O prazo legal para que os 417
municípios publiquem o que gastam na Internet termina amanhã, mas ainda há um
longo caminho para a Transparência.
Rafael Rodrigues – do CORREIO
Portais de Lauro de Freitas e Barreiras: existem, mas descumprem a lei |
Acaba amanhã o prazo legal para
que as 417 prefeituras baianas publiquem, na internet, tudo que gastam e que
recebem, em tempo real, além de contratos e convênios. A Lei Complementar 131,
de 2009, obriga a criação dos portais de transparência, para que a população
saiba como está sendo usado o dinheiro público, mas na Bahia ela não pegou.
Pela lei, os municípios com menos
de 50 mil habitantes têm até amanhã para abrir as contas. Mas, desde 2011, as
cidades com maior população já deveriam colocar no ar os sites de
transparência. Na Bahia, das 49 prefeituras nesta situação, 30 possuem links
para sites de transparência em suas páginas oficiais na internet, mas o serviço
não existe ou não atende a lei. Nas outras 19, apesar das informações contábeis
como as receitas e despesas estarem atualizadas, os sistemas foram feitos para
não funcionar.
Para os municípios que descumprirem a lei, a
punição é contra os cofres da prefeitura, que ficaria impedida de receber
recursos do governo federal via convênios e de contrair empréstimos. No
entanto, o órgão responsável pela fiscalização, o Tribunal de Contas dos
Municípios (TCM) reconhece a dificuldade de fazer a lei ser cumprida.
“Até hoje, a gente tem
dificuldade. Você cobra a mesma tecnologia da informação para o município de
São Paulo e para o carente do interior da Bahia. Por exemplo, tem que ter banda
larga boa e uma série de outros itens”, avalia
o coordenador de Assistência aos Municípios do TCM, Antônio Dourado.
Manobra
Dourado explica que, no trâmite
para obter verbas de convênios federais, a Secretaria do Tesouro Nacional
requisita à prefeitura uma autorização expedida pelo TCM. É na elaboração deste
documento que é verificado se o site de transparência existe e está
funcionando. “O problema é que você vê sites que, em tese, cumprem a lei, mas
apenas jogam os dados contábeis numa linguagem técnica que ninguém vai entender
bulhufas”, afirma. Há casos de simples publicação de documentos em papel
digitalizados. Segundo ele, em casos como este e na ausência de portais, a
autorização não é liberada.
A punição, entretanto, não
acontece. Mesmo com a recomendação contrária, os municípios conseguiram captar
recursos. Foi o caso de Ilhéus, que recebeu R$ 82 mil em fevereiro deste ano do
Ministério da Cultura para a construção de centros culturais, em convênio
firmado ano passado, quando a cidade já deveria cumprir as regras da
transparência. O Tesouro Nacional, por meio de assessoria, assegura que não
permite o repasse para prefeituras que não receberam pareceres favoráveis do
TCM.
Fora de padrão
Aparentemente feitos para
dificultar a fiscalização, quase que a totalidade dos portais de transparência
baianos não disponibiliza as informações como os gastos e receitas por
secretaria. Não há, também, preços unitários dos produtos e serviços, o que
permitiria apurar se há superfaturamento.
“As prefeituras cumprem a legislação, mas
precariamente. Não dá para saber quanto foi gasto na área de transporte, com
gasolina, listar os fornecedores, nada”, constata o consultor em contas
públicas, fundador e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castelo
Branco.
Ele salienta que em municípios
menores, a vigilância da sociedade seria mais efetiva com ferramentas de
transparência. “O cidadão ia poder verificar, por exemplo, se a Secretaria de
Educação comprou carne para a merenda escolar, e verificar se, de fato, seu
filho está comendo carne”, exemplificou.
Entre os critérios para avaliar um bom site,
adotados pelo Contas Abertas, está a atualização diária, um bom detalhamento,
capacidade de filtragem e pesquisa de dados, um boa quantidade de informações
antigas com ferramentas de comparação, além da possibilidade de download.
Empresas faturam alto com sites
feitos em série
Se entrarmos nos sites das
prefeituras de Araci, Bonito, Central, Wagner, Brejões, Malhada, Iaçu,
Jaguaquara, Itacaré e Guanambi, por exemplo, o leiaute é exatamente igual. Só
mudam o brasão e o nome da cidade. O coordenador da ONG Contas Abertas, Gil
Castelo Branco, explica que, após à aprovação da lei, surgiram empresas que
faturaram alto com a transparência.
Elas desenvolvem um único sistema
e vendem para centenas de prefeituras, sem sequer modificarem o desenho das
páginas. Como a maioria das prefeituras de interior não possui equipes de
informática, elas recorrem às contratações por dispensa de licitação para
adequar-se à lei. “A partir do dia 28, 4.958 prefeituras terão que colocar
contas na internet. Será o paraíso das empresas de informática, que oferecem
portais genéricos, todos igualmente ruins, cobrando uma fortuna”, pontua Gil.
Ele cita como exemplos que deram
certo sistemas de transparência desenvolvidos pelos governos estaduais de São
Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Amapá, que foram disponibilizados
gratuitamente para os municípios, com alto padrão de qualidade. “Ou o governo
da Bahia faz o mesmo, ou as cidades vão cair na mão da indústria da
informática, com grande ônus aos cofres e sem qualidade”, disse.
Em 2009, em razão da contratação
de uma dessas empresas, a Associação Transparência Municipal (ATM), a então
prefeita de São Francisco do Conde, Rilza Valentim, foi condenada pelo Tribunal
de Contas dos Municípios (TCM) a pagar R$ 20 mil de multa por ter verificado
irregularidades na contratação, por dispensa de licitação, no valor de R$ 300
mil para a implantação de um programa de transparência. Esta mesma empresa
desenvolveu sistemas, por exemplo, para os municípios de Belmonte e Amélia
Rodrigues, no valor de R$ 20 mil e R$ 42 mil, respectivamente.
Deste Blogue: E em Heliópolis?
Deste o início do mês a Câmara de
Vereadores de Heliópolis está com um portal na internet com as despesas dos
três meses iniciais da gestão da vereadora Ana Dalva (Veja aqui ). O portal está em
construção, mas as despesas já são públicas e caminha para serem feitas de
forma automática, com pagamentos sendo imediatamente públicos. Ana Dalva espera
ser pioneira nesta questão, mas há barreiras técnicas a serem vencidas. A vereadora pretende, caso haja possibilidades técnicas e custo razoável, transmitir a sessões da Câmara ao vivo. "O que é do povo tem que ser feito às claras!", afirma Ana Dalva. A prefeitura
Municipal de Heliópolis ainda não tem um portal para a prática do que solicita
a Lei e nem uma assessoria para explicar os motivos. Como tudo é novo, vamos
aguardar. Fato é que as leis de transparência estão cada vez mais exigentes e
os gestores precisam acabar com velhas práticas. Não dá mais para gastar o
dinheiro público e depois ir a busca de coberturas contábeis. Com essa nova era,
vai ficar mais difícil desviar recursos de forma ilegal. O problema é que há
gestores que já contratam empresas com certos objetivos nada republicanos e
estão mais preocupados em driblar a lei do que em cumpri-la.