Heloísa Helena: história de resistência e verdade
A ex-senadora que chamou a
atenção do mundo está hoje na Rede Sustentabilidade e quer ajudar Marina Silva
a consolidar uma identidade para a militância do partido
Heloísa Helena em Seabra-BA (foto: Landisvalth Lima) |
O nome dela é Heloísa Helena
Lima de Moraes Carvalho. Nasceu na cidade de Pão de Açúcar, no estado de
Alagoas, às margens do Rio São Francisco. Completou no último dia 6 de junho
seus 55 anos de vida, boa parte deles dedicados à luta contra as mazelas que
insistem em tomar conta do país. Ao olhar para ela, para os seus cabelos já
repletos das mechas brancas confirmadoras dos nascidos em 1962, ninguém jamais
imaginaria tratar-se de uma mulher que desafiou boa parte dos coronéis da política
deste país. Amável, sempre sorridente, solícita com todos e dona de uma
capacidade ímpar de ouvir humildemente. Uma vez na tribuna, com o microfone na
mão, ela não deixa para amanhã as verdades que devem ser ditas hoje.
Heloísa Helena parece que ainda
não se cansou da luta, embora tenha já afirmado o ano passado que estava
aposentada das urnas. Todos se lembram que ela foi a 3ª colocada nas eleições
presidenciais em 2006, foi a primeira senadora eleita pelo estado de Alagoas, e
pelo PT. Expulsa do Partido dos Trabalhadores em 2003, fundou o PSOL em 2006.
Teve a coragem de deixar a presidência da legenda quando o PSOL resolveu apoiar
Dilma Rousseff. Foi ainda deputada estadual e vice-prefeita de Maceió. Sem
ligação com o estrelismo, disputou e ganhou dois mandatos seguidos de vereadora
em Maceió.
Heloísa Helena é atualmente presidente
da fundação ligada à Rede Sustentabilidade e também assumiu a coordenação da
organização partidária. Sempre foi ligada, desde muito jovem, aos movimentos
sociais. Durante a década de 1990, participou, no PT em Maceió, de ações que
visavam à defesa de minorias e segmentos sociais menos favorecidos. Candidata
pela primeira vez em 1992, se elegeu vice-prefeita de Maceió na chapa do então
governador Ronaldo Lessa (PSB). Dois anos depois, foi eleita deputada estadual,
a primeira pelo PT em Alagoas.
Em 1996, certamente não gostando
dos rumos tomados pelo grupo político que ajudou a chegar ao poder, rompeu com
Lessa e candidatou-se à Prefeitura de Maceió contra a então secretária da saúde
do município, Kátia Born (PSB), que acabou eleita. Mesmo liderando as pesquisas
desde o início do processo eleitoral, foi derrotada no segundo turno. Em
outubro de 1998, Heloísa Helena, ainda no PT, é eleita com 374.931 votos como a
primeira senadora mulher da República Federativa do Brasil, por seu estado natal,
derrotando o então senador Guilherme Palmeira, do então PFL. Heloísa Helena é formada em Enfermagem e virou
professora de Epidemiologia da UFAL – Universidade Federal de Alagoas.
A ex-senado parece incansável na luta para fazer este país melhor (foto: Landisvalth Lima) |
No senado, Heloísa Helena foi a
principal pedra no sapato no neoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso e do
PSDB. Acusava o governo do desmantelamento das políticas sociais, do Estado e
da economia nacional, produzindo o mais amplo processo de exclusão social já
visto no Brasil, levando desespero a milhares de trabalhadores brasileiros.
Chegou a assumir a vice-presidência da Comissão de Assuntos Sociais do Senado e
era titular do Conselho de Ética do Senado. Não é necessário dizer que sua
participação era garantia de debate constante e de combate às desigualdades
sociais. Graças à atuação marcante, virou Líder da Oposição em 2000. Heloísa
também apoiou o pedido de impeachment contra FHC no segundo mandato dele,
envolvendo a questão do PROER. Aliás, a ex-senadora sempre foi coerente. La viu
o PT pedir o impeachment de todos os presidentes da república eleitos pelo voto
popular após a redemocratização.
