No rastro do dinheiro da
Propinobrás
Entenda como o esquema na
Petrobras abasteceu o caixa de aliados do governo e conheça os novos nomes
denunciados pelo ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa na delação
premiada
Mário Simas Filho, Sérgio
Pardellas e Josie Jerônimo – do portal da revista ISTOÉ.
Paulo Roberto Costa: o homem bomba |
Há duas semanas, uma equipe
composta por integrantes da Polícia Federal e do Ministério Público trabalha
arduamente para detalhar como funcionaria o propinoduto instalado na Petrobras
para abastecer políticos aliados do governo Dilma Rousseff. Até agora, eram
conhecidos trechos da delação do ex-diretor de Abastecimento e Refino da
Petrobras Paulo Roberto Costa, considerado o maior arquivo vivo da República.
Em depoimento à Polícia Federal, o ex-executivo da estatal entregou nomes de
políticos e empresas que superfaturaram em 3% o valor dos contratos da
Petrobras exatamente no período em que ele comandava o setor de distribuição,
entre 2004 e 2012.
Já se sabia que dessa lista
faziam parte figuras graúdas da República, como os presidentes do Senado, Renan
Calheiros, e da Câmara, Henrique Eduardo Alves, o ministro de Minas e Energia,
Edison Lobão, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral, a governadora do Maranhão,
Roseana Sarney, João Vaccari Neto, secretário nacional de finanças do PT, Ciro
Nogueira, senador e presidente nacional do PP, Romero Jucá, senador do PMDB,
Cândido Vaccarezza, deputado federal do PT, João Pizzolatti, deputado federal
do PP, e Mário Negromonte, ex-ministro das Cidades, do PP, e até o
ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, morto em acidente aéreo no mês passado.
No entanto, a relação de nomes entregue pelo ex-executivo da Petrobras é ainda
mais robusta. ISTOÉ apurou com procuradores e fontes ligadas à investigação
que, além desses políticos já citados, também foram delatados por Paulo Roberto
Costa o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o governador do Ceará, Cid Gomes, e
os senadores Delcídio Amaral (PT-MS) e Francisco Dornelles (PP-RJ).
Cid Gomes, governador do Ceará: delatado |
Na semana passada, as
investigações avançaram sobre o rastreamento do dinheiro desviado. Os
levantamentos preliminares já confirmaram que boa parte da lista de
parlamentares e chefes de governos estaduais contemplada, segundo o delator,
pelo propinoduto da Petrobras, tem conexão direta com as empresas envolvidas no
esquema da estatal. Levantamento feito na prestação de contas registradas no
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela que cinco empreiteiras acusadas de
participar do esquema este ano doaram quase R$ 90 milhões a políticos
relacionados ao escândalo. Procuradas por ISTOÉ, as empresas envolvidas
respondem em uníssono que as doações “seguem rigorosamente a legislação
eleitoral”. A PF, no entanto, apura a origem dos recursos doados e se, além dos
repasses oficiais, houve remessas ilegais. Suspeita-se que as doações
eleitorais sejam usadas para lavar e internalizar o dinheiro depositado no
exterior. Instada a colaborar, a Justiça da Suíça, país por onde circularam
receitas provenientes de superfaturamento dos contratos da Petrobras, já deu o
sinal verde para a cooperação.
A análise do mapa de distribuição
do dinheiro para as campanhas de políticos ligados ao escândalo mostra que os
repasses financeiros nem sempre guardam relação com o perfil econômico dos
Estados. Essa constatação intriga a PF. É o caso de Alagoas, Estado do presidente
do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), um dos personagens citados no testemunho
do delator. Em uma unidade da federação em que as principais atividades são a
indústria açucareira e o turismo, as empreiteiras contratadas pela Petrobras
não têm nenhum interesse de investimento ou projetos no estado. Mesmo asism,
abarrotaram o caixa de campanha de Renan Filho (PMDB), herdeiro político do
senador. Cinco empresas relacionadas ao esquema entraram com R$ 8,1 milhões na
campanha, o equivalente a 46,8% dos R$ 17,3 milhões arrecadados pelo diretório
estadual do partido, presidido pelo parlamentar.
