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Neópolis - Cidades do Velho Chico - 31

Do Sertão ao Centro-Oeste nº 10: Santa Rita de Cássia e o Rio Preto

Seguimos pela BA 225 com destino a Santa Rita de Cássia, desta vez revitalizados pelas imagens da região da Serra do Boqueirão e do encontro do Rio Negro com o Rio Grande. Como já se sabe, houve uma considerável melhora na estrada, embora ainda fosse considerada ruim, com trechos que exigem carros com tração 4 x 4. Além disso, a poeira era inevitável. O manto escuro da noite já iniciava sua presença quando chegamos a Santa Rita de Cássia, depois de percorrer 200 kms, dos quais 160 de puro off road. Agora era a hora de procurar uma pousada. Depois de uma rodada pelo centro, optamos por ficar na Pousada Ceará. O proprietário é uma figura simpática e administra o lugar com a família. Ceará nos mostrou o quarto, nos orientou sobre horários, internet e alimentação. Tudo muito simples e sem maiores problemas. Depois do banho, veio a cerveja com espetinho de carne na frente da pousada. Merecíamos aquele regalo porque o dia havia sido puxado.

Santa Rita de Cássia fica próximo à divisa da Bahia com o Piauí e tem temperaturas que, entre maio a setembro, podem representar algo surreal. Já houve registro de temperatura superior a 41 graus e também a mínima já chegou próximo dos 6 graus, bem típicas desta região. O município é cortado pelo Rio Negro e sua existência tem relação direta com a exploração deste afluente do Rio Grande. A história do município é quase um filme épico. Não foi fácil chegar hoje aos 30 mil habitantes, com certa estrutura para atender as demandas da população. Sua distância para Salvador, de 1006 kms, sempre foi um grande desafio, mas, como todo Oeste baiano, aprendeu a construir pontes para o progresso.   

A história passada de geração a geração diz que chegou ao Arraial de Santa Rita do Rio Preto um misterioso casal de portugueses, nas imediações da Igreja Velha, na atual avenida Professor Elpídio Santana. O prédio do templo foi parcialmente demolido em 1963, depois de ser construído por escravos no século 17. O casal ficou na região por cerca de dez anos daquele século XVI, mas até hoje nunca foi identificado. Desapareceram do lugar, talvez indo para outras plagas. Há até lendas dizendo que foram devorados por animais, mas sem comprovações. Certo é que deixaram, talvez por esquecimento, uma imagem de Santa Rita de Cássia, conhecida na época por Santa Rita dos Impossíveis. A crença popular acredita que o casal foi enviado por Deus para levar a santa até as margens do Rio Preto. Anos depois, a imagem foi encontrada por colonos e estes, embora tenham procurado, nunca encontraram vestígios de corpos ou de lutas no local.

Dos colonos que chegaram por ali estavam o capitão Ângelo Custódio da Rocha Medrado, o índio e capitão Francisco Rodelas, o capitão João de Araújo Costa, e José Pereira de Matos. Este último fundou a fazenda Ribeira do Rio Preto, que mais tarde passou a se chamar Fazenda Santa Rita, devido à imagem encontrada ali e onde foi erguida uma pequena capela. Anos depois, Nicolau Gonçalves Franco consta como novo proprietário do lugar e, a partir daí, passa a ser um núcleo de migrantes. Santa Rita rapidamente cresceu. Em Carta Régia enviada ao então governador-geral do Brasil, D. João de Lencastre, datada de 2 de dezembro de 1698, o novo rei de Portugal, D. Pedro II, determinou que fossem fundados núcleos de civilização ou postos de vigilância nas bacias do rio São Francisco, do rio Grande e do rio Preto, para atender aos pedidos dos habitantes locais, atormentados com os ataques dos índios às suas fazendas e também reivindicando maior presença na região de instituições que representassem o Estado, o que garantiria a posse das terras à oeste do rio São Francisco.

Embora no período colonial essa região fizesse parte da capitania de Pernambuco, ela ficava geograficamente mais próxima à capitania da Bahia, por isso foram os desbravadores baianos que, em combates com os índios, se apossaram das terras da margem esquerda do rio São Francisco, numa guerra insana contra os povos primitivos que chegou até o século XX. Até hoje, vários dos seus habitantes ainda lutam e sonham com a criação do Estado do Rio São Francisco. Esta área hoje compreende a Região Oeste da Bahia, que é onde está localizado o município de Santa Rita de Cássia.

