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Carinhanha - Cidades do Velho Chico 22

Por uma nação sem reis e sem bobos

Os bobos são os sustentáculos ideológicos dos reis. Não pensam,
apenas difundem o pensar do monarca. (foto: Pngegg)

Um texto de Luiz Fernando Veríssimo lembra que muitos reis e líderes políticos chegaram a bobos, mas nunca um bobo virou líder ou rei. Associo este pensamento a um conto de Machado de Assis, Aurora sem dia, que tem como protagonista o Luís Tinoco, sujeito vítima de uma ideia fixa. Com estas preciosidades nas mãos, posso tentar entender o que permeia nosso convívio em pleno século 21, a ponto de percebermos que, apesar de termos feito tanto, ainda somos os mesmo e vivemos como nossos antepassados, ampliando no tempo a máxima de Belchior.

É difícil escrever sobre o presente porque sempre ficamos tentados a tomar algum partido. Numa época dicotômica entre o nós e o eles, todos os vós serão execrados. Não há espaço para o desvio de pensamento. É como se fôssemos um trem caminhando para o futuro, deslizando sobre dois trilhos. Ora olhamos para a direita, ora para a esquerda. Não percebemos que a velocidade é a mesma e que o trem não é um Bala, mas uma Maria Fumaça. E são vários os fatores que empurram esta marcha lenta: os reis, os bobos e os assessores. Estes últimos estão espalhados na mídia, na prestação de serviços, nos cargos comissionados ou nos esperançosos de um dia ocupar tais espaços.

Dos assessores falaremos em outra época. Hoje, vamos nos dedicar aos reis e aos bobos. E aqui é preciso entender reis como aqueles que estão, mesmo temporariamente, assumindo cargos de comando ou liderando o lado oposto, sem necessariamente ser, de fato, oposição. Sei que parece confuso entender, mas Bolsonaro e Lula representariam os dois trilhos. Nesta análise não entram outros desejosos de reinar, por exemplo, Ciro Gomes, Sérgio Moro e demais. O ex-governador do Ceará tenta desconstruir os dois trilhos para, no futuro, ser um deles. Já o ex-juiz seria o reformulador dos dois trilhos e, sobre eles, colocaria uma nova e moderna locomotiva, mas isso ninguém quer. Seria tirar o doce já na boca da criança. Os demais repetem Ciro, com diferentes nuances.

Os dois reis deste texto estão enferrujados. Com discursos repetitivos, recebem o feedback dos bobos da corte. Como o bobo aplaude, o rei repete. Como a nenhum bobo é dado o direito de pensar, mas de apenas repetir o que o rei fala, sem questionar, os reis vão continuar sua ladainha. Palavras como comunista, fascista, imperialista e outras soam falsas num mundo globalista como o nosso. Quando são pronunciadas, o que mais aparecem são as rugas. Um rei está velho, no sentido ideológico e não físico, quando, para acalentar seus bobos, pregará mais o passado que o futuro. Populismo e descrença na ciência são fortes sinais de envelhecimento ideológico.

Os bobos? Bem, estes são divertidos para os reis e trágicos para a evolução do mundo. Quanto mais bobos habitarem este país, mais longe estaremos da mais perfeita sociedade possível. Eles não são maus, mas podem virar uma arara se o rei quiser. São humanos e cordiais, mas podem virar truculentos e raivosos por determinação e vontade do rei. Os bobos são a voz amplificada do todo poderoso no trono e foram feitos para não pensar: animam o rei e propagam suas ideias. Odiar o outro, o STF, Sérgio Moro, as vacinas, a ciência, os homossexuais, os artistas etc, sem conhecimento de causa, é típico dos bobos.

Os assessores, oportunistas da hora, criam mecanismos ideológicos com seus reis e difundem para a massa de bobos. Um assessor pode virar rei, um rei pode continuar rei por muito tempo. Assessores e reis podem um dia virarem bobos, mas um bobo jamais virará rei, exceto se ele se rebelar e começar a raciocinar. Precisa ter, acima de tudo, conhecimento e usá-lo para o bem comum. Se um ser pensante, que um dia foi bobo, chegar ao trono, não pode agir como os reis que temos. Este ciclo tem que ser quebrado. Precisamos de mais seres pensantes para corrermos velozmente num trem bala em direção ao futuro, numa velocidade tal que nem percebamos os trilhos.

Não há necessidade dos bobos tomarem a consciência de Luís Tinoco. Por anos, o personagem machadiano alimentou o desejo de ser poeta de renome. Um dia, tomado de forte realidade, percebeu que seus poemas eram pobres e que ele não nasceu para a coisa. Luís abandonou tudo. Os bobos precisam continuar, de uma forma ou de outra, inertes intelectualmente para alimentar os reis, ou, com pensamento crítico desgarrado das ideologias aprisionadoras, para alimentar o surgimento de uma nova sociedade. Só assim teremos uma nação sem bobos e sem reis.  (Landisvalth Lima)