Crime de estado
Documentos em posse de ex-chefe
do DOI-Codi, morto em Porto Alegre, comprovam que ex-deputado Rubens Paiva foi
preso durante o regime militar
Michel Alecrim – da revista
ISTOÉ.
FARSA DESMONTADA Exército sustentava que Rubens Paiva teria fugido do carro que o levava para depor |
A morte de um coronel reformado
do Exército em Porto Alegre (RS), em 1º de novembro, abre a caixa-preta de um
dos episódios mais sombrios da ditadura militar. Na casa de Julio Miguel
Molinas Dias, 78 anos, provável vítima de latrocínio, foram encontrados pela
Polícia Federal gaúcha documentos que comprovam que o ex-deputado Rubens Paiva
passou pelo Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de
Defesa Interna (DOI-Codi), no Rio de Janeiro, durante o regime militar. O corpo
de Paiva nunca foi localizado, e os militares jamais admitiram responsabilidade
sobre o sumiço do político cassado pela ditadura militar (1964 a 1985). O
Exército sustentava que ele teria fugido do carro no qual era levado para
depor, beneficiado por um ataque a balas de um grupo de terroristas de
esquerda. Testemunhas, no entanto, sempre disseram que Paiva foi preso em sua
casa, no Leblon, zona sul carioca, no dia 20 de janeiro de 1971 por agentes da
Aeronáutica e, após tortura, foi morto.
Um ofício comprova não só a entrada
de Paiva na unidade do Exército como lista os objetos pessoais apreendidos. Os
papéis, agora, estão nas mãos da Comissão Nacional da Verdade, que investiga
crimes cometidos por agentes da ditadura. Filha de Paiva, a psicóloga e
professora Vera recebeu a notícia com alento. “Depois dessa descoberta, tive
ainda mais certeza do valor das causas pelas quais meu pai morreu. Ele lutou
por justiça, democracia e verdade. E são esses princípios que temos a
oportunidade de consolidar agora”, declarou à ISTOÉ. Vera acha que, por não ter
dado o tratamento devido aos crimes da ditadura, o Brasil continua assistindo à
violência praticada por policiais, sem o mesmo cunho político, mas com os
mesmos métodos. “Nosso sofrimento é igual ao de tantas famílias que até hoje
não conseguem sepultar seus parentes, vítimas de agentes públicos”, lamenta.
DESABAFO DO FILHO Marcelo Rubens Paiva cobrou o depoimento dos militares que serviam no DOI-Codi do Rio |
Irmão dela, o escritor Marcelo
Rubens Paiva, também comemorou. Em seu blog, declarou: “Nessas horas, mais uma
vez, é preciso separar as emoções e pensar objetivamente. E, como faz um
democrata, confiar nas instituições.” Ele cobrou a convocação para depor dos
militares que serviam no DOI-Codi do Rio e estavam de plantão nos dias em que o
pai esteve preso. O procurador Cláudio Fonteles, que coordena a Comissão
Nacional da Verdade, disse que “a descoberta quebra a brutal farsa do Estado
ditatorial que afirmava que Paiva e outros desaparecidos estavam foragidos”. O
magistrado Aramis Nassif, da Comissão Estadual da Verdade gaúcha, que também
obteve cópia dos documentos, ressalta a importância da descoberta: “Esperamos
que ajude a esclarecer definitivamente o que aconteceu com Rubens Paiva.” O
coronel reformado que estava com os elucidativos documentos foi chefe do
DOI-Codi nos anos 1980, cerca de uma década após o desaparecimento de Paiva, e
teria recolhido os arquivos antes de se aposentar. Molinas Dias os guardou por
mais de 40 anos.