No fim de agosto deste ano, um
cheque de R$ 3,3 milhões da Camargo Corrêa irrigou o caixa controlado por
Renan. Para que os recursos não saíssem diretamente para a campanha do filho do
presidente do Senado, o dinheiro foi pulverizado em campanhas de deputados
estaduais de diferentes partidos que compõem a coligação formada em torno de
Renan Filho. Partidos como PDT, PT, PCdoB e PROS dividiram os recursos. O
senador reagiu indignado ao vazamento do acordo de delação e negou proximidade
com a diretoria da Petrobras. “As relações nunca ultrapassaram os limites
institucionais”, afirma o parlamentar alagoano. A Camargo Corrêa foi levada à
investigação da PF pelo doleiro Alberto Youssef, responsável pela lavagem do
dinheiro ilegal da Petrobras. Em uma mensagem interceptada, ele reclamou que
adiantou dinheiro à empreiteira e que não sabia como cobrar a dívida, de R$ 12
milhões, por ser amigo de diretores da empresa.
Delcídio Amaral obteve recursos para campanha |
As denúncias do ex-diretor da
Petrobras, feitas no depoimento concedido ao juiz Sérgio Moro, especialista em
lavagem de dinheiro, atingiram as duas principais autoridades do Poder
Legislativo. Além de Renan, Costa também mencionou o presidente da Câmara, Henrique
Eduardo Alves (PMDB-RN), como beneficiário do esquema criminoso. Alves viveu
por semanas a pressão de submeter o deputado André Vargas (PT-PR), amigo do
doleiro Youssef, às instâncias do conselho de ética da Casa. Agora, ele próprio
se vê envolvido na incômoda lista de políticos apontados pelo delator. Alves
nega ter recebido recursos de Paulo Roberto Costa, mas, a exemplo de Renan, tem
a campanha abastecida por empresas situadas no epicentro do escândalo. Henrique
Eduardo Alves lidera a corrida ao governo do Rio Grande do Norte. Até agora,
recebeu R$ 6,7 milhões de três empreiteiras apontadas no esquema de desvio de
verbas da estatal. A relação do presidente da Câmara com a Petrobras é antiga.
Sua influência nos quadros da estatal alcança desde grandes postos no Rio de
Janeiro até a gestão da Refinaria Clara Camarão, no seu Estado. Só para alojar
um apadrinhado na refinaria, o presidente da Câmara ordenou em 2012 a
constituição de uma nova gerência de serviços especiais. Trata-se de Luiz
Antônio Pereira. Um ano antes, a refinaria Clara Camarão havia passado por um
pente fino do TCU e o tribunal encaminhou a auditoria para o Ministério
Público, com o objetivo de esmiuçar indícios de superfaturamento e contratos
sem licitações que marcaram a gestão da obra.
Deputado Eduardo Cunha (PMDB): envolvido |
Incluído também na lista do
ex-diretor da Petrobras, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) viu brotar na conta
bancária do diretório partidário que preside em Roraima recursos provenientes
das empreiteiras citadas no esquema. A OAS, Andrade Gutierrez e UTC doaram,
juntas, R$ 1,6 milhão ao projeto político do PMDB no Estado. O valor que as
empreiteiras repassaram à sigla de Jucá é maior do que os recursos transferidos
das empreiteiras para o PSB, partido do cabeça de chapa da coligação do PMDB: o
comitê do candidato ao governo Chico Rodrigues, que tem o filho de Jucá, Rodrigo
Jucá, como candidato a vice, arrecadou R$ 615 mil.
Em seu depoimento à PF, Paulo
Roberto Costa revelou que as empreiteiras contratadas pela Petrobras eram
obrigadas a fazer doações para um caixa paralelo de partidos e políticos
integrantes da base de sustentação de Dilma. Seguindo o rastro do dinheiro, a
investigação mostra que, até agora, as empresas contratadas pela Petrobras
engordaram o caixa do PMDB em R$ 15,5 milhões. Enquanto os peemedebistas adotam
um método pulverizado de doação de campanha, o PT é o que concentra a maior
fatia do dinheiro das empresas citadas no escândalo. Andrade Gutierrez, OAS,
Queiroz Galvão, Engevix e UTC destinaram R$ 28,5 milhões à direção nacional do
PT. À candidata Dilma Rousseff, R$ 20 milhões foram repassados pela OAS e
outros R$ 5 milhões pela UTC.