Ao contrário do PSOL e parte da
Rede, Heloísa viu o impeachment de Dilma como um ato legal. Agora na Rede,
Heloísa não entende como a esquerda brada a saída de Dilma como um golpe,
embora reconheça que a legitimidade do cargo de Temer não significa
legitimidade política. Essa coerência trouxe muitos problemas para Heloísa. Em
2002 se recusou a ter como vice um político do PL e renunciou à candidatura ao
governo de Alagoas. Não queria aliança política com seguidores de Fernando
Collor e políticos ligados ao narcotráfico. No ano seguinte, com a vitória de
Lula, a última coisa que o PT queria era uma petista coerente. Não aprovou a
política econômica do PT e se negou a ratificar o nome de Henrique Meireles
para o Banco Central. Além disso, a então senadora teria que engolir o nome de
Sarney para presidência do Senado. Era demais para sua biografia. O embate com
o governo do PT foi inevitável. Hoje, a
reforma da Previdência, que está fazendo petistas bradarem seus ideais
socialistas e revolucionários contra o “governo golpista”, lembra muito a saída
de Heloísa Helena do PT. Por entender que o projeto tiraria direitos dos
servidores públicos, Heloísa votou contra. Foi expulsa do PT.
Heloísa Helena com os representantes da Rede em Seabra-BA (foto: Landisvalth Lima) |
Não dá para entender hoje como
José Dirceu e José Genoíno, praticamente os responsáveis pela expulsão dos
petistas naquela época, mesmo envolvidos em maracutaias, são considerados heróis
do Partido dos Trabalhadores. Enquanto isso, Heloísa Helena segue sua
trajetória e, até aqui, não recebeu o reconhecimento dos chamados “esquerdistas”.
Mas a ex-senadora deve ter engolido seco quando viu o partido que ela criou, o
PSOL, com os expulsos e não reconhecidos do PT, apoiar o próprio algoz, mesmo
depois de tanta denúncia envolvendo corrupção e desmonte da Petrobras. Já vereadora em Maceió, num discurso
histórico, disse que o PT frustrou as expectativas dos socialistas brasileiros,
porque não transformou o Brasil em uma nação socialista e não resolveu a triste
estimativa de dezesseis milhões de brasileiros vivendo em situação de pobreza
extrema.
Mas a luta de Heloísa foi
reconhecida, claro, não por socialistas. Estes têm uma dificuldade em
reconhecer os verdadeiros batalhadores. Precisam de mitos, jamais da realidade.
Em 2005 foi agraciada, pelo Governo do Estado de Alagoas, com a Medalha
Marechal Floriano Peixoto. Ainda no mesmo ano recebeu a Medalha de Mérito Pedro
Ernesto, concedida pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Também em 2005 foi
eleita pela revista Forbes a mulher mais influente na política e no legislativo
Brasileiro. Para fechar o ano glorioso, em dezembro, os profissionais de
comunicação, agência de publicidade e leitores da Revista Isto É Gente elegeram
Heloísa Helena como Personalidade do ano de 2005.
Sempre amável e sorridente com a militância (foto: Landisvalth Lima) |
Agora, Heloísa é bem recebida na
Rede, mas ecoam ainda o martírio sofrido na sua caminhada política. Teve
candidaturas impugnadas, boatos espalhados para prejudicar sua candidatura, silêncio
da imprensa do seu estado e outros senões. Mesmo assim, parece ainda ter
energia para uma longa caminhada. Se depender da disposição demonstrada em discurso
feito no encontro da Rede na cidade de Seabra-BA, não há dúvida de que Marina
Silva recebeu extraordinário reforço para as eleições de 2018. Como também
participa da organização do partido, Heloísa Helena tem uma missão difícil: dar
identidade à Rede Sustentabilidade. O partido não pode entrar na velha
dicotomia política do nós contra eles. Precisa ser uma real alternativa, uma
terceira via independente, distante dos chavões da esquerda ultrapassada, sem
perder sua opção pelo social, pela ética e pela luta pelo progresso
sustentável. Não pode, como fez o PSOL, virar satélite rebelde do PT.
Por tudo isso, é preciso
reconhecer que Heloísa Helena hoje está acima dos partidos. Como Marina Silva,
representa a marca da luta de um país que se nega ao não ser. É uma
personalidade que vai além das agremiações políticas, que não se contenta apenas
em ver a casa arrumada, porque sempre é possível ir além das possibilidades.
Heloísa Helena é hoje patrimônio político do Brasil e símbolo daqueles que têm
a capacidade de dizer sempre a verdade.