Seguimos pela BA 225 com destino a Santa Rita de Cássia, desta vez revitalizados pelas imagens da região da Serra do Boqueirão e do encontro do Rio Negro com o Rio Grande. Como já se sabe, houve uma considerável melhora na estrada, embora ainda fosse considerada ruim, com trechos que exigem carros com tração 4 x 4. Além disso, a poeira era inevitável. O manto escuro da noite já iniciava sua presença quando chegamos a Santa Rita de Cássia, depois de percorrer 200 kms, dos quais 160 de puro off road. Agora era a hora de procurar uma pousada. Depois de uma rodada pelo centro, optamos por ficar na Pousada Ceará. O proprietário é uma figura simpática e administra o lugar com a família. Ceará nos mostrou o quarto, nos orientou sobre horários, internet e alimentação. Tudo muito simples e sem maiores problemas. Depois do banho, veio a cerveja com espetinho de carne na frente da pousada. Merecíamos aquele regalo porque o dia havia sido puxado.
Santa Rita de Cássia fica próximo à divisa da Bahia com o
Piauí e tem temperaturas que, entre maio a setembro, podem representar algo
surreal. Já houve registro de temperatura superior a 41 graus e também a mínima
já chegou próximo dos 6 graus, bem típicas desta região. O município é cortado pelo Rio Negro e sua existência tem relação direta com a exploração deste
afluente do Rio Grande. A história do município é quase um filme épico. Não foi
fácil chegar hoje aos 30 mil habitantes, com certa estrutura para atender as
demandas da população. Sua distância para Salvador, de 1006 kms, sempre foi um
grande desafio, mas, como todo Oeste baiano, aprendeu a construir pontes para o
progresso.
A história passada de geração a geração diz que chegou ao
Arraial de Santa Rita do Rio Preto um misterioso casal de portugueses, nas
imediações da Igreja Velha, na atual avenida Professor Elpídio Santana. O
prédio do templo foi parcialmente demolido em 1963, depois de ser construído
por escravos no século 17. O casal ficou na região por cerca de dez anos daquele século
XVI, mas até hoje nunca foi identificado. Desapareceram do lugar, talvez indo
para outras plagas. Há até lendas dizendo que foram devorados por animais, mas
sem comprovações. Certo é que deixaram, talvez por esquecimento, uma imagem de
Santa Rita de Cássia, conhecida na época por Santa Rita dos Impossíveis. A
crença popular acredita que o casal foi enviado por Deus para levar a santa até as margens do Rio Preto. Anos depois, a imagem foi encontrada por colonos e
estes, embora tenham procurado, nunca encontraram vestígios de corpos ou de
lutas no local.
Dos colonos que chegaram por ali estavam o capitão Ângelo
Custódio da Rocha Medrado, o índio e capitão Francisco Rodelas, o capitão João
de Araújo Costa, e José Pereira de Matos. Este último fundou a fazenda Ribeira
do Rio Preto, que mais tarde passou a se chamar Fazenda Santa Rita, devido à
imagem encontrada ali e onde foi erguida uma pequena capela. Anos depois, Nicolau
Gonçalves Franco consta como novo proprietário do lugar e, a partir daí, passa
a ser um núcleo de migrantes. Santa Rita rapidamente cresceu. Em Carta Régia
enviada ao então governador-geral do Brasil, D. João de Lencastre, datada de 2
de dezembro de 1698, o novo rei de Portugal, D. Pedro II, determinou que fossem
fundados núcleos de civilização ou postos de
vigilância nas bacias do rio São Francisco, do rio Grande e do rio
Preto, para atender aos pedidos dos habitantes locais, atormentados com os ataques dos índios às suas fazendas e também reivindicando maior presença na região de instituições que
representassem o Estado, o que garantiria a posse das terras à oeste do rio São
Francisco.
Embora no período colonial essa região fizesse parte da
capitania de Pernambuco, ela ficava geograficamente mais próxima à capitania da
Bahia, por isso foram os desbravadores baianos que, em combates com os índios,
se apossaram das terras da margem esquerda do rio São Francisco, numa guerra
insana contra os povos primitivos que chegou até o século XX. Até hoje, vários
dos seus habitantes ainda lutam e sonham com a criação do Estado do Rio São
Francisco. Esta área hoje compreende a Região Oeste da Bahia, que é onde está
localizado o município de Santa Rita de Cássia.
