Episódio mostra como insistem
em roubar o dinheiro público. Publicações em jornal e site anteciparam
resultado de licitação de R$ 1,47 bilhão em Cuiabá
Vinícius Segalla - do UOL, em Cuiabá (MT) e em São
Paulo*
A licitação para definir o
consórcio construtor do VLT de Cuiabá, atualmente orçado em R$ 1,47 bilhão,
tinha o seu vencedor conhecido pelo menos um mês antes da entrega das propostas
dos consórcios concorrentes e da abertura dos envelopes. No dia 18 de abril
deste ano, uma mensagem cifrada publicada no jornal Diário de Cuiabá revelou
que o Consórcio VLT Cuiabá, formado pelas empresas Santa Bárbara, CR Almeida,
CAF Brasil Indústria e Comércio, Magna Engenharia Ltda e Astep Engenharia Ltda,
sairia vencedor do certame. O MP-MT (Ministério Público de Mato Grosso) foi
informado sobre a mensagem e como decifrá-la.
A abertura dos envelopes foi realizada no dia 15 de maio, confirmando o
resultado.
"PAGARAM R$ 80 MI EM
PROPINA PARA VENCER A LICITAÇÃO", DIZ ASSESSOR DO GOVERNO DO MT
O mineiro Rowles Magalhães
Pereira da Silva, atualmente exercendo o cargo comissionado de assessor
especial da vice governadoria do Estado de Mato Grosso, afirmou ao UOL Esporte
que há uma série de irregularidades no processo de licitação para a construção
do VLT). O UOL Esporte também havia tomado conhecimento da informação semanas
antes do evento. Em 22 de abril, Rowles Magalhães Pereira da Silva, assessor
especial do vice-governador do Estado de Mato Grosso, adiantou que o consórcio
VLT Cuiabá venceria a licitação. Rowles afirma ainda que integrantes do governo
estadual receberam uma propina da ordem de R$ 80 milhões para viabilizar o
negócio, e que o acerto para determinar o vencedor fora articulado entre os
três consórcios primeiros colocados na concorrência. Na última segunda-feira, o
MP-MT informou à reportagem que recebera a informação de que a licitação havia
sido dirigida. Um denunciante, que tem seu nome mantido sob sigilo pelos
promotores, revelou a publicação de uma mensagem cifrada na sessão de
classificados do jornal Diário de Cuiabá no dia 18 de abril. O anúncio
informava: “Vende-se terreno. Na avenida da Feb, entre as ruas Carlos Roberto
Almeida e Santa Bárbara. Em frente ao local vai passar o VLT. CAF. (65)
9001-2012”. A avenida da Feb é uma das principais vias por onde passará o VLT,
na cidade de Várzea Grande, na região metropolitana de Cuiabá. Já as ruas
Carlos Roberto Almeida e Santa Bárbara não existem, e seriam uma indicação das
duas empreiteiras que integram o consórcio vencedor (CR Almeida e Santa
Bárbara). A palavra CAF, que não tem função nenhuma no anúncio publicado, é o
nome da empresa construtora de trens que integra o consórcio vencedor. Por fim,
o número de celular, que também não existe, é um indicativo do número da
licitação, sem o algarismo nove: 001-2012. O MP-MT afirma estar investigando o
caso, junto com outros elementos que indicariam o possível arranjo entre os
concorrentes da licitação.
