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Neópolis - Cidades do Velho Chico - 31

A portaria da discórdia

                                                Landisvalth Lima
O Dr. Antônio Carlos falando aos professores (foto: Landisvalth Lima)
Tenho convicção de que este artigo alcançará poucas pessoas. Ele trata da nossa educação. É um assassinato sem corpo, um acidente sem estragos explícitos ou uma bomba que deu xabu. Isso não interessa muito, mas asseguro que a reunião acontecida nesta quarta-feira (22) no Fórum da Justiça de Poço Verde, em Sergipe, foi um tiro certeiro na esperança de quem ainda acreditava no soerguimento da escola pública do estado.
Lá estavam vários professores das escolas João de Oliveira, Sebastião da Fonseca, Epifânio Dórea e Antônio Muniz, todas da cidade de Poço Verde. Foram convocados pelo Ministério Público de Sergipe. O promotor da cidade, Dr. Antônio Carlos, deixou claro no início que aquela audiência pública se destinava a elaborar estratégias de cumprimento da Portaria 6864/17, que está colocando em polvorosa os professores do Estado de Sergipe.
Antes do debate acalorado sobre o conteúdo da portaria, o promotor passou a palavra para Estéfanni Cellina, voluntária do movimento Projeto Educação 100%, da Promotoria de Lagarto. Ela proferiu palestra sobre Linguagem Afetiva. Em seguida foi a vez de Rejane Brito Guimarães falar sobre Avaliação. Ela teve o auxílio de Helisleyde Lisboa. Ambas as palestras foram pautadas em referencial teórico já do conhecimento dos professores, mas o alvo era fazer com que os presentes usassem uma linguagem suave nas inevitáveis críticas à indigitada portaria, que, por mera coincidência, quer alterar a forma de se fazer avaliação nas escolas públicas do estado.
Depois de aberto o debate para sugestões de como colocar em prática a portaria publicada em agosto deste ano, em pleno meio do ano letivo, as reclamações caíram como água de cachoeira. Antes, é preciso entender o que quer o secretário de estado da educação do estado de Sergipe, professor Jorge Carvalho. A grande pergunta é: Por que não no início do ano, para que os professores pudessem elaborar os seus planos de acordo com o conteúdo da portaria? No mínimo, não há a menor vontade de melhorar a educação no estado ou a portaria atende a interesses outros.
No documento em questão vêm estabelecidas as diretrizes para implementação do programa de intensificação de aprendizagem. Esta expressão pomposa, com cara de fundamento da Pedagogia do Amor, é, na verdade, uma tentativa governamental de forçar a melhoria dos números catastróficos que estão por vir. Já não é mais segredo, a educação pública de Sergipe está no fundo do poço. Os números de abandonos e de reprovados serão os maiores já registrados. É isso que o professor Jorge Carvalho quer evitar para que não seja uma mancha na sua rica biografia. Também, circulam nos bastidores que o Governo de Sergipe está providenciando um polpudo empréstimo e precisa melhorar os índices de aprendizagem. Mas ainda não há confirmação disto.
Curioso é que a Portaria 6864/17 obriga todos os professores a reavaliar os alunos que tiveram média inferior a 6,0. O professor deve buscar outros meios para que o aluno possa praticar o direito de assimilar o conhecimento. O disfarce é um rastro para o crime confessado: melhorar os números. E como disse o promotor, de forma nítida e clara, “todos sairão daqui com o compromisso de cumprir a portaria. Isto não está em discussão, mas aqui debateremos sugestões para colocá-la em prática.”, determinou o promotor. Ou seja, passamos uma tarde inteira discutindo uma coisa que foi imposta. É como saber que vamos levar uma facada, só nos restando escolher o local do corpo a ser desfechado o golpe.
O que mais deixou os professores indignados é que já há providências das escolas para evitar uma catástrofe maior, mas elas estão sendo ignoradas completamente pela secretaria de educação. Ficou a impressão de que só nos resta a vassalagem serviçal ao que determina o documento. Pior é saber que nada disso vai melhorar o processo de ensino e aprendizagem. Poderá talvez servir para outras coisas. Quem sabe o estado se sirva da ignorância para conseguir dinheiro com o fim lícito de iludir os desprovidos de saber, usando uma linguagem bem afetiva.
Por fim, calejado nesta estrada de 35 anos, procurando o renovar para o melhor servir, assisto à educação pública descendo ladeira a baixo. Constato, triste e impotente, que um único homem, com uma só canetada, de forma autoritária, colocou de joelhos tantos profissionais. Logo ele que, num passado não muito distante, foi meu professor, e de tantos, na Universidade Federal de Sergipe. Só acho que não é o mesmo ser porque o perfil é outro bem oposto. Além de Jorge Carvalho, lamento a atuação do Sintese. Até aqui o sindicato não tomou nenhuma providência para tentar revogar esta portaria inoportuna. É que eles estão ocupados em atazanar os golpistas, o imperialismo americano e a Rede Globo.