Situação só não é mais grave
porque economia não está aquecida; para técnicos, novas usinas não resolvem a
situação
Em 11 meses, o nível
dos reservatórios das hidrelétricas caiu para menos da metade nas principais
usinas hidrelétricas do País. Trata-se do menor volume de armazenamento de água
desde 2001, nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul. Para alguns analistas, a
forte queda nas represas é um indício do que vem pela frente quando grandes
hidrelétricas a fio d’água (sem reservatórios) entrarem em operação, a exemplo
de Belo Monte e das usinas do Rio Madeira (Santo Antônio e Jirau). Apesar das
chuvas que começaram a cair em algumas regiões do País, os reservatórios
continuam em nível baixo. Na semana passada, apenas o sistema Nordeste, que
apresenta os piores níveis de armazenamento do País, conseguiu uma modesta
melhora. O volume de água nas represas subiu de 32,4%, no dia 17, para 32,8%,
na quinta-feira. Nos sistemas Sudeste, Centro-Oeste e no Sul, a queda nos
níveis atingiu 1 ponto porcentual no período, segundo relatório do Operador
Nacional do Sistema Elétrico (ONS). No Norte, a queda foi de 0,6 ponto. Um
exemplo da situação delicada dos reservatórios é a Hidrelétrica de Itumbiara,
localizada no Rio Paranaíba, entre os municípios de Itumbiara (GO) e Araporã (MG).
A usina está com 13,46% de armazenamento em seu reservatório - isso significa
apenas cinco metros acima da cota mínima da hidrelétrica. Mas, de acordo com
Marcelo Roberto Rocha de Carvalho, gerente da Divisão de Hidrologia de Furnas,
controladora da usina, o volume de água em Itumbiara melhorou nos últimos dias.
"Ela atingiu o menor nível em 1.º de novembro, com 9% de
armazenamento." Segundo ele, o pior resultado foi em 2001, quando a usina
alcançou 7% de volume de água na represa. O executivo explica que, apesar do
nível baixo, a operação da usina funciona normalmente, sem a necessidade de
ampliar as medidas de segurança. "Uma usina é projetada para operar com
qualquer nível de armazenamento, sem alterar os custos de manutenção e operação",
completa o gerente do Departamento de Estudos Eletro Energéticos da Operação de
Furnas, Luiz Edmundo dos Santos Ferreira. Mas, com o volume baixo, é o ONS quem
determina de que forma será feita a operação da usina. Itumbiara tem potência
para gerar 2.100 MW, mas neste momento está produzindo quase metade disso
(1.100 MW), afirma Carvalho. Outra usina de Furnas que também está com volume
baixo é a Hidrelétrica de Marimbondo, localizada no Rio Grande, entre as
cidades de Icém (SP) e Fronteira (MG). A usina, de 1.440 MW, está com 17,93% de
armazenamento. No ano passado, no mesmo período, estava com mais do que o dobro
de volume de água. Um técnico do ONS explicou que, em alguns casos, é
estratégico manter esses reservatórios com níveis mais baixos e fazer a
regularização da bacia nas hidrelétricas que ficam acima, na cabeceira dos
rios. No caso de Itumbiara, a represa é da usina de Emborcação, que está com
45,22% de armazenamento. "É preciso segurar nos reservatórios rio acima
para não jogar água fora na última usina, nesse caso Itaipu", afirmou ele.
Previsões
Nível da hidrelétrica de Capivara é crítico |
Mas os especialistas do setor não
veem com tanta naturalidade a queda expressiva de armazenamento das
hidrelétricas. Na avaliação deles, não há risco de racionamento, mas a situação
pode ficar mais complicada se o volume de chuvas não aumentar. As previsões do
Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) para os próximos três meses não são
muito animadoras para a Região Nordeste, que vive a maior seca dos últimos
anos. De acordo com relatório divulgado sexta-feira, a previsão para o período
de dezembro de 2012 a fevereiro de 2013 continua indicando maior probabilidade
de ocorrência de chuvas abaixo da normalidade (40%) para grande parte da Região
Nordeste e extremo leste da Região Norte. No Sul, há maior probabilidade de
chuvas acima do normal. Nas demais áreas do Brasil, não há uma tendência forte
definida. Pode ficar abaixo, normal ou acima do normal.
São Pedro
Para Jerson Kelman, ex-diretor
geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o mais grave da queda do
volume de água nas represas é a sinalização sobre a capacidade de armazenamento
das hidrelétricas. "Nossos reservatórios eram plurianuais. E não são mais.
Isso é grave." Antes, conseguia-se guardar água para suprir a demanda no
período seco. Mas o ano de 2012, diz ele, trouxe preocupações, já que se gastou
boa parte do reservatório dentro de um único ano. A situação só não é pior
porque o crescimento da economia está bem abaixo das previsões feitas no início
do ano. Dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostram que até setembro
o consumo do País cresceu 3,4% em relação a igual período do ano passado, sendo
as maiores altas verificadas no Nordeste e sistema isolado do Norte, que inclui
Manaus. Para Kelman, sem novos reservatórios, o País ficará cada vez mais
dependente do ‘humor de São Pedro’. Ele lembra ainda que os parques eólicos,
uma das apostas do governo federal para diversificar a matriz elétrica, também
funcionam de acordo com as variações climáticas. Mas elas complementam a
produção hidráulica. É no período mais seco que as eólicas têm o maior
potencial de produção, já que os ventos são mais fortes também nessa mesma
época. "Um reservatório tem capacidade de armazenar tanto água como vento.
Se às 3 horas da manhã está ventando muito, você diminui a produção da
hidrelétrica, guarda água e atende à demanda com o vento (eólicas)", diz
ele. Mas, com as novas hidrelétricas a fio d’água - pré-requisito para obter a
liberação ambiental para uma usina -, o País perde capacidade, avalia Kelman.
Ele explica que a diferença do volume de água no período seco e no período
úmido no Rio Xingu, onde está sendo construída a usina de Belo Monte, é de 25
vezes. No Sudeste, é de 5 vezes. A solução para contornar essa fragilidade do
sistema é acionar todas as usinas existentes no País, seja a gás, óleo
combustível, carvão ou diesel. No mês passado, o ONS foi obrigado a iniciar a
operação de cerca 11 mil MW de energia térmica - mais cara e poluente - para
tentar poupar a água dos reservatórios. Entre 18 de outubro e 16 de novembro,
essas unidades geraram um custo estimado de R$ 393,9 milhões para o consumidor
brasileiro, segundo a Aneel. Os valores serão repassados para a população no
próximo reajuste tarifário das concessionárias. Se a produção continuar no
mesmo ritmo e as chuvas não forem suficientes para recuperar os reservatórios,
até meados de dezembro a conta já estará na casa de R$ 800 milhões.
Informações de O Estado de São Paulo.