O assessor especial do governo
e a montagem da licitação
Antes de ser nomeado assessor
especial do governo, Rowles Magalhães Pereira da Silva representava o fundo de
investimentos Infinity, que doou ao Estado de Mato Grosso o estudo de
viabilidade utilizado para montar o edital de licitação da obra. O Infinity adquiriu
o estudo junto à empresa estatal portuguesa Ferconsult, que projeta e executa
obras de transporte sobre trilhos. Rowles afirma ter sido traído por membros do
governo de Mato Grosso, pois teria feito a doação do estudo sob a condição de
que a estatal portuguesa participasse da construção, o que acabou por não
acontecer. Em junho de 2011, o fundo de investimentos representado por Rowles
Magalhães Pereira da Silva doa um estudo sobre o VLT de R$ 14 milhões ao
governo de Mato Grosso. Segundo ele, o combinado seria que, em troca, o fundo
participaria da construção da obra. O documento, intitulado “projeto básico de
viabilidade técnica e financeira”, projetava uma obra inicialmente orçada em R$
700 milhões. Considerando este valor, o estudo doado por Rowles ao governo de
Mato Grosso custa cerca de R$ 14 milhões, ou 2% do valor total do
empreendimento, custo médio deste tipo de documento técnico, de acordo com o
Sinaenco (Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia
Consultiva). O acerto entre Infinity, Ferconsult e governo de Mato Grosso teria
sido costurado em uma viagem ocorrida em maio de 2011, quase um ano antes de
Rowles ser nomeado assessor especial do governo. Uma comitiva do governo de
Mato Grosso foi à cidade do Porto (Portugal) conhecer o sistema de VLT do
município. O governador Silval Barbosa e o presidente da Assembleia Legislativa
de Mato Grosso, deputado José Riva (PSD), eram alguns dos membros da comitiva,
que também incluiu Rowles Magalhães Pereira da Silva, então representante do
Infinity. Cerca de um mês depois, no dia 17 de junho, o fundo de investimentos
doou o estudo de R$ 14 milhões ao governo de Mato Grosso. De acordo com o
assessor especial do vice-governador, o combinado era que a obra fosse
executada por meio de uma PPP (parceria público-privada), em que a estatal
portuguesa faria parte do grupo construtor. O que ocorreu, porém, foi um
processo de licitação, cujo edital fora publicado no dia 6 de março deste ano,
em que a Ferconsult não participou. Segundo Rowles, como o estudo de
viabilidade da estatal fora utilizado no edital, sua participação no certame
seria contestada na Justiça pelos concorrentes, que poderiam alegar que a
empresa atuava de posse de informações privilegiadas, já que o projeto colocado
sob licitação era montado com base em material produzido pela Ferconsult. Contrariado
em seu interesse principal, Rowles passou a fazer lobby para que o consórcio
liderado pela empreiteira Mendes Júnior saísse vitorioso do processo. Enquanto
o processo licitatório corria, Rowles foi nomeado, no dia 2 de abril, “para
exercer o cargo em comissão de Direção Geral e Assessoramento, nível DGA-4, de
Assessor Especial II, do gabinete do Vice Governador”. Em abril deste ano,
Rowles Magalhães Pereira da Silva é nomeado assessor especial do vice
governador de Mato Grosso, Chico Daltro. Menos de três semanas depois, ele foi
enviado a Londres "com a finalidade de participar de reunião preparatória
de futura missão de negócios" No dia 22 de abril de 2012, após, segundo
afirma, ter perdido sua segunda batalha interna no governo, Rowles
procurou o UOL Esporte e afirmou que o
consórcio VLT Cuiabá seria o vencedor da licitação. No dia seguinte, o blog
“Prosa e Política”, da jornalista Adriana Vandoni, publicou a informação,
fornecida pela reportagem do portal. No dia 22 de maio deste ano, o resultado
final da concorrência, divulgado pelo governo de Mato Grosso uma semana após a
abertura dos envelopes, confirmou a informação de Rowles. Mesmo depois da
conclusão do processo licitatório, Rowles continuou pressionando o Estado para
que atendesse aos interesses do fundo de investimentos e da empresa portuguesa,
ameaçando o secretário estadual da Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo,
Maurício Guimarães, de revelar a suposta fraude na licitação. “Eu tive uma
conversa com o secretário na terça ou na segunda-feira (9 ou 10 de junho deste
ano). Eu falei, ‘bicho, não é para você tentar, você se vira, você vai ter que
ajeitar. Não ajeitou, é pau, o pau come’”, teria dito Rowles ao secretário,
pressionando por uma compensação à Ferconsult pelo estudo de viabilidade
fornecido. Em entrevista ao UOL Esporte, o secretário Maurício Guimarães negou
qualquer pagamento de propina ou fraude na licitação. A entrevista aconteceu em
20 de julho deste ano, quando o secretário foi informado sobre as denúncias de
Rowles. Mesmo assim, o assessor especial é mantido no governo desde então.
