Diante da perspectiva de terminar
seus dias na cadeia, o publicitário começa a revelar os segredos que guardava -
entre eles, o fato de que o ex-presidente sabia do esquema de corrupção armado
no coração do seu governo
Rodrigo Rangel – do portal de
VEJA (www.veja.abril.com.br)
O CHEFE: Segredo guardados por Valério põem o ex-presidente Lula no centro do esquema do mensalão |
Apontado como responsável pela
engenharia financeira que possibilitou ao PT montar o maior esquema de
corrupção da história, Valério enfrenta um dilema. Nos últimos dias, ele
confidenciou a pessoas próximas detalhes do pacto que havia firmado com o partido.
Para proteger os figurões, conta que assumiu a responsabilidade por crimes que
não praticou sozinho e manteve em segredo histórias comprometedoras que
testemunhou quando era o "predileto" do poder. Em troca do silêncio,
recebeu garantias. Primeiro, de impunidade. Depois, quando o esquema teve suas
entranhas expostas pela Procuradoria-Geral da República, de penas mais brandas.
Valério guarda segredos tão estarrecedores sobre o mensalão que ele não
consegue mais guardar só para si - mesmo que agora, desiludido com a falsa
promessa de ajuda dos poderosos a quem ajudou, tenha um crescente temor de que
eles possam se vingar dele de forma ainda mais cruel.
NO INFERNO - O empresário Marcos Valério, na porta da escola do filho, em Belo Horizonte, na última quarta-feira: revelações sobre o escândalo (Cristiano Mariz) |
"O caixa do PT foi de 350
milhões de reais"
A acusação do Ministério Público
Federal sustenta que o mensalão foi abastecido com 55 milhões de reais tomados
por empréstimo por Marcos Valério junto aos bancos Rural e BMG, que se somaram
a 74 milhões desviados da Visanet, fundo abastecido com dinheiro público e
controlado pelo Banco do Brasil. Segundo Marcos Valério, esse valor é
subestimado. Ele conta que o caixa real do mensalão era o triplo do descoberto
pela polícia e denunciado pelo MP. Valério diz que pelas arcas do esquema
passaram pelo menos 350 milhões de reais. "Da SMP&B vão achar só os 55
milhões, mas o caixa era muito maior. O caixa do PT foi de 350 milhões de
reais, com dinheiro de outras empresas que nada tinham a ver com a SMP&B
nem com a DNA", afirma o empresário. Esse caixa paralelo, conta ele, era
abastecido com dinheiro oriundo de operações tão heterodoxas quanto os
empréstimos fictícios tomados por suas empresas para pagar políticos aliados do
PT. Havia doações diretas diante da perspectiva de obter facilidades no
governo. "Muitas empresas davam via empréstimos, outras não." O fiador
dessas operações, garante Valério, era o próprio presidente da República.
Lula teria se empenhado
pessoalmente na coleta de dinheiro para a engrenagem clandestina, cujos
contribuintes tinham algum interesse no governo federal. Tudo corria por fora,
sem registros formais, sem deixar nenhum rastro. Muitos empresários, relata
Marcos Valério, se reuniam com o presidente, combinavam a contribuição e em
seguida despejavam dinheiro no cofre secreto petista. O controle dessa
contabilidade cabia ao então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, que é réu
no processo do mensalão e começa a ser julgado nos próximos dias pelos crimes
de formação de quadrilha e corrupção ativa. O papel de Delúbio era, além de
ajudar na administração da captação, definir o nome dos políticos que deveriam
receber os pagamentos determinados pela cúpula do PT, com o aval do ex-ministro
da Casa Civil José Dirceu, acusado no processo como o chefe da quadrilha do
mensalão: "Dirceu era o braço direito do Lula, um braço que
comandava". Valério diz que, graças a sua proximidade com a cúpula petista
no auge do esquema, em 2003 e 2004, teve acesso à contabilidade real. Ele conta
que a entrada e a saída de recursos foram registradas minuciosamente em um
livro guardado a sete chaves por Delúbio. Pelo seu relato, o restante do
dinheiro desse fundão teve destino semelhante ao dos 55 milhões de reais
obtidos por meio dos empréstimos fraudulentos tomados pela DNA e pela
SMP&B. Foram usados para remunerar correligionários e aliados. Os valores
calculados por Valério delineiam um caixa clandestino sem paralelo na política.
Ele fala em valores dez vezes maiores que a arrecadação declarada da campanha
de Lula nas eleições presidenciais de 2002.