CFM analisa relatórios
internacionais e mostra preocupação com subfinanciamento da saúde, que tem
afetado indicadores que avaliam a qualidade de vida e de bem-estar
O fortalecimento e a eficácia do
Sistema Único de Saúde (SUS), com impacto direto na redução das desigualdades
na assistência e na melhora dos indicadores sanitários e de qualidade de vida,
estão ameaçados pelo baixo financiamento público. A análise é do Conselho
Federal de Medicina (CFM) com base em levantamentos realizados por organismos
internacionais que confirmam a timidez do investimento público em saúde no
Brasil, além do consequente reflexo nos resultados alcançados pelo modelo de
atenção nos campos do cuidado, prevenção e promoção.
Esse entendimento dialoga com
conclusões do Relatório “Saúde nas Américas 2012”, lançado essa semana pela
Organização Pan-Americana da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde
(OPAS/OMS). Este trabalho indica que, no Brasil, apesar dos avanços alcançados
ao longo das últimas décadas, permanece um cenário de desigualdade que afeta a
população. Aponta ainda para a realidade das doenças crônicas não
transmissíveis, as causas externas e a tuberculose.
Para o presidente do CFM,
Roberto Luiz d’Avila, a necessidade de acabar com o subfinanciamento da saúde
no país se impõe. “Se aumentamos a expectativa de vida e reduzimos a
mortalidade infantil, poderíamos ter ido ainda mais longe. No entanto, sem
aportes que garantam as políticas públicas necessárias e uma gestão que entenda
a relevância das medidas estruturantes em lugar das de apelo midiático,
problemas graves poderão comprometer todas as nossas conquistas”.
Comparação internacional - De
acordo com o CFM, dados da OMS (Estatísticas Sanitárias 2012) mostram que o
Governo brasileiro tem uma participação aquém das suas necessidades e
possibilidades no financiamento. Do grupo de países com modelos públicos de
atendimento de acesso universal, o Brasil é o que tem a menor participação do
Estado (União, Estados e Municípios). Esse percentual fica em 44%, pouco mais
que a metade do investido pelo Reino Unido (84%), Suécia (81%), França (78%),
Alemanha (77%), Espanha (74%), Canadá (71%) e Austrália (68%). Até a vizinha
Argentina tem desempenho melhor (66%). Confira a Tabela I.
O mapa da OMS revela que os
países com melhor performance na razão médico-habitante e em outros indicadores
são aqueles com sistemas universais de saúde, com forte participação do Estado
no financiamento, na gestão e na prestação de serviços. Países com maior gasto
público do que privado em saúde – como Alemanha, França, Itália, Espanha,
Inglaterra e outros – têm mais médicos por habitante e melhores índices em
saúde. São também os governos que mais gastam em saúde proporcionalmente aos
seus orçamentos totais, e cujas despesas nessa área representam a mais alta
porcentagem do PIB.
No Brasil, levantamento do CFM
aponta um número de médicos suficiente para atender as demandas nacionais (em
torno de 373 mil profissionais). No entanto, com a falta de políticas de
recursos humanos, que valorizem a Medicina, e o subfinanciamento público da
saúde, não há políticas que estimulem a desconcentração dos médicos, evitando a
desigualdade no acesso à assistência.
Sem esses parâmetros, os médicos
permanecem nos grandes centros e áreas desenvolvidas e fora do SUS. Com isso, a
falta dos profissionais se faz notar, sobretudo, nos municípios pobres da
Amazônia e do Nordeste e nos serviços públicos. Para o CFM, o país precisa de
uma ação do Estado que contribua para a fixação do médico nas zonas de difícil
provimento e seu ingresso no Sistema Único.
Impacto no IDH - No entanto, o
impacto negativo do baixo investimento público em saúde transparece ainda em
outros dados. O mesmo Brasil, no qual a participação estatal é tímida na
assistência, perde posições importantes no ranking internacional que mede o
comportamento dos Indicadores do Desenvolvimento Humano (IDH), promovido pela
Organização das Nações Unidas (ONU). Entre 187 países, o Brasil fica na 84ª
posição.