O povoado de Santa Rita do Rio Preto crescia alcançando foros de freguesia com a criação da Paróquia de Santa Rita de Cássia, em 1804. A igreja foi construída sob a batuta do mestre de obras Antônio Estácio de Souza, por provisão de 8 de agosto de 1804. O primeiro vigário foi o padre Francisco Xavier Miranda, substituído em 1811 pelo padre Manuel Antônio Ribeiro. Mas a luta pelo crescimento de Santa Rita se deve ao casal José da Rocha Medrado e Rita Antunes Guimarães Rocha no processo de emancipação do município. Na primeira metade do século XIX, foram eles que constituíram a ideia da edificação da vida política de Santa Rita de Cássia. Grupos de migrantes vinham de terras distantes, atraídos pela riqueza do solo do vale do rio Preto e com o objetivo de se estabelecerem na região e fazê-la prosperar. José Rocha e D. Rita queriam a emancipação do povoado, que era então subordinado ao município de Barra do Rio Grande. Apesar do desenvolvimento visível no campo, o povoado, que seria a sede do futuro município, decaía no contexto das normas e exigências determinadas em lei, o que dificultava a consolidação do processo emancipacionista. Foi aí que o casal resolveu a questão pedindo às pessoas que construíssem suas moradias no povoado. Deu certo. Em 26 de março de 1840, por meio da lei provincial nº 119, ocorreu a emancipação política do até então povoado de Santa Rita do Rio Preto, que foi elevado à categoria de vila, território desmembrado de Barra do Rio Grande. Santa Rita de Cássia foi o segundo município a ser criado na Região Oeste da Bahia, depois de Campo Largo, atual Cotegipe, emancipado em 1820. A vila foi oficialmente instalada em 3 de novembro de 1840. Depois de governada por vereadores e intendentes, a partir da era Vargas passou às mãos dos prefeitos. Hoje é governada por José Benedito Rocha Aragão, do PSDB, até 2024.

Para que Santa Rita estivesse hoje esta estrutura, o casal José da Rocha Medrado e D. Rita Antunes Guimarães Rocha doou à municipalidade um quarto de légua das terras da Fazenda Santa Rita, incluindo aí a área onde estava edificada a capela, para que as pessoas pudessem construir suas casas comerciais e residenciais. Além disso, como a vila ficava a quase um quilômetro distante do rio Preto, separada por regiões alagadas, o mesmo casal patrocinou a abertura de um canal, desviando o curso do rio para passar próximo à cidade.  

A comunicação de Santa Rita com outras localidades, de forma mais ágil, tem também a mão do casal José da Rocha Medrado na ligação com o estado do Piauí, realizando a abertura de estradas para a sua fazenda Boa Esperança, situada na divisa da Bahia com aquele estado. Por aí havia grande intercâmbio de pessoas e escoadouro das produções. Outro foi a inauguração, em 25 de setembro de 1905, da Linha de Navegação Fluvial do Rio Preto, através do vapor Alves Linhares, da Viação Bahiana do São Francisco, que chegou a ter, em 1925, doze vapores e dez lanchas. A viagem era feita por mês e saia de Formosa do Rio Preto até Juazeiro, passando pelo porto de Santa Rita do Rio Preto, num percurso de 759 quilômetros.

Hoje, Santa Rita de Cássia é servida pelas rodovias BA 225 e BA 351, esta ligando o município por asfalto a Barra e à BR 135. O município é enorme, mesmo depois de perder área com as emancipações de Formosa do Rio Preto e Mansidão. Faz fronteiras com Cotegipe, Formosa do Rio Preto, Mansidão e Riachão das Neves – todos na Bahia; e ainda com Cristalândia do Piauí, Júlio Borges, Parnaguá e Sebastião Barros - todos no Piauí. Sua área total é de 6.071,116 km², com densidade demográfica beirando os 5 habitantes por km2.

A pior fase econômica de Santa Rita ocorreu de 1909 até o início dos anos 70 do século passado. O assassinato do coronel Taciano Rodrigues de Araújo, então chefe político do município, em 15 de agosto de 1909, promoveu uma série de crimes de vingança. Estes atentados promovidos por lideranças políticas transformaram a região em palco de lutas sangrentas, espantando o progresso. Até o nome Santa Rita desapareceu. Pelos decretos estaduais n.º. 7455, de 23 de junho de 1931, e 7749, de 23 de julho do mesmo ano, Santa Rita do Rio Preto teve seu nome alterado para Rio Preto. Nessa época o município perdeu o território do Jalapão, que passou a pertencer ao estado de Goiás. Mais tarde, em 1943, em virtude do decreto-lei estadual nº 141, de 31 de dezembro, o município de Rio Preto passou a se chamar Ibipetuba, que em tupi significa banco de areia. A partir de 1957, Ibipetuba passou a se chamar Santa Rita de Cássia, nome definitivo. É a partir da inauguração de Brasília que a região volta a ter novo impulso econômico até a chegada do agronegócio.