A rede de corrupção guarda íntima
relação com problemas de gestão identificados pelos órgãos de fiscalização na
execução de outras obras de refinarias. No Maranhão, a pressa política do PT em
apresentar a pedra fundamental da Refinaria Premium custou R$ 84,9 milhões à
Petrobras. O lançamento foi feito sem o projeto básico e o consórcio de
empreiteiras contratado atrasou o início das obras, pois os terrenos ainda
estavam sub judice. Ainda no Estado maranhense, o filho do ministro de Minas e
Energia, integrante da lista de Paulo Roberto Costa, e candidato do PMDB ao
governo do Maranhão, Lobão Filho, recebeu para sua campanha R$ 500 mil da
empresa Andrade Gutierrez. A PF apura ligações do candidato com a empresa
fornecedora de material para a construção da refinaria, no município de
Bacabeira. O ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau atua há muito tempo
nessa área para a família do ex-presidente José Sarney (PMDB), pai da
governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Quando saiu do ministério, Rondeau foi
trabalhar na Engevix, uma das cinco empreiteiras abraçadas pelo escândalo.
Recém-incluído na rumorosa
relação do delator, o senador petista Delcídio Amaral também obteve recursos
para sua campanha de empresas mencionadas como integrantes do esquema. A
campanha de Delcídio ao governo de Mato Grosso do Sul recebeu R$ 622 mil da OAS,
R$ 2,8 milhões da Andrade Gutierrez e R$ 2,3 milhões da UTC. Entre 2000 e 2001,
Delcídio ocupou a diretoria de Gás e Energia da Petrobras. Com a eleição de
Luiz Inácio Lula da Silva para presidente, em 2002, ele se transferiu do PFL
para o PT e apadrinhou a indicação de Nestor Cerveró, primeiro para a área de
Gás e Energia, ocupada por Ildo Sauer, e, finalmente, para a área
Internacional. Um dos depoentes da CPI da Petrobras no Congresso na última
semana, Cerveró encontra-se no rol de investigados no escândalo da estatal.
Outros três políticos que
aparecem no escândalo receberam, direta ou indiretamente, dinheiro das
empreiteiras acusadas de irregularidades nos contratos com a Petrobras. O
deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) foi agraciado com R$ 150 mil provenientes
da UTC. Já o senador Francisco Dornelles (PP) obteve R$ 400 mil da Andrade
Gutierrez e R$ 800 mil da Queiroz Galvão. À ISTOÉ, Dornelles admitiu que
conhece Paulo Roberto Costa, mas, segundo o senador, não houve qualquer
participação dele nessas doações. “Todas as doações recebidas pelo diretório do
PP no Rio tiveram como origem empresas juridicamente aptas a fazê-las”, afirmou.
O ex-ministro das Cidades Mário Negromonte foi contemplado com R$ 200 mil da
OAS e R$ 100 mil da UTC. Na delação que fez à PF, Paulo Roberto Costa menciona
ainda o governador Cid Gomes, do Ceará, com quem negociou a instalação de uma
minirrefinaria no Estado. O projeto seria apenas uma fachada para um esquema de
lavagem de dinheiro por meio de empresas que nunca sairiam do papel, conforme
ISTOÉ denunciou em abril. “Não sei quem é Paulo Roberto. Nunca estive com esse
cidadão e sou vítima de uma armação de adversários políticos”, disse o
governador Cid Gomes à ISTOÉ na tarde da sexta-feira 12.
Quando a Polícia Federal iniciou
as apurações, os investigadores tentaram abraçar um universo de temas. Sob a
guarda do juiz federal Sérgio Moro, a PF buscava provas de crimes de evasão de
divisas, contrabando de pedras preciosas e tráfico internacional de drogas, mas
tinha dificuldade para amarrar uma linha de trabalho e caracterizar a ação de
uma quadrilha. O acordo de delação do ex-diretor da Petrobras contribuiu, e
muito, para apontar um rumo. Mas, para se livrar dos 50 anos de prisão que
teria de pagar pelos seus crimes, Paulo Roberto Costa terá de trazer provas.
Todos os políticos rechaçam as acusações do delator com o argumento de que não
foram apresentadas provas. De fato, para que o depoimento do delator tenha
relevância na elucidação da rede de corrupção, Costa terá de materializar suas
afirmações. Pelo que se pode depreender até agora, as movimentações feitas com
os recursos desviados da Petrobras abrangem o caixa formal dos candidatos, como
mostra esta reportagem, e também dinheiro de caixa 2. No curso de seu trabalho
para desvendar as tenebrosas transações, Sérgio Moro deu uma ordem: não quer
depender de grampos ou suposições e vai fugir da “teoria do domínio do fato”,
método que permeou o julgamento do mensalão, o maior escândalo de corrupção dos
governos do PT.