Em livro, Mujica diz que Lula se
referiu ao mensalão como "única forma de governar o Brasil'. O
ex-presidente uruguaio relatou ainda que fazer política em Brasília sem se
envolver com corrupção é praticamente impossível.
Lula e Mujica em encontro de 2010 (foto:Pablo Porciuncula/AFP) |
O ex-presidente uruguaio José
Mujica revela em livro sobre sua passagem pela presidência que o ex-presidente
Lula confessou o crime do mensalão para ele. A obra Una Oveja Negra al Poder
(Uma ovelha negra no poder, em tradução livre), escrita pelos jornalistas
Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz com depoimentos de Mujica, relata que, em
2010, ao conversarem sobre o escândalo do mensalão, que consistia em compra de
apoio político no Congresso, o petista teria dito ao presidente uruguaio que
aquela era "a única forma de governar o Brasil".
"Lula não é um corrupto
como [Fernando] Collor de Mello e outros ex-presidentes brasileiros",
disse Mujica no livro, "mas viveu esse episódio [do mensalão] com angústia
e um pouco de culpa". Ainda segundo o relato, o assunto mensalão veio à
tona durante uma reunião feita em Brasília nos primeiros meses de 2010, e Lula
teria dito textualmente: "Neste mundo tive que lidar com muitas coisas
imorais, chantagens". E logo em seguida completou: "Essa era a única
forma de governar o Brasil". Mujica afirma que o ex-vice-presidente
uruguaio Danilo Astori também estava na sala e ouviu a declaração do petista.
Nesta semana, em entrevista ao
El País sobre o lançamento do livro, Mujica classificou de
"inexplicáveis" os escândalos de corrupção que ocorrem no Brasil. Ao
jornal espanhol, o ex-presidente uruguaio afirmou que qualquer envolvimento de
dinheiro na política abre o precedente para a ação de corruptores. "A
esquerda morre quando a cobiça de se fazer dinheiro entra na política. Por que
a corrupção prolifera tanto? Parece sensato que pessoas de 60, 70 anos se
emporcalhem com uns pesos imundos? Eles sabem que têm pouca vida pela frente. O
tema de ter dinheiro para ser alguém pode ser uma ferramenta de progresso no
mundo do comércio, onde se correm riscos empresariais, mas estamos fritos
quando se mete na política. Isso aconteceu na Itália, em parte da Espanha. É
inexplicável o que se passa no Brasil", declarou.
Na obra, ainda sem data de
lançamento no Brasil, Mujica fala sobre os cinco anos em que esteve no governo
e discorre sobre temas relevantes para a política latino-americana. Para ele,
fazer política no Brasil sem se envolver com corrupção é praticamente
impossível. "A democracia moderna é muito cara. O Brasil é muito grande,
tem Estados que são como países. Existem partidos locais, e a legenda que ganha
o governo nacional precisa negociar com eles. Aí acontece de tudo", disse.
Argentina - O uruguaio também
recordou que o vice-presidente da Argentina, Amado Boudou, enfrenta uma série
de processos na Justiça. Na terça-feira, Mujica participou de um evento no país
e disse já ter visto a presidente Cristina Kirchner "enraivecida como uma
aranha má, como se estivesse ofendida ou ressentida". Em seguida, saiu em
defesa da mandatária, com quem teve divergências durante o período em que
ocupou a presidência uruguaia. "Depois, naturalmente, ela sempre defendeu
os interesses que considera pertencentes à nação argentina. A meu ver, ela o
fez em algumas vezes de forma acertada e, em outras, equivocadamente",
afirmou.
Como no Uruguai não existe
reeleição, Mujica não concorreu à Presidência no ano passado e deu lugar a Tabaré
Vásquez, do seu partido de esquerda Frente Ampla. Mujica foi eleito para o
Senado pelo Frente Ampla e, aos 80 anos, disse não ter perspectiva de retornar
ao Executivo. "Sigo como uma referência, mas não sei como vou estar daqui
cinco anos. Tenho 80, pensar nos 85 é muito corajoso, não?", brincou.
Da redação de VEJA.