Exclusivo!

Neópolis - Cidades do Velho Chico - 31

Do Sertão ao Centro-Oeste: Irecê, América Dourada e a multa na BA 052

Saímos de Morro do Chapéu e pegamos a rodovia BA 052 com destino a América Dourada e Irecê. Esta rodovia nasce na BR 116, em Feira de Santana e vai até o rio São Francisco, passando por municípios como Serra Preta, Ipirá, Baixa Grande, Mundo Novo, Piritiba, Morro do Chapéu, América Dourada, Irecê e vai até o Xique-Xique, totalizando 462 kms. É conhecida como a Estrada do Feijão. Ao longo do seu trajeto, várias outras rodovias baianas nascem nela ou fazem cruzamento com a mesma. São incontáveis as povoações, distritos ou comunidades desenvolvidas ao longo de suas margens, levando produção agrícola aos principais centros urbanos da Bahia e do Brasil. No trecho que percorremos, as condições eram perfeitas. Entretanto, quando tínhamos tudo para terminar o dia bem, havia uma blitz no meio da rodovia, no meio da rodovia tinha uma blitz. Eu não tinha que me preocupar. Toda documentação minha e do carro estavam em dias. O que temer? Acontece que eu havia esquecido de ligar o farol. Fui abordado pelo policial e levei uma multa de 130 reais. Dias depois, quando recebi a notificação, percebi o motivo de dizerem que o Brasil é o país da piada pronta. Lá estava escrito que “Em movimento de dia, deixar de manter acesa luz baixa sob chuva, neblina ou cerração.”, enquanto o sol torrava nossa pela a 38 graus.

Já devidamente multado, 33 kms depois chegamos ao município de América Dourada, que faz parte da região de Irecê, como João Dourado e Lapão. A cidade é acolhedora e sua origem começa com os netos de João Dourado, em 1870. Eles compraram uma fazenda, que no decorrer dos tempos passou a povoado e foi denominado Mundo Novo, com praticamente todos sendo descendentes do fazendeiro que deu nome ao município vizinho. Como já havia outra localidade bem mais antiga com o nome de Mundo Novo, resolveram mudar para América. As pessoas se referiam ao lugar como América dos Dourados, passando, tempos depois, para América Dourada.

Nasce então o distrito de América Dourada, pela Lei Estadual nº 1090, de 22-07-1915, subordinado ao Município de Morro do Chapéu. Pela Lei Estadual nº 1896, de 02-08-1926, o Distrito de América Dourada foi transferido do Município de Morro do Chapéu para constituir o novo Município de Irecê. A emancipação do município com a denominação de América Dourada vem pela Lei Estadual nº 4399, de 25-02-1985, desmembrado de Irecê. Hoje, além do distrito sede, América Dourada é constituído de mais 3 distritos: Belo Campo, Prevenido e Soares, todos criados pela mesma lei. O município foi oficialmente instalado em Instalado em 1º de janeiro de 1986.

A população do município deve chegar próximo aos 17 mil habitantes no novo censo. Sua área total é de 743,889 km², com uma densidade em torno dos 23 habitantes por km2. O clima é semiárido e sua distância para Salvador é de 430 kms. Faz limites com João Dourado, Lapão, Cafarnaum, Morro do Chapéu e Irecê. É um grande polo de plantação de feijão, mas hoje sua economia está muito diversificada. A cidade é administrada pelo prefeito Joelson Cardoso do Rosário, do PL. Como Heliópolis, sua festa mais conhecida é a do São Pedro, quando a população da cidade quadriplica.

Percorremos mais 50 kms e chegamos à cidade de Irecê. O município se localiza região setentrional da Chapada Diamantina. Sua população deve ultrapassar a marca dos 75 mil habitantes e é conhecida por sua produção agrícola, e chamada de "Capital mundial do feijão" durante décadas. Hoje, o feijão está em declínio e há muito mais elementos geradores de riqueza em seu território. Irecê é um nome indígena, dado por Teodoro Sampaio, em substituição ao antigo nome Carahybas. Irecê significa “pela água, à tona d’água, à mercê da corrente”. Isso pode representar muito para sua realidade. Caso seja um ano chuvoso, riquezas brotam de suas terras.

Mas a história começa muito antes. Em 1624, a Bahia começou a ser invadida pelos holandeses. Naquela época um homem se destacou, porque lutou bravamente contra os invasores. Chamava-se Antônio de Brito Corrêa, pai de Antônio Guedes de Brito. Este último residia em Morro do Chapéu, desde o ano de 1663 e carregava no sangue a valentia do pai. Em sua época, a região do Rio São Francisco vivia atormentada por bandidos, mamelucos e negros aquilombados. Incumbido pelo rei de Portugal para pacificar a região do São Francisco, Antônio Guedes de Brito entrou em ação e em pouco tempo trouxe de volta a paz em toda a região. Como recompensa, o rei lhe deu uma sesmaria remuneratória de 160 léguas de terras, que abrangia a área de terras de Irecê e de diversas outras cidades da região, transformando-o no maior latifundiário de toda a Bahia.

