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Neópolis - Cidades do Velho Chico - 31

Delmiro Gouveia - AL: A trágica história da insdustrialização no Sertão!

Em mais uma reportagem sobre os municípios que margeiam o São Francisco em Alagoas, hoje é a vez de contarmos a mais extraordinária história de um deles: Delmiro Gouveia. O município está localizado nas terras que faziam parte das sesmarias que foram levadas a leilão, em Recife, no ano de 1769. O capitão Faustino Vieira Sandes, arrematador das terras, instalou uma fazenda de gado e, a partir daí, começaram a desenvolver-se os núcleos de povoamento. Os três irmãos da família Vieira Sandes foram os primeiros habitantes das terras onde hoje está situado o município, segundo consta nos registros da Prefeitura Municipal de Delmiro Gouveia. Nos vários núcleos formados aparecia o povoado de Pedra, ligação óbvia com o lugar repleto rochas, que nasce a partir de uma estação da ferrovia de propriedade da empresa britânica Great Western Railway. Um fato importante da história da região foi a visita do Imperador D. Pedro II à cachoeira hoje de Paulo Afonso, datada de 20 de outubro de 1859 e assinalada por um marco de pedra, erguido no local. Em 1897, no Almanaque Administrativo do Estado de Alagoas, o local já aparece como um povoado do município de Água Branca.

Mas o desenvolvimento só chegou mesmo com a chegada do homem que dará nome ao futuro município. Em 1903, vindo do Recife, o cearense Delmiro Augusto da Cruz Gouveia, nascido em Ipu-CE, em 5 de junho de 1863, chega a Pedra. Sua visão moderna é assombrosa e logo será considerado um dos pioneiros da industrialização do Brasil e do aproveitamento de seu potencial hidroelétrico. Ele construiu a primeira usina hidrelétrica do Nordeste e a segunda do país, a Usina de Angiquinho. Foi também o criador do que é tido como o primeiro centro comercial brasileiro, o Mercado Modelo Coelho Cintra, inaugurado em 7 de setembro de 1899 no Recife. Negociando com couros de bovinos e peles de caprinos, Delmiro Gouveia estabeleceu-se em Pedra para poder montar uma indústria de linhas. Conseguiu também uma concessão para explorar as terras áridas desta região do São Francisco. Em 1913, começou a funcionar a usina hidrelétrica de Angiquinho, que fornecia energia elétrica para todo o vilarejo. A Companhia Agro Fabril Mercantil, indústria que fabricava linhas de coser, foi instalada em 1914, atraindo muitos moradores para a região e trazendo o desenvolvimento.

Portanto, Delmiro Gouveia já era industrializada antes mesmo de virar cidade e isso permitiu que a vila dispusesse de água encanada, telégrafo, telefone, tipografia, capela, cinema, lavanderias, fábrica de gelo, grandes armazéns de depósitos e escola para crianças e adultos. Os habitantes não pagavam pela água e eletricidade consumidas, mas não podiam portar armas nem consumir bebidas alcoólicas. Quem jogasse lixo nas ruas recebia uma multa, para conscientizar-se do seu erro e preservar a limpeza pública. As casas dos moradores tinham um alpendre largo na frente, ao estilo das construções italianas, e possuíam quatro cômodos. Grande foi o progresso e enorme a prosperidade da vila graças ao arrojado empreendimento, que concorria com poderosos grupos multinacionais.

Por motivos políticos e questões de terras, Delmiro Gouveia entrou em conflito com vários coronéis da região, o que provavelmente, segundo a maioria dos historiadores, ocasionou seu misterioso assassinato à bala, em 10 de outubro de 1917. Outros historiadores incluem a empresa Machine Cottton no rol dos suspeitos porque era concorrente direta da fabricação das linhas de coser. Seus herdeiros, não resistindo às pressões da Machine Cotton, venderam a fábrica à empresa inglesa, detentora na América Latina da marca "Linhas Corrente", que mandou destruir as máquinas, demolir os prédios e lançar os maquinários e escombros no rio São Francisco, livrando-se assim de uma incômoda concorrência. No local foi lançado, em 2022, o Shopping da Vila.

Sem a fábrica, destruída em 1929, o povoado Pedra se arrasta, mesmo sua população em torno dos 6 mil habitantes. Em 1º de novembro de 1938, o decreto-lei nº 846 criou o distrito com o nome de Pedra. Somente em 1943, sob Decreto nº 2.909, de 30 de dezembro, é que o nome Delmiro Gouveia, dois anos após a criação da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, ainda distrito de Água Branca. Delmiro Gouveia foi elevado à categoria de município pela Lei Estadual n.º 1.628, de 16 de junho de 1952, desmembrado de Água Branca e instalado em 14 de fevereiro de 1954. O primeiro prefeito do município foi Alfredízio Gomes de Menezes, nomeado pelo então governador Arnon de Mello, que permaneceu à frente da prefeitura por apenas um ano.

Hoje, além do São Francisco e seus cânions, a história da formação da cidade é um atrativo e pode ser vista no Museu Delmiro Gouveia. Também as festas da Padroeira Nossa Senhora do Rosário e o Carnaval atraem muitos turistas. Claro, hoje seu potencial econômico está associado à produção de energia elétrica do São Francisco. É o mais populoso da Mesorregião do Sertão Alagoano, Microrregião Alagoana do Sertão do São Francisco, com uma população que se aproxima dos 55 mil habitantes. Sua localização é privilegiada. Além do São Francisco margear seu território, sua área de 605,395 km² faz divisa com os municípios alagoanos de Pariconha, Água Branca e Olho d'Água do Casado, e com o município de Jatobá, estado de Pernambuco; Paulo Afonso, na Bahia; e Canindé do São Francisco, em Sergipe. Também é bem servido de rodovias, cortado pelas alagoanas AL 220 e AL 145, e pelas federais BR 110 e BR 423.  

Ninguém duvida hoje que Delmiro Gouveia seria o município mais industrializado do interior de Alagoas, talvez o mais populoso desta bandas do São Francisco, caso não tivesse sido Delmiro Gouveia assassinado em 1917. A visão empreendedorista do cearense de Ipu ainda poderia dar muitos frutos e influenciar vários empreendimentos na região. Com a chegada das hidrelétricas de Xingó e Paulo Afonso, o município voltou a crescer e hoje figura nos vários roteiros de turismo do sertão alagoano, difundindo e honrando para sempre o nome do homem que parecia não ter limites para suas ideias inovadoreas, modernas, geradoras de mão-de-obra e riquezas.