"Todos os empreiteiros do Brasil sabiam que o Rodoanel financiava a campanha do Serra" Luiz Antônio Pagot |
As
confissões de Pagot. Em entrevista à ISTOÉ, o ex-diretor do DNIT, hoje
consultor, denuncia caixa 2 na campanha do PSDB e conta que, em 2010, quando
estava na direção do órgão, arrecadou junto às empreiteiras para a campanha do
PT.
por
Claudio Dantas Sequeira – da revista ISTOÉ.
CAIXA 2 Segundo Pagot, empreiteiro confirmou que 8% da verba para o trecho sul do Rodoanel era desviada para a candidatura de Serra ao Planalto |
Desde
o início do ano, o ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (DNIT) Luiz Antônio Pagot tem prestado consultoria em projetos de
navegação fluvial. Os negócios vão bem, mas a incursão no setor privado ainda
não foi suficiente para apagar a mágoa que guarda pela maneira como deixou o
governo, no rastro do escândalo de corrupção no Ministério dos Transportes.
Casado, pai de uma filha, o economista, que é oficial reformado da Marinha,
considera-se um técnico competente, de confiança, e diz que nutria pelo governo
uma fidelidade quase canina. Mas a demissão, que classifica como “traição
mortal”, alimenta agora um sentimento de vingança. E motivou Pagot, nos últimos
dois meses, a fazer uma série de depoimentos à ISTOÉ. Em três encontros com a
reportagem num hotel em Brasília, todos gravados, Pagot contou detalhes sobre a
forma como, no exercício do cargo, foi pressionado pelo governo de José Serra a
aprovar aditivos ilegais ao trecho sul do Rodoanel. A obra, segundo ele, serviu
para abastecer o caixa 2 da campanha de José Serra à Presidência da República
em 2010. “Veio procurador de empreiteira me avisar: ‘Você tem que se prevenir,
tem 8% entrando lá.’ Era 60% para o Serra, 20% para o Kassab e 20% para o
Alckmin”, disse Pagot. Nas conversas com ISTOÉ, Pagot também afirmou ter ouvido
do senador Demóstenes Torres um pedido para que o ajudasse a pagar dívidas de
campanha com a Delta com a entrega de obras para a construtora. Mas nem o
aditivo de R$ 260 milhões para o trecho sul do Rodoanel foi liberado pelo DNIT
– embora tenha sido pago pelo governo de São Paulo – nem o favor a Demóstenes
foi prestado, segundo Pagot. Porém, ele não resistiu ao receber uma missão do
comitê de campanha do PT durante as eleições de 2010. Pagot disse que, quando
ocupava a diretoria do órgão que administrava bilhões em obras públicas em todo
o País, recebeu do tesoureiro da campanha do PT, deputado José De Filippi (SP),
um pedido para arrecadar recursos junto às empreiteiras. “Cada um doou o que
quis. Algumas enviavam cópia do boleto para mim e eu remetia para o Filippi.
Outras diziam ‘depositamos’”, afirmou. As doações, no entanto, teriam sido
feitas pelas vias legais, de acordo com o ex-diretor do DNIT.
Os
segredos que Pagot guardava até agora ajudam a explicar por que a CPI do
Cachoeira adiou deliberadamente sua convocação. Ele diz que está pronto para
falar tudo e desafia: “Duvido que me chamem. Muitos ali têm medo do que posso
contar.” Nas entrevistas à ISTOÉ Pagot forneceu detalhes dos encontros com o
tesoureiro do PT, José De Filippi. Ele contou que, em meados de 2010, foi
chamado ao QG petista, no Lago Sul, onde foi apresentado a Filippi, que lhe
pediu ajuda para passar o chapéu entre as empreiteiras. Dias depois, revelou,
os dois voltaram a se reunir no DNIT, onde Pagot lhe apresentou uma lista com
cerca de 40 empreiteiras médias e grandes que tinham contrato com o órgão. Ao
analisar hoje a prestação de contas da campanha, Pagot identifica ao menos 15
empresas que abasteceram a campanha do PT a pedido seu: Carioca Engenharia,
Concremat, Construcap, Barbosa Mello, Ferreira Guedes, Triunfo, CR Almeida,
Egesa, Fidens, Trier, Via Engenharia, Central do Brasil, Lorentz, Sath
Construções e STE Engenharia. Elas doaram cerca de R$ 10 milhões, segundo a
prestação de contas apresentada pelo PT ao TSE. Filippi disse à ISTOÉ que
realmente foi apresentado a Pagot no comitê da campanha durante o primeiro
turno da eleição. “Mas a conversa tratou da proposta de Pagot de a campanha
receber três aviões do Blairo Maggi”, disse Filippi, que negou ter recebido
boletos de depósitos. “Num segundo encontro, depois da eleição de Dilma, ficou
acertado que Pagot buscaria recursos para saldar dívidas da campanha
eleitoral”, admite Filippi.