O Conde da Ponte, João de Saldanha da Gama Mello Torres Guedes de Brito, e a Condessa da Ponte, D. Maria Constança de Saldanha Oliveira e Souza, desmembraram, no dia 21 de fevereiro de 1807, a sesmaria remuneratória. Retiraram da grande sesmaria uma porção de terras que denominaram Barra de São Rafael e venderam para Filipe Alves Ferreira e Antônio Teixeira Alves, pela quantia de 1.200$000 (um conto e duzentos mil réis). Em 21 de fevereiro de 1807 foi um marco para a história de Irecê, porque nesta data comercializou-se, pela primeira vez, os terrenos onde se ergueu a atual cidade de Irecê, conhecida naquela época como Lagoa das Caraíbas ou Brejo das Caraíbas. Como se tratava de um latifúndio gigantesco, Barra de São Rafael foi desmembrada. Do grande latifúndio retirou-se uma porção de terras denominada Lagoa Grande, que foi vendida a Joaquim Alves Ferreira, Joaquim Gomes Pereira e Domiciano Barbosa Pereira, os quais venderam para João José da Silva Dourado em 29 de agosto de 1840.

No ano de 1877, Antônio Alves de Andrade, Hermógenes José Santana, Sabino Badaró, Joaquim José de Sena, Deoclides José de Sena, José Alves de Andrade, Benigno Andrade, entre outros, chegaram em Lagoa das Caraíbas e encontraram abundantemente água, caça e terrenos férteis, requisitos básicos para a sobrevivência deles. Estes moradores habitaram inicialmente embaixo duma quixabeira secular, que se encontra até os dias de hoje na Av. Tertuliano Cambuí, no quintal da casa de dona Nita. Depois construíram suas casinhas de enchimento, desmataram parte das terras e começaram a desenvolver a agricultura e a pecuária.

Anos depois, chegaram aqui os herdeiros dos terrenos, entre eles Martiniano Marques Dourado e Clemente Marques Dourado, descendentes de portugueses. Estes cidadãos e muitos outros promoveram o desenvolvimento de Irecê, produzindo milhares de arroubas de algodão, criando centenas de cabeças de gado e trazendo produtos de fora para serem vendidos entre os habitantes locais. Estes herdeiros da fazenda Lagoa Grande fizeram uma expedição para conhecer seu enorme latifúndio, já habitado por pessoas estranhas. A expedição chegou ao lugar denominado "Mundo Novo" que mais tarde se tornou distrito de Morro do Chapéu e atualmente é o município de América Dourada. A história dá o título de fundador de Caraíbas a Aristides Rodrigues Moitinho, que juntamente com Teotônio Marques Dourado Filho e com o Cel. Terêncio Dourado, chefe de polícia da Bahia, conseguiram criar em 1906 um distrito de Paz e subdelegacia de Polícia de Morro do Chapéu, com a denominação de Caraíbas.

Sempre ancorado na agricultura, Caraíbas cresceu e vira município em 02/08/1926, pela lei 1896, assinada pelo governador Góes Calmon, com a denominação de Vila de Irecê. Até hoje o 2 de agosto é considerado a data do aniversário da cidade. No entanto, por não ter renda suficiente que o caracterizasse como município, foi anexado a Morro do Chapéu, em 8 de Julho de 1931, pelo decreto nº 7 479. Mas isso durou menos de dois anos. A independência política de Irecê aconteceu de fato a partir do ano de 1933, através do decreto 8.452, de 31 de maio de 1933, assinado pelo governador Juracy Magalhães, restaurando o então extinto município.

Estávamos decididos a dormir na cidade e seguir viagem ao Centro Oeste no outro dia. Resolvemos visitar duas pessoas da nossa mais alta estima. Fomos logo ao encontra de Meyre Joyce Souza Figueiredo, ou simplesmente Meirinha, ex-vereadora da Rede Sustentabilidade de Irecê e atual secretária de comércio, indústria, serviços, micro e pequena empresa da Prefeitura Municipal de Irecê, administrada pelo prefeito Elmo Vaz, reeleito em 2020. Depois de debatermos sobre a política local e os passos futuros, Meirinha nos levou ao escritório de João Gonçalves de Souza, que também já foi secretário da prefeitura por duas oportunidades. João nos ofertou um queixo especial, mel e cocada, produzidos em Irecê. Foi o nosso lanche, almoço e jantar do dia seguinte. O queijo alimentava tanto que a gente não sentia fome. Depois das visitas, fomos para o Radar Inn Hotel, localizado na Avenida 1º de Janeiro, via que cruza a cidade ligando as rodovias BA 052, BA 148 e BA 432. Era hora do merecido repouso, antes de partir para Xique-Xique e Barra.