ASSESSOR ESPECIAL DO GOVERNO
DIZ TER AMEAÇADO SECRETÁRIO DA SECOPA-MT
“A empresa portuguesa
(Ferconsult) fez o estudo de viabilidade e, através do Infinity, que tinha
interesse em trabalhar com PPP na obra, fez ao Estado a doação”, afirmou
Guimarães. “Mas o Estado acabou por definir que faria por si só o processo,
definimos que o Estado iria executar a obra”. Apesar de dizer que o Estado
recebeu o estudo de viabilidade do Infinity sem ter jamais negociado com a
Ferconsult, Guimarães admite que membros da diretoria da Ferconsult foram de
Portugal a Cuiabá cobrar uma posição do governo mato-grossense. “Eles
(diretoria da Ferconsult) dizem que nós disponibilizamos o estudo deles no
edital e, por isso, eles não puderam participar do processo licitatório, mas há
controvérsia quanto a isso. O estudo foi doado à Secopa, se eles entenderam que
por isso eles não poderiam participar do processo, eu lamento”. Já quanto às
tratativas com o assessor especial do governo Rowles Magalhães Pereira da Silva
sobre interesses do fundo de investimento e da Ferconsult, o secretário se
mostra confuso quanto aos fatos, conforme se nota por meio da entrevista
gravada de Guimarães ao UOL Esporte:
UOL Esporte – Quem negociava
pelo fundo Infinity com o governo de Mato Grosso?
Secretário Maurício Guimarães –
Ah, isso eu não sei. Isso eu não posso te responder.
UOL Esporte - Foi o Rowles
Magalhães Silva?
M.G. – Eu não posso te
responder por isso.
UOL Esporte – O senhor conhece
o senhor Rowles Magalhães Silva?
M.G. – Eu não sei, conheço, já
vi algumas vezes.
UOL Esporte – Ele era do fundo
Inifinity, assinou documento de doação (do estudo de viabilidade ao Estado de
Mato Grosso).
M.G – Isso...
UOL Esporte - Quem é o senhor
Rowles Magalhães Silva? Hoje em dia ele é assessor especial do governo.
M.G. – Sobre esse assunto,
eu... tá longe da Secopa.
UOL Esporte – O senhor Rowles
nunca sentou nesta mesa (do gabinete do secretário)?
M.G. – Não, não, não.
UOL Esporte – O senhor Rowles
nunca esteve aqui?
M.G. – Ah.. já veio...
UOL Esporte - Ele veio aqui
tratar com o senhor, então?
M.G. – Ah, ele vem tratar,
depois que ele virou assessor do governo, vamos dizer assim, tratar assuntos de
governo, né?
UOL Esporte – Nada relacionado
à Fernconsult? O senhor já tratou de assuntos da Ferconsult com ele?
M.G. – Com ele não.
UOL Esporte – Nunca?
M.G. – Com ele, não. Agora, se
ele tem, por exemplo, contato com o pessoal da Ferconsult, aí já não é comigo.
UOL Esporte – Certamente ele
tem, já que era do fundo (que doou o estudo da Ferconsult ao governo).
M.G. – É, provavelmente,
entendeu?
UOL Esporte – O senhor tem
certeza que ele nunca veio tratar aqui com o senhor de assuntos da Ferconsult?
M.G. – Ferconsult, não.
UOL Esporte – Se existe alguma
gravação de conversa de vocês dois aqui, ela é fraudada?
M.G. – Veja bem, esse negócio
de gravação... Como ele sempre foi da da.. questão da Ferconsult, não digo
assim que ele não veio tratar, entendeu? Ele pode ter é, é.. tratado, em função
de ter feito a doação, em determinado momento ter falado, “bom, e aquela
questão da Ferconsult ter doado, não puderam participar...” Mas sempre muito
transparente.
UOL Esporte – O senhor não acha
um pouco curioso o senhor Rowles, que era representante do fundo que doou (o
estudo de viabilidade), que foi à cidade do Porto com o governador, que
participou do processo licitatório do outro lado do balcão, depois de entrar no
governo, vir aqui tratar com o senhor de assuntos de interesse de outras
empresas?
M.G. – Talvez ele tenha algum
resquício dos tempos que ele era do fundo, e veio tratar de assuntos da época
que ele era do fundo. Agora, quero deixar uma coisa bem clara: aqui eu só trato
assuntos do ponto de vista de processo, do processo licitatório, essas
tratativas de Infinity, se ele é funcionário do governo, isso foge da esfera da
Secopa. Agora, posso dizer que mesmo depois que ele entrou para o governo, ele
veio sim fazer algumas tratativas em termos de Ferconsult. Até porque ele era do
Inifinty, e o fundo talvez tenha pedido para o Rowles vir reclamar por termos
usado o estudo, e eles acharam que não poderiam participar do processo
licitatório por causa disso. Eu não queria fazer essa avaliação de que antes
era do fundo, e que agora é do governo, porque isso foge da minha esfera.