“Trata-se de uma posição nada
lisonjeira para quem se coloca entre os 10 mais ricos do mundo, com pretensões
de ser a sexta economia do mundo”, ressaltou o 1º vice-presidente do CFM,
Carlos Vital. Não por coincidência, a frente do Brasil aparecem nações nos
quais a participação do Estado no financiamento em saúde é proporcionalmente
maior. Além disso, estes mesmos países também apresentam uma relação médico x
paciente maior que a brasileira.
“Todos sabem que um médico,
apenas com estetoscópio no pescoço, por mais bem intencionado que seja não terá
condições plenas de tratar e salvar vidas. É preciso entender a necessidade de
ampliar o financiamento da saúde no Brasil. Alemanha, França, Espanha, Uruguai,
Argentina e Inglaterra – que possuem uma razão médico x habitantes superior a
do Brasil - já aprenderam a lição. Ou seja, entende-se que essa relação entre o
número de profissionais e o tamanho da população não é bastante para garantir
bom atendimento, sendo necessário também mais recursos e melhor gestão para
manter de pé os programas e as políticas assistenciais”, apontou Carlos Vital.
Outros indicadores – Confrontado
com a necessidade de mais recursos públicos para o SUS e com uma demanda
crescente em saúde, o Brasil também patina na melhora de indicadores que
poderiam ter avançado mais, se a realidade do financiamento e da gestão fosse
diferente. “Em países com uma maior proporção médico x habitante,
invariavelmente a presença do Estado no financiamento da saúde tem se mostrado
maior. Além disso, os indicadores que avaliam a qualidade de vida e o bem-estar
da população destes países tendem a refletir esse esforço do setor público em
participar mais do financiamento”, avalia Aloísio Tibiriça, 2º vice-presidente
do CFM e coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS.
Dois exemplos são citados pelo
CFM. Todos os países que investem mais em saúde, além de terem mais médicos por
mil habitantes e estarem melhor posicionados no ranking do IDH, ainda contam
com uma maior expectativa média de vida em anos e menores taxas de mortalidade
neonatal (primeiros 28 dias de vida), conforme o mesmo estudo Estatísticas
Sanitárias 2012. Para o CFM, o esforço público brasileiro existe, mas poderia
ser maior ou melhor orientado se o país contasse com uma visão estruturante na
gestão da saúde e os anunciados avanços na esfera econômica fossem estendidos
ao campo das políticas sociais, como o SUS.
Com exceção apenas da África do
Sul, onde a peculiaridade social e o descaso com doenças como a Aids mantém
baixa a expectativa da população (55 anos), os demais países onde o setor
público participa mais do que o setor privado no financiamento da saúde
apresentam maior expectativa de vida que o Brasil (75). É o caso, por exemplo,
da Argentina (75), México (76), Chile (79), Portugal (79), Canadá (81), Reino
Unido (80), França (81) e muitos outros.
No que diz respeito à taxa de
mortalidade neonatal, a tendência é a mesma. A exceção novamente da África do
Sul e outras poucas nações, a taxa parece cair à medida que o setor público
participa mais do financiamento. Com base nos dados da OMS, o CFM mostra que,
no Brasil, a proporção é de 12 mortes por 1.000 nascidos vivos. No topo aparece
a Dinamarca, cujo estado se responsabiliza por 85% do gasto total em saúde,
essa taxa fica em apenas 2. Na América do Sul, Uruguai (6), Argentina (7) e
Chile (5) também apresentam melhores resultados. Confira os demais países na
Tabela II.
“Embora essa correlação entre o
gasto por habitante e estes indicadores não seja facilmente mensurável – já que
aumentar o gasto não significa necessariamente ampliar o acesso da população –,
os dados sugerem que o Brasil ainda precisa investir muito mais na saúde
pública para se igualar aos países que oferecem um sistema universal de
assistência”, completa Tibiriça.
Informações do portal do Conselho Federal de Medicina.