O povoado de Santa Rita do Rio Preto crescia alcançando
foros de freguesia com a criação da Paróquia de Santa Rita de Cássia, em 1804. A
igreja foi construída sob a batuta do mestre de obras Antônio Estácio de Souza,
por provisão de 8 de agosto de 1804. O primeiro vigário foi o padre Francisco
Xavier Miranda, substituído em 1811 pelo padre Manuel Antônio Ribeiro. Mas a luta
pelo crescimento de Santa Rita se deve ao casal José da Rocha Medrado e Rita
Antunes Guimarães Rocha no processo de emancipação do município. Na primeira
metade do século XIX, foram eles que constituíram a ideia da edificação da vida
política de Santa Rita de Cássia. Grupos de migrantes vinham de terras distantes,
atraídos pela riqueza do solo do vale do rio Preto e com o objetivo de se
estabelecerem na região e fazê-la prosperar. José Rocha e D. Rita queriam a
emancipação do povoado, que era então subordinado ao município de Barra do Rio
Grande. Apesar do desenvolvimento visível no campo, o povoado, que seria a sede
do futuro município, decaía no contexto das normas e exigências determinadas em
lei, o que dificultava a consolidação do processo emancipacionista. Foi aí que
o casal resolveu a questão pedindo às pessoas que construíssem suas moradias no
povoado. Deu certo. Em 26 de março de 1840, por meio da lei provincial nº 119,
ocorreu a emancipação política do até então povoado de Santa Rita do Rio Preto,
que foi elevado à categoria de vila, território desmembrado de Barra do Rio
Grande. Santa Rita de Cássia foi o segundo município a ser criado na Região
Oeste da Bahia, depois de Campo Largo, atual Cotegipe, emancipado em 1820. A
vila foi oficialmente instalada em 3 de novembro de 1840. Depois de governada
por vereadores e intendentes, a partir da era Vargas passou às mãos dos
prefeitos. Hoje é governada por José Benedito Rocha Aragão, do PSDB, até 2024.
Para que Santa Rita estivesse hoje esta estrutura, o casal José
da Rocha Medrado e D. Rita Antunes Guimarães Rocha doou à municipalidade um
quarto de légua das terras da Fazenda Santa Rita, incluindo aí a área onde
estava edificada a capela, para que as pessoas pudessem construir suas casas
comerciais e residenciais. Além disso, como a vila ficava a quase um quilômetro
distante do rio Preto, separada por regiões alagadas, o mesmo casal patrocinou a
abertura de um canal, desviando o curso do rio para passar próximo à cidade.
A comunicação de Santa Rita com outras localidades, de forma
mais ágil, tem também a mão do casal José da Rocha Medrado na ligação com o
estado do Piauí, realizando a abertura de estradas para a sua fazenda Boa
Esperança, situada na divisa da Bahia com aquele estado. Por aí havia grande intercâmbio
de pessoas e escoadouro das produções. Outro foi a inauguração, em 25 de setembro
de 1905, da Linha de Navegação Fluvial do Rio Preto, através do vapor Alves
Linhares, da Viação Bahiana do São Francisco, que chegou a ter, em 1925, doze
vapores e dez lanchas. A viagem era feita por mês e saia de Formosa do Rio
Preto até Juazeiro, passando pelo porto de Santa Rita do Rio Preto, num percurso
de 759 quilômetros.
Hoje, Santa Rita de Cássia é servida pelas rodovias BA 225 e
BA 351, esta ligando o município por asfalto a Barra e à BR 135. O município é
enorme, mesmo depois de perder área com as emancipações de Formosa do Rio Preto
e Mansidão. Faz fronteiras com Cotegipe, Formosa do Rio Preto, Mansidão e Riachão
das Neves – todos na Bahia; e ainda com Cristalândia do Piauí, Júlio Borges,
Parnaguá e Sebastião Barros - todos no Piauí. Sua área total é de 6.071,116 km²,
com densidade demográfica beirando os 5 habitantes por km2.
A pior fase econômica de Santa Rita ocorreu de 1909 até o
início dos anos 70 do século passado. O assassinato do coronel Taciano
Rodrigues de Araújo, então chefe político do município, em 15 de agosto de 1909,
promoveu uma série de crimes de vingança. Estes atentados promovidos por
lideranças políticas transformaram a região em palco de lutas sangrentas,
espantando o progresso. Até o nome Santa Rita desapareceu. Pelos decretos
estaduais n.º. 7455, de 23 de junho de 1931, e 7749, de 23 de julho do mesmo
ano, Santa Rita do Rio Preto teve seu nome alterado para Rio Preto. Nessa época
o município perdeu o território do Jalapão, que passou a pertencer ao estado de
Goiás. Mais tarde, em 1943, em virtude do decreto-lei estadual nº 141, de 31 de
dezembro, o município de Rio Preto passou a se chamar Ibipetuba, que em tupi
significa banco de areia. A partir de 1957, Ibipetuba passou a se chamar Santa
Rita de Cássia, nome definitivo. É a partir da inauguração de Brasília que a
região volta a ter novo impulso econômico até a chegada do agronegócio.