UOL Esporte – Mas ele veio aqui
no seu gabinete defender um fundo de investimentos, e já era do governo.
M.G. – E eu falei: “Rowles,
(sobre) a Ferconsult, passou o bonde, perdeu o controle do processo licitatório,
não tem como resolver”.
O UOL Esporte perguntou também
ao secretário se ele confirmava a denúncia de Rowles sobre a propina de R$ 80
milhões que o Consórcio VLT Cuiabá teria pago aos membros do governo de Mato
Grosso para vencer o processo licitatório. O secretário negou qualquer irregularidade
no processo efetuado. No último dia 9, o UOL Esporte tentou entrar em contato
com o vice-governador de Mato Grosso, Chico Daltro, e com o próprio governador
(via Secretaria de Comunicação Social), para que se pudesse esclarecer as
funções de Rowles Magalhães Pereira da Silva no governo estadual, e se suas
acusações são verídicas. Foram enviadas as seguintes perguntas à chefia de
gabinete do vice-governador e à funcionária Danielle Cunha, responsável pela assessoria
de imprensa do governo mato-grossense:
- Quando Rowles Magalhães
Pereira da Silva foi contratado como assessor especial do vice-governador?
- Quais são suas atribuições?
- Por que ele foi escolhido
para o cargo?
- Qual a natureza da relação
entre Rowles Magalhães Pereira da Silva e o vice-governador?
- Desde quando eles se
conheciam?
- O vice-governador está ciente
de que Rowles era representante do fundo de investimentos que doou o estudo de
viabilidade utilizado no projeto do VLT de Cuiabá?
- O vice-governador está ciente
de que, já após sua contratação como assessor especial da vice-governadoria,
Rowles Magalhães Silva despachou com o secretário Maurício Guimarães em defesa
de interesses de entidades privadas que mantêm negócios com o governo de Mato
Grosso?
No dia seguinte, 10 de agosto,
a reportagem entrou em contato com a funcionária Danielle Cunha, que informou
que ainda não havia tido tempo de conversar com o vice-governador. O UOL
Esporte ligou, então, no telefone celular do vice-governador, que afirmou que
havia passado as respostas à funcionária Danielle, e que não comentaria o
assunto por telefone, já que suas respostas oficiais seriam enviadas pela
assessora de imprensa. Desde então, a reportagem deixou oito recados no celular
do vice-governador, que não voltou a atender. Já a sua chefia de gabinete e a
assessora Danielle Cunha conversaram com o UOL Esporte, mas não enviaram as
respostas até a publicação desta reportagem, afirmando que ainda não as
possuíam. Todas as conversas estão gravadas. O UOL Esporte também procurou a
construtora CR Almeida. Segundo Rowles, foi a empresa que pagou a propina de R$
80 milhões para que o Consórcio VLT Cuiabá vencesse a licitação da obra do trem
urbano. A empresa negou veementemente qualquer ato ilegal. “As irregularidades
apontadas são absolutamente inverídicas e destituídas de qualquer fundamento”,
declarou a empresa, em nota. “Não houve o mencionado acordo ou combinação de
preços para que o Consórcio VLT Cuiabá vencesse a licitação, assim como o
consórcio (ou as empresas que o compõem) não efetuou e não efetuará qualquer
pagamento a membros do governo.” O UOL Esporte também fez contato com os
consórcios que disputaram e perderam a licitação do VLT. Robério Garcia,
diretor-presidente da empresa Engeglobal Construções, líder do Consórcio
Expresso Verde, afirmou que não procurou nem nunca foi procurado por nenhuma
companhia envolvida na concorrência do VLT para um acordo sobre preços. “Ninguém
me procurou e eu nunca procurei ninguém”, disse Garcia. “O meu preço foi o mais
alto da licitação por causa das incertezas que envolvem o projeto. É uma obra
grande, que tem um prazo curto. Coloquei o preço mais alto para ter certeza que
conseguiria cumprir as exigências.” Já a empresa Mendes Júnior Trading e
Engenharia, líder do Consórcio Mendes Júnior/Soares Costa/Alstom, informou que
desconhece qualquer acordo entre companhias para a licitação. O Consórcio
Tranvia Cuiabá também foi procurado pela reportagem. A empresa SA Paulista
Construções e Comércio, líder do grupo, não respondeu até a publicação desta
reportagem.
* Colaboraram Adriana Vandoni,
especial para o UOL, em Cuiabá, e Vinícius Konchinski, do UOL, no Rio de
Janeiro