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Carinhanha - Cidades do Velho Chico 22

De Oliveira dos Brejinhos ao Tribunal de Justiça do Acre

A história de uma menina baiana pobre que se dedicou aos estudos e começa 2023 como juíza do TJ do Acre.

Trago hoje para os leitores do Contraprosa uma história real, que revela o poder da educação na vida de uma pessoa. Nossa personagem é Rosilene Santana Souza, de 38 anos, empossada juíza do TJ do Acre no dia 8 de dezembro passado. A história dela já seria um feito histórico se se tratasse de uma pessoa da classe média, ou filha de magistrados. Não. Na verdade, trata-se de uma garota nascida na região rural do município de Oliveira dos Brejinhos, nas proximidades do São Francisco e próximo a Ibotirama. O município tem uma população próxima aos 25 mil habitantes, com números educacionais desanimadores. De lá do sertão baiano, Rosilene saiu para ser juíza do Tribunal de Justiça do Estado do Acre. E mais! Foi a 1ª colocada no concurso.

Rosilene é a segunda filha de um total de sete irmaõs. Ela e sua irmã mais velha estudaram numa escola rural. Era um professor para ensinar todos os rebentos de todas as idades e faixas escolares do antigo ensino primário. Quando completou dez anos, a prefeitura não contratou professor para a localidade. Ela ficou dois anos sem estudar. Aos 12 anos, foi ela e a irmã morar num município onde residiam parentes da família, também em condições precárias. Dormiam num colchão de cama de solteiro, numa cozinha da casa. Mas elas não podiam reclamar porque havia escola. Trabalhou de doméstica por anos e, como não queriam voltar para a roça, com medo de não continuar os estudos, tentavam esconder as condições em que vivam e ainda, nas férias, iam para a roça ajudar os pais. Para melhorar a vida das filhas, a mãe levava temperos para vender na cidade e aumentar a renda das meninas. Elas chegaram a pedir restos de ossos no açougue para melhorar a alimentação. 

Da cozinha com colchão, as meninas passaram a uma casa sem banheiro, arranjada pela mãe. Aos 19 anos, Rosilene foi para Colatina, no estado do Espírito Santo. O sonho era estudar Direito e um dia ser juíza. Em Colatina as oportunidades eram bem melhores, mas a jornada ainda era enorme. Ela precisava de um bom emprego para não só financiar sua subsistência como para pagar uma faculdade. Foi aí que veio a ideia de um Curso Técnico em Edificações. O problema é que só eram vinte e cinco vagas e o seu conhecimento não chegava a tanto. Em contato com um professor particular, ele resolveu dar a ela um desconto de 50% nas aulas. Não pensou duas vezes. Quando o resultado saiu, Rosilene ficou na 21ª colocação. Com o diploma, conseguiu empregos melhores e pode entrar na faculdade. Antes de concluir o curso, conseguiu passar na prova da OAB. Sua formatura em Direito foi no ano de 2012, aos 28 anos.

Mas, para ser uma juíza é preciso experiência na área como advogado por, pelo menos, três anos. Rosilene trabalhou num escritório de advocacia até se firmar na vida. Ela queira ser juíza, mas a vida de advogada estava longe de permitir que ela estudasse com afinco. Foi aí que resolveu parar por um tempo e se dedicar aos estudos. Com o surgimento do concurso no Acre, fez a inscrição junto com outros 2.711 colegas. Ao final, seu esforço foi recompensado: ficou em 1º lugar e escolhida para ser a oradora no dia da posse.

Desde quando saiu o edital, há quase quatro anos, sonhamos muito por este momento. Enfrentamos a pandemia da COVID-19, o concurso chegou a ser suspenso, perdemos alguns colegas e tivemos que nos manter saudáveis estudando para a prova oral. Diante de tantas lutas, ingressar nesse tribunal no Dia da Justiça, é muito significativo e motivo de orgulho para todos nós. Precisamos lembrar que tomar posse na magistratura não é tornar-se um ser superior coberto de honrarias e distinções”, disse.

São as primeiras palavras da Dra. Rosilene Santana Souza, agora como juíza em Rio Branco, capital do Acre. E ela sabe que tudo só foi possível porque ela conseguiu pular as enormes dificuldades que nos colocam pela frente e que nos ajudam a desistir. Tenho impressão de que existem exatamente para fazer com que nós desistamos. E faço um paralelo com a escola que vivencio, o CEJDS. Nela, começamos com 500 alunos no ensino médio e terminamos o ano com 371 estudantes. Destes, 92 foram reprovados. Ou seja, de 500, apenas 279 conseguiram chegar ao fim da trilha deste ano com sucesso. É muito pouco para uma escola que oferece as três refeições, transporte escolar e ambiente razoavelmente confortável. Precisamos de mais Rosilenes. Não basta ter uma boa educação pública, é preciso que o aluno tenha determinação, objetivo e gana para buscar o que desejar.