Na última missa aberta ao
público, Bento XVI criticou a "hipocrisia religiosa" de quem procura
apenas "aplausos ou aprovação". Ao final, o papa deixou a sala
aplaudido pelos fiéis que lotaram a Basílica de São Pedro
JULIANO MACHADO – da revista
ÉPOCA
Papa Bento XVI celebrou nesta quarta-feira sua última missa aberta ao público (Foto: AP Photo/Gregorio Borgia) |
A quinze dias de formalizar sua
renúncia, o papa Bento XVI celebrou nesta quarta-feira (13), na Basílica de São
Pedro, sua última missa aberta ao público. Na cerimônia da Quarta de Cinzas,
que marca o início da Quaresma, Bento XVI se despediu deixando um recado
indigesto. Em sua homilia, criticou a “hipocrisia religiosa” de quem procura
apenas “aplausos ou aprovação”. “O verdadeiro discípulo não serve ao ‘público’,
mas sim ao Senhor, pela simplicidade e generosidade”, disse o papa. Em seguida,
afirmou que “a divisão eclesiástica está deturpando a Igreja, e é obrigatório
superar as rivalidades”.
Durante a missa, ficou evidente
que o papa está com a saúde debilitada. A voz era frágil e cansada, e ele pouco
se movimentou na cerimônia – chegou ao altar e saiu em um púlpito móvel, sem
caminhar pelo corredor central. No entanto, o tom de seu discurso é mais do que
suficiente para mostrar que sua renúncia não está apenas relacionada às
condições físicas. Bento XVI estava em meio a uma disputa interna de poder, já
sem o apoio de seu então braço-direito, o secretário de Estado do Vaticano,
Tarcisio Bertone. Segundo “vaticanistas” italianos, Bertone começou a tomar
decisões por conta própria no funcionamento administrativo da Santa Sé, e entre
outras interferências, estaria dificultando a punição de cardeais acusados de
envolvimento ou omissão de casos de pedofilia. Isolado e enfraquecido pela
idade, o papa talvez tenha visto que o melhor a fazer era obrigar o Colégio de
Cardeais a realizar novas eleições, em uma tentativa de reorganizar a casa.
A última celebração de Bento XVI como papa lhe reservou uma ironia. Depois de criticar aqueles sedentos por aplausos, ele mesmo foi aplaudido por mais de dois minutos. Tarcisio Bertone tomou a palavra para dizer que a “Igreja sentia uma grande tristeza em seu coração” diante da renúncia, que ele definiu como um “iluminado exemplo de simplicidade e humildade”. As palmas dos fiéis que lotaram a basílica (havia filas desde o início da manhã para a cerimônia, que começou às 17h) só foram interrompidas pelo próprio papa. Aparentemente não muito tocado pelo agradecimento de Bertone, disse “obrigado, retornemos às orações”. Minutos depois, ao passar pelo corredor central no fim da missa, novos aplausos e muita gente subindo até nas cadeiras de plástico colocadas para o público, na tentativa de ver de perto o tímido aceno de Bento XVI. Foi o adeus para o público, mas as palavras amarguradas do futuro ex-papa continuaram a repercutir nos corredores do Vaticano.