ARRECADAÇÃO PETISTA De acordo com Pagot, o tesoureiro do PT, José De Filippi, pediu para ele arrecadar junto às empreiteiras |
Com
os tucanos paulistas foi diferente. Os pedidos eram para um caixa 2 e ele se
recusou a atendê-los. Pagot contou à ISTOÉ que recebeu pressões para liberar R$
264 milhões em aditivos para a conclusão do trecho sul do Rodoanel. Segundo
ele, em meados de 2009, o então diretor da Dersa, empresa paulista responsável
pelas estradas, Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, solicitou uma audiência
no DNIT. Levou assessores, engenheiros e um procurador para tentar convencer
Pagot a liberar a quantia. Até então, a obra tinha consumido R$ 3,6 bilhões,
sendo R$ 1,2 bilhão em repasses da União. Acompanhado do diretor de
Infraestrutura Rodoviária, Hideraldo Caron, Pagot disse que o governo não devia
mais nada à Dersa. Quarenta dias depois, houve nova reunião, no Palácio dos
Bandeirantes, na qual tentaram recolher sua assinatura num Termo de Ajuste de
Conduta (TAC), apresentado pelo Ministério Público Federal. “A partir daí
começaram as pressões”, diz Pagot. Ele diz que recebia telefonemas constantes,
não só de Paulo Preto, mas do deputado Valdemar Costa Neto (PR/SP), do ministro
Alfredo Nascimento e de seu secretário-executivo, hoje ministro Paulo Sérgio
Passos. O caso foi parar no TCU, que autorizou a Dersa a assinar o TAC,
condicionando novos aditivos à autorização prévia do tribunal e do MP. Pagot
recorreu à AGU, que em parecer, ao qual ISTOÉ teve acesso, o liberou de assinar
o documento.
VERBA PARA A CAMPANHA Então candidata ao governo de Santa Catarina, Ideli Salvatti também teria recorrido a Pagot |
Em
meados de 2010, almoçando uma dobradinha no tradicional restaurante Francisco,
em Brasília, o procurador de uma empreiteira adicionou para Pagot um elemento
novo à já suspeita equação do Rodoanel. O interlocutor, segundo o ex-diretor do
DNIT, revelou que no convênio haveria um percentual para abastecer a campanha
de Serra. “Aquele convênio tinha um percentual ali que era para a campanha.
Todos os empreiteiros do Brasil sabiam que essa obra financiava a campanha do
Serra”, disse. Consulta ao TSE mostra que o comitê de Serra e do PSDB receberam
das empreiteiras que atuaram no trecho sul do Rodoanel quase R$ 40 milhões, em
cifras oficiais. O representante de uma empreiteira que participou do Rodoanel
confirmou à ISTOÉ que manteve contatos com Pagot reivindicando o aditivo.
Questionado
por ISTOÉ, Valdemar Costa Neto confirmou os contatos. Disse que atua “junto à
administração pública em favor da liberação de recursos para investimentos que
beneficiem” sua região. Nascimento, por sua vez, admitiu ter sido procurado por
dirigentes do governo de São Paulo para discutir o aditivo, mas garante que
refutou o pedido. Passos negou qualquer pressão.
A
metralhadora giratória acionada por Pagot também atinge a ministra das Relações
Institucionais, Ideli Salvatti. Ele diz que, em 2010, quando Ideli era
candidata ao governo de Santa Catarina, ela pediu uma audiência no DNIT para
tratar de três convênios do órgão no Estado, e, ao final do encontro, solicitou
que a ajudasse também na arrecadação de recursos. “Ela queria que eu chamasse
as empreiteiras e pedisse para pôr dinheiro na campanha dela”, afirma. Como se
negou a ajudá-la, Pagot acha que Ideli ficou ressentida e passou a miná-lo
quando chegou ao Planalto. Por meio de nota, Ideli negou que tenha recorrido a
Pagot para solicitar recursos.
Mas
as pressões em cima do diretor do DNIT não vinham apenas do PT e do PSDB. Outra
confissão de Pagot diz respeito a um jantar que teve com Demóstenes (ex-DEM) e
a cúpula da construtora Delta no ano passado. Ao final do encontro, Demóstenes
teria chamado Pagot para uma conversa privada, num cômodo de sua casa. Na
conversa, Demóstenes disse que estava com dívidas com a Delta e que precisava
“carimbar alguma obra para poder retribuir o favor” que a construtora fez para
ele na campanha. Como se vê, o DNIT era um tesouro cobiçado por muita gente.