FERNANDO RODRIGUES – da FOLHA DE
SÃO PAULO
Sem saber quem patrocina as
campanhas de milhares de políticos, os brasileiros votam "às cegas" e
a democracia do país fica em risco por causa da falta de transparência nas
contas dos candidatos a cargos públicos.
Márlon Reis - dedicação ao combate à corrupção eleitoral |
Para tentar mitigar a situação,
Reis iniciou um movimento em sua jurisdição no interior do Maranhão exigindo
dos candidatos locais informações detalhadas nas prestações de contas parciais,
oferecidas antes da eleição.
Para evoluir mais, afirma o juiz,
as entidades que integram o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral)
podem apresentar uma ação declaratória de inconstitucionalidade contra a lei
que permite aos políticos divulgar suas contas só depois de eleitos. "Nós
já temos uma Constituição da República que estabelece o princípio da publicidade
(...) Uma democracia não combina com obscuridade", declara.
A ação de Márlon Reis nas cidades
maranhenses de João Lisboa, Buritirama e Senador La Rocque inspirou o Tribunal
Superior Eleitoral a exigir de todos os mais de 400 mil candidatos a cargos
públicos neste ano a divulgação de nomes de doadores e de prestadores de
serviço antes da realização da eleição de 7 de outubro. O problema é que a lei
ainda permite aos políticos deixar a maior parte da prestação de contas para
depois do pleito.
Contra essa frouxidão da lei é
que Márlon Reis deseja ampliar a campanha do MCCE. Aos 42 anos, o filho de
funcionário público que nasceu em Tocantins e fez carreira no Maranhão acha que
pode fazer para a transparência das contas de campanha o que já foi realizado
para a aprovar a Lei da Ficha Limpa.
A seguir, trechos da entrevista
concedida no último dia 6:
Folha/UOL - Os eleitores sabem o
que está por trás das candidaturas antes de votar?
Márlon Reis - Nós estamos ainda
longe de poder dizer que os eleitores sabem o que está por trás das
candidaturas antes de votar.
O que falta?
Eu acho que não é exagero dizer que
o brasileiro vota às cegas.
Por quê?
Há fatores que são de uma
gravidade impressionante. Ainda é possível a realização de doações ocultas.
Pessoas e empresas que querem doar e não aparecer o fazem por meio de um
partido político ou de um comitê financeiro. Seu nome não é revelado [até]
abril do ano seguinte às eleições, quando tudo já está resolvido.
Os eleitores só ficam sabendo
quem doou para os candidatos depois de o político já estar eleito?
...E empossado e já estar há
alguns meses no mandato. Embora a Justiça Eleitoral já esteja revelando nomes
de doadores, que é uma grande conquista de 2012, grande parte das doações
reveladas provém de fontes partidárias.
Ora, o candidato apresenta uma
prestação de contas dizendo que recebeu o dinheiro do partido político. Mas não
diz de quem o partido político recebeu. E aí é uma válvula, é um caminho pelo
qual se abre espaço para o que se chama de doação oculta.
É um fenômeno forte,
especialmente nas grandes capitais. Uma democracia não combina com obscuridade.
A democracia brasileira fica em
risco por causa disso?
Fica. É um requisito, inclusive é
um elemento de avaliação da qualidade de uma democracia, a identificação do
nível de transparência. E quando se peca na transparência num ponto tão
fundamental que é o de conceder ao titular do poder político, que é o cidadão,
o volume de informações mínimo para que ele exerça conscientemente a sua opção
eleitoral, aí nós estamos diante de um grave problema. Eu considero que se
trata de uma violação de direitos humanos.
No caso das doações diretas ao
candidato já há transparência suficiente?
Já melhorou bastante. Até as
eleições passadas, é incrível, somente após a votação, e até 30 dias após a
votação, era que o candidato estava obrigado a revelar o nome dos doadores.
Tarde demais.
Qual a sua decisão no Maranhão a
respeito dessa prática?
Em maio, eu passei, como juiz
eleitoral, a aplicar uma regra diferente. Com base na Lei de Acesso à
Informação, eu anunciei aos candidatos da minha Zona Eleitoral que eles também
teriam de apresentar os nomes dos doadores. Fiquei feliz com a repercussão. O
gesto foi seguido por vários juízes eleitorais de outros Estados. Até chegar ao
Tribunal Superior Eleitoral, que no último dia 24 de agosto, por uma decisão da
presidente [do TSE], ministra Cármen Lúcia, resolveu adotar isso como padrão.
Mas ainda não é suficiente.
Por que não é suficiente?
Porque há apenas dois momentos
para prestações de contas preliminares, que são 6 de agosto e 6 de setembro.
Um candidato então pode
escamotear e apresentar contas preliminares agora e só depois da eleição um
relatório muito mais completo?
Pode e é justamente aí que reside
a fragilidade. Então, um problema é o das doações ocultas. O outro é o dessa
reserva de tempo...
Como deveria ser?
Deveria ser em tempo real. Quem
doa, o faz de forma a ser revelado isso imediatamente. E os recursos
tecnológicos há muito tempo permitem isso de maneira fácil. Basta ser uma
transação eletrônica com revelação automática na internet.
Seria necessário alterar a lei?
Eu entendo que não. Nós já temos
uma Constituição da República que estabelece o princípio da publicidade.
Mas a lei é frouxa e permite que
se mantenha o formato atual. Alguém teria de arguir a inconstitucionalidade da
regra?
Qualquer regra que limite o
acesso de eleitores ao conhecimento tempestivo, que impeça o eleitor de ter
acesso a essa informação no tempo mais importante, que é o momento que antecede
o voto, essa regra é flagrantemente inconstitucional.
Alguma entidade do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral poderia entrar com uma ação no STF requerendo a inconstitucionalidade da regra na Lei Eleitoral? Poderia. Inclusive, o MCCE pautou esse tema entre as suas maiores preocupações. Foi ele que levou ao conhecimento oficial do Tribunal Superior Eleitoral o ato que nós baixamos lá em João Lisboa, a minha Zona Eleitoral. E foi esse mesmo movimento que postulou perante não apenas ao Tribunal Superior Eleitoral, como perante todas as presidências de TREs [Tribunais Regionais Eleitorais], a observância da Lei de Acesso à Informação.