário André Oliveira. Outro leitor,
Henrique Plácido falou de margens de lucro das montadoras, “que são maiores que
no resto do mundo”. Rapoza fez questão de responder a quase todos os
comentários. O jornalista faz coberturas sobre os países do BRIC (Brasil,
Rússia, Índia e China) para a Forbes. Nos últimos cinco anos, trabalhou como
correspondente aqui para o Wall Street Journal e a agência Dow Jones, mas agora
está em Nova York.
Popular também é caro
Não são só os carros luxuosos
que são afetados com os altos preços do mercado automotivo brasileiro. Veículos
populares também têm preços exorbitantes, se comparados com o mercado
internacional. Pela mesma quantia que você compra um Novo Uno por aqui (cerca
de R$ 30 mil), um Honda Civic poderia estar na sua garagem, se você morasse na
Europa. E o que acha de trocar um Palio por um Hyundai i30? Os dois custam os
mesmos US$ 18 mil (R$ 36 mil). Correção: o i30 custa um pouco menos. Só que,
para adquiri-lo por esse preço, você teria que viver na Europa. E o que você
acha de um carro que é fabricado no Brasil, mas os mexicanos compram mais
barato que os brasileiros? Esse é o caso
do Novo Gol 1.6, que no mercado brasileiro é vendido a quase R$ 32 mil. Quando
é importado para o México, no entanto, o mesmo veículo chega naquele país por
módicos R$ 20 mil. Mágica? É que a carga tributária no país vizinho é
infinitamente menor que a brasileira. O suficiente para cobrir os custos de
importação e ainda sobrar muito. Além do mais, um Gol de R$ 32 mil não teria
espaço no mercado mexicano.
É caro, e o brasileiro paga
assim mesmo
Antônio Meira Jr.*
No Brasil, um carro não vale o
que ele custa, e sim o que o mercado paga. Não só os Honda Civic e Toyota
Corolla, citados pelo artigo da Forbes que ironizou os brasileiros, estão com
valores acima da realidade. Exemplo recente de ajuste de equipamentos foi
causado pela ofensiva da JAC Motors. A fabricante chinesa trouxe para o país um
hatch médio com motor 1.4 e equipamentos como ar-condicionado, direção
hidráulica, airbag duplo e freios com sistema antitravamento (ABS) por um valor
cobrado por compactos com motor 1.0, além de garantia de seis anos. Só depois
desse ‘efeito JAC’ que as marcas instaladas no Brasil começaram a oferecer seus
produtos com valor menor, com mais itens de série e garantia maior. Logo
depois, outro choque para os fabricantes nacionais: a Nissan começou a trazer o
March do México e o veículo caiu no gosto. Com plataforma moderna e bem
equipada, o carrinho foi a gota d'água para uma crise. Para o consumidor, fica
uma pergunta: como um veículo produzido na China ou no México custa menos que
similares produzidos aqui? Exemplos não faltam. A Hyundai foi uma das que
sofreram por oferecer ao brasileiro produtos modernos com custo menor. O i30
vem da Coreia do Sul e chega com preços competitivos frente aos brasileiros
Fiat Bravo, produzido em Minas Gerais, ou Volkswagen Golf, fabricado no Paraná.
É estranho, mas o brasileiro aceita pagar caro pelo produto nacional. A moda
agora é carro de cor branca. Sabendo disso, o vendedor diz: “Só tenho um
branco”. Cobra mais caro e o consumidor termina pagando mais. Algumas coisas
são bizarras. Uma antiga lei determina o uso do extintor a bordo de cada carro
ou utilitário vendido no Brasil. Item que não é obrigatório nem na Europa nem
nos EUA. É só andar com ele vencido que uma multa é aplicada. Bom para quem
vende extintor. Outro ponto: os veículos fabricados no Brasil são
comercializados a preços mais baixos nos países para os quais eles são
exportados. O Honda Civic, produzido em Sumaré, interior de São Paulo, que
custa R$ 66.010 (LXS), é exportado para a Argentina e lá custa o equivalente a
R$ 57.279. E o baiano Ford EcoSport custa em Santiago do Chile R$ 33 mil, ou
seja, R$ 20 mil a menos que aqui em Salvador, ao lado da fábrica.Por fim, os
Jeep - como o Grand Cherokee, citado pela Forbes - produzidos pela Chrysler, lá
nos Estados Unidos, são muito mais bem equipados e tecnológicos que os
festejados Toyota Hilux SW4 que vêm da Argentina, não pagam impostos de
importação e chegam aqui custando R$ 170 mil.
* jornalista, editor do caderno
Autos